A tradução de hinos – Alguns pensamentos sobre a tradução de hinos – Rev. João Wilson Faustini
Alguns pensamentos sobre a tradução de hinos
Traduzir hinos de outras línguas para o português em si não é difícil; o difícil é manter as palavras com o mesmo sentido do texto original, o mesmo número de sílabas, com os mesmos acentos fracos e fortes da melodia, além das rimas. Por esta razão os italianos têm um provérbio famoso: Traduttori traditori, isto é, tradutores são na realidade uns traidores, porque sempre mudam alguma coisa do original, visto que é quase impossível de se manter sentido exato observando as rimas, acentuações, etc. ipis-literis como o original.
Entretanto há hinos e canções em prosa, que foram compostas acompanhando o texto, que os alemães desenvolveram em seus “lieder” (canções para canto) processo que foi chamado de durchkomponiert, isto é, compostos seguindo-se mais de perto o sentido de cada palavra, com possíveis mudanças melódicas. Estes são mais fáceis de serem traduzidos, até literalmente, desdobrando-se notas quando necessário para aumentar o numero de silabas. Como exemplo temos as árias, recitativos e coros de “O Messias” de Handel, que têm sido traduzidos usando-se os textos bíblicos originais, com pequenas alterações nos valores rítmicos das melodias quando necessário, para ser possível dar a cada silaba do texto uma ou mais notas musicais .
A grande maioria dos hinos, principalmente os hinos congregacionais, por tradição, têm sua estrutura um tanto inflexível: São estróficos e teem número exato de silabas nos versos, rimas em versos alternados ou não, e a prosódia, que tem a ver com os acentos do texto, coincidindo com os acentos fortes e fracos da música. A métrica regular do texto de um determinado hino qualquer, possibilita cantá-lo com outras melodias de igual métrica. Por exemplo, se a métrica de um hino é 8.7.8.7.D, significa que o primeiro verso tem oito silabas, o segundo 7 e assim por diante. O D significa que essa estrutura é duplicada, isto é, que a estrofe tem 8 versos, e não 4. Normalmente o texto de uma métrica, com suas acentuações fortes e fracas se encaixará perfeitamente em outras melodias da mesma métrica. Quando se tem um texto de um hino métrico sem música, é possível encontrar uma melodia no índice das melodias do hinário para se encontrar uma melodia que tenha a mesma métrica e o mesmo espirito da letra. Deste modo, usando-se uma melodia conhecida, a congregação poderá cantar, mesmo sem ter que aprender, muitos hinos de textos novos com melodias já sabidas. Deve-se observar, naturalmente, se o espirito ou atmosfera da música corresponde ao espirito ou atmosfera do texto. Uma melodia vigorosa e marcial, por exemplo, não fica bem ser cantada com um texto meditativo ou introspectivo, e o oposto também é verdadeiro .
Supondo-se que se deva traduzir um hino métrico, que já tenha sua própria música, costumo recomendar o seguinte:
a) Manter o sentido, as rimas, e os acentos das silabas acentuadas nos tempos fortes, e as silabas sem acentuação nos tempos fracos dos compassos. A isto dá-se o nome de prosódia. Há uma terminologia de origem grega, que classifica os acentos fortes e fracos dos versos, em grupos de duas ou mais silabas, normalmente referidos como “pés”. (*)
Manter palavras originais, o tanto quanto possível. Quando não, manter o sentido original – o que sempre é possível. A letra mata a tradução, o espírito lhe dá vida.
É muito importante que o hino seja absolutamente cantável (pois hino não é feito para ser lido) e deve ser de cunho poético. A poesia é realmente uma necessidade. Há poesias como os Salmos, sem rima, e com métricas bastantes livres, como eram as poesias hebraicas que usavam o sistema de paralelismo poético. Mas todas as poesias usam símbolos, imagens e metáforas. Quando dizemos que “o Senhor é meu escudo e fortaleza”, estamos, por necessidade, usando uma metáfora que possa descrever uma característica de Deus, que é um ser espiritual. Seres e condições espirituais necessitam de ser expressos assim, com imagens e figuras, para que possam ser relativamente entendidos. Foi assim que Jesus ensinou os seus discípulos. Ele dizia eu sou a porta, (a entrada) sou o bom pastor, (aquele que cuida) sou o Pão da vida, (aquele que alimenta e sustenta,) etc. As grandes doutrinas da fé, tiradas diretamente da Bíblia podem ser sintetizadas e explicadas e ensinadas através de símbolos e imagens. Precisam ser condensadas e sintetizadas para se dizer grandes conceitos em poucas palavras. Há palavras chaves que precisam ser mantidas em uma tradução, para não se perder o sentido original.
Por exemplo, no belo moteto para 5 vozes de J.S. Bach intitulado “Jesus meine Freude”, (Jesus, minha alegria) Bach se baseou em textos bíblicos e paráfrases. Na primeira linha do primeiro movimento o texto em alemão diz: “Jesu, Meine Freude, meines Herzens Weide”. Literalmente quer dizer: “Jesus, minha alegria, pasto para o meu coração”. Obviamente, ficaria ridículo usar esta figura em português, mas o sentido, a ideia, a figura, é que Cristo é o alimento, o sustento para a nossa alma. Então, mudando-se de pessoa – em vez de “Ele é”, para “Tu és”: “És minha alegria, meu sustento e guia”, tem-se basicamente a ideia original, embora as palavras não possam ser as mesmas.
Todas as elisões naturais das vogais da fala devem, preferivelmente, permanecer como na fala normal. Nem sempre é possível, mas sempre é bom tentar.
Ex: Da Bíblia, a luz celeste: São sete sílabas e não oito porque pronunciamos juntas as vogais “a” de Bíblia, e a vogal “a”, artigo definido. Serão oito sílabas se não fizermos a elisão delas, não as pronunciando juntas em uma só emissão.
Cacófatos e sentidos dúbios devem ser evitados, pensando-se em todas as regiões do Brasil, e não somente na região do tradutor. Por exemplo, a palavra “patente” no Sul do Brasil significa banheiro, ou privada. Portanto, não ficaria bem dizer que “o amor de Cristo está patente”. Aqueles responsáveis pela tradução da BÍBLIA NA LINGUAGEM DE HOJE mandavam seus textos, depois de prontos, para pessoas chaves em pontos estratégicos do Brasil, de norte a sul, para eles anotarem qualquer sentido dúbio como esse exemplo dado.
O hino “Castelo Forte” tem 48 versões diferentes em inglês. Algumas apenas são conhecidas. É sem dúvida uma riqueza, e não há desperdício quando se pode variar e há um vasto celeiro de onde se possa escolher a tradução que seja a melhor e mais de acordo com o propósito do momento.
Há traduções melhores (tanto poeticamente quanto em conteúdo) que seus originais. Por exemplo, se você comparar o texto português do hino “Descansa, ó alma” com o seu original alemão, “Stille, mein Wille” ou com a tradução inglesa “Be Still my Soul” você poderá analisar as diferenças entre uma e outra. Valeria a pena ficar preso a um original que não diz muito? Claro que não! Devemos tentar “melhorar” os originais? Só se tivermos um gabarito de qualificação de um grande poeta, como Isac Nicolau Salum, se de fato houver justificativa, e se for fruto de uma análise profunda do hino. Segundo o que ouvi do próprio Prof. Salum, ele se baseou no inglês, e só conheceu o original alemão mais tarde. Entretanto a sua tradução portuguêsa foi organizada de tal maneira, que ganhou mais estética, beleza e conteúdo do que o hino original alemão! Mas esta é uma grande exceção. Grandes hinos poéticos e traduções bem-feitas não surgem ao acaso. São frutos do conhecimento das línguas, da Biblia, do longo treinamento e desenvolvimento da capacidade do tradutor de penetrar no significado mais profundo dos textos, e do manejamento correto da métrica e prosódia.
(*)Para uma explicação de “pés”, vide o cap. XV “A Métrica e a Acentuação Musical dos Hinos” no livro MÚSICA E ADORAÇÃO, J. W. Faustini – Publicação da SOEMUS – Sociedade Evangélica de Música Sacra, São Paulo)
“Publicado originalmente em: Louvor Perene nº 71, Outubro, Novembro e Dezembro de 1977”
© 1977/ adap. 2016 de João Wilson Faustini – Usado com permissão
Material de GRANDE importância!
Obrigado!!
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