Um músico polivalente – Rolando de Nassau entrevistando Ruy Wanderley
“O Ministério de Música ainda é um sonho”, deduz nosso entrevistado.
Autor (“História da Música Sacra, 1977), prefaciador (“Folguedos Natalinos”, de Paulo Brand, 1988) e colunista (revista “Louvor Perene”), exercitou seu dom literário para divulgar conhecimentos sobre a música erudita e o folclore baiano de inspiração religiosa.
Compilador, tradutor e arranjador de coletâneas corais (“Hosiana, 1982, “Concerto Sacro”, vols. I e II, III e IV, 1983, e 1984, “Novos Louvores”. 1985, “Dai louvores ao Senhor”, de Mozart, “Ressoem Louvores”, Bach, e “Vem, ó meu Senhor!” de Marcello, 1992), enriqueceu o repertório coral à disposição de nossas igrejas.
Exímio executante e arranjador de peças para flauta-doces (“Hinos que a Igreja Canta”, 1980, “Louvai-O com flautas”, 1981, e “Música para flauta-doces”, 1986), inovou a música instrumental de muitas igrejas evangélicas.
Pondo seu talento musical à escolha por conceituadas instituições para a sua direção artística (Conjunto de Música Antiga, Estúdio Musicante e Sociedade de Cultura Musical), propiciou a muitos cantores e instrumentistas a oportunidade de desempenho no canto e na música de obras eruditas de alto nível.
Como regente (coros em São Carlos, SP, Lavras, MG e Rio de Janeiro, RJ) e professora de Teoria Musical, Harmonia, História da Música e Apreciação Musical (Instituto “Gammon”, Colégio “Bennett”, Seminário Teológica Batista do Sul do Brasil, Conservatório Brasileiro de Música e três importantes universidades no Rio de Janeiro), preparou muitos jovens e adultos, nos vários níveis de aprendizado, para a arte musical.
Essa tem sido a multifacetada atividade de Ruy Wanderley. Nos últimos 15 anos, ele talvez tenha sido o músico evangélico mais visado por esta coluna de crítica musical. E, provavelmente, continuará a se-lo, em grande parte devido ao fato de ser um músico polivalente, que não admite ambivalência musical.
No Rio de Janeiro, no Leblon, encontramos Ruy Wanderley, a quem entregamos um questionário. Ele preferiu depois de cuidadosa leitura, remeter para Brasília as seguintes respostas:
Rolando de Nassau – Tem sido satisfatória, tanto na quantidade quanto na qualidade, a publicação de obras musicais eruditas no meio evangélico?
Ruy Wanderley – Para uma igreja que sempre contou com muito pouco empenho de músicos e editores no campo da música sacra, creio que tivemos um período satisfatório entre 1958 (com o advento das publicações da série “Evelina Harper”, Escola de Música Sacra do Colégio “Bennett”, Imprensa Metodista e JUERP), e 1980. A partir daí, temos poucas publicações, embora de excelente qualidade musical erudita, graças aos esforços das editoras já citadas e da “Redijo”, que, atualmente, lidera essas iniciativas.
Rolando de Nassau – Qual é a sua opinião sobre os chamados discos evangélicos, no que se refere à qualidade da execução e à escolha das peças musicais?
Ruy Wanderley – Buscando agradar uma comunidade tão pouco esclarecida em matéria de música genuinamente sacra, as gravadoras tem inundado o mercado musical evangélico com os “hits” de qualidade a mais inferior possível, que não resistem a qualquer julgamento, quer musical, quer de adequação litúrgica, agravados pelo pior gosto musical possível, com raríssimas exceções, como os hinos de Natal que Léo Vitor Biato gravou ao órgão da Escola de Música da UFRJ, algumas iniciativas isoladas de bom coro e possibilidades de utilização de grupos instrumentais.
Rolando de Nassau – Quais tem sido, nos últimos dois anos, as mais importante audições de canto coral sacro, no ambiente evangélico e no cenário profano?
Ruy Wanderley – Não tenho uma visão ampla desses eventos. No Rio de Janeiro, há muitos de boa qualidade, iniciativas de igrejas, seminários, grupos independentes como a Sociedade de Cultura Musical, sobre a qual você já escreveu, mas não creio poder opinar mais amplamente.
Rolando de Nassau – Quais os instrumentos musicais que você considera apropriados ao culto divino?
Ruy Wanderley – Quem sou eu para discordar do salmista (Sl 145)? É claro que há instrumentos tão associados à música secular que dificilmente terão sonoridade ou adequação a um ambiente litúrgico, e, por mais que os verdadeiros músicos sacros se esforcem, dificilmente terão lugar na igreja. Órgão, instrumentos nobres de orquestra, instrumentos suaves, e até o piano. (D. Rosinha Fernandes Braga não concordaria…), podem, com o uso de um repertório adequado e específico, contribuir para um ambiente de reverência, louvor alegre e inspiração no culto. Já pude ver um violonista tocar música realmente sacra no culto. Também já vi um organista tocando um “rock” (da “pesada”) nos órgãos-de-tubos. Quem é o culpado, o instrumento ou o instrumentista?
Rolando de Nassau – Qual é a importância que tem sido dada à história da Música Sacra nos currículos do seminário e faculdades teológicas?
Ruy Wanderley – Acho que avançamos muito neste terreno. Quase todos os cursos de que tenho notícia incluem História da Música, com ênfase para Música Sacra. Nossos alunos de música e teologia têm informações, subsídios, ilustrações, etc. em quantidade. Cabe a ele usar o discernimento na utilização dos repertórios de fundamentação histórica. Não vejo, atualmente, razões para que seja alegada ignorância ou falta de material.
Rolando de Nassau – Qual é a sua opinião sobre o canto congregacional nas igrejas evangélicas do Rio de Janeiro?
Ruy Wanderley – Apesar da inundação dos chamados “corinhos”, hinetos, louvor alternativo, “cânticos espirituais” e mil outros sinônimos para a música congregacional extra-hinários, acho que ainda pode-se considerar preservado o cultivo do melhor canto congregacional, ainda mais com a adoção cada vez maior do chamado “regente congregacional”, que, quando não resolve fzer um programa-de-auditório com a congregação, incentiva um canto mais preciso.
Rolando de Nassau – Qual é sua opinião sobre os hinários evangélicos existentes, em especial os mais recentemente publicados?
Ruy Wanderley – Os hinários congregacionais em uso nas igrejas evangélicas são a fonte do cultivo do melhor canto congregacional, herança que temos dos missionários que implantaram em nosso país a prática e gosto pelo canto da comunidade. Cumpriram sempre sua missão os hinários “Salmos e Hinos”, “Cantor Cristão”, “Alelúias”, “Seja Louvado”, Cantai ao Senhor”, “Hinários Evangélico”, “Hinário Episcopal”, “Harpa Cristã”, e vários outros. Os mais recentes, “Hinário para o Culto Cristão” e “Novo Cântico”, já foram analisados por você, com aquela opinião sincera, detalhista e imparcial que sempre caracterizou sua atuação jornalística, no estilo “doa a quem doer”, que o torna altamente respeitável.
Rolando de Nassau – Como tem sido e como poderá ser o desempenho dos Ministros de Música nas igrejas evangélicas que você conhece?
Ruy Wanderley – O Ministério de Música ainda é um sonho. Poucas igrejas (proporcionalmente) já estão suficientemente amadurecidas para assumir e reconhecer a atuação de um ministro de música. Algumas têm conhecido resultados maravilhosos graças à atuação de verdadeiros ministros competentes e eficientes. Igrejas maiores têm recursos para manter ministros em tempo integral, outras em tempo parcial, o que já é um começo. Tenho visto trabalhos excelentes de envolvimento musical de toda a igreja, graças a ministros de alta competência. Infelizmente, ocorrem também “desastres” que levam algumas igrejas ao descrédito no ministro de música.
Como disse, é um sonho e ideal a ser perseguido. Tenho certeza que o seminários estão fazendo o melhor para preparar ministros competentes e vocacionados.
Rolando de Nassau ao entrevistar Ruy Wanderley
(Entrevista publicada originalmente em “O Jornal Batista”, 28 de Março de 1993 p. 2)
© 1993 de Rolando de Nassau – Usado com permissão
Gostei.!!
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