Princípios Básicos da Música Evangélica – Henriqueta Rosa Fernandes Braga

Princípios Básicos da Música Evangélica

I – O canto congregacional é o cerne da música evangélica por razões: bíblica, histórica e funcional.

II – A função precípua do côro é dirigir os cânticos da congregação e ensinar a esta novos hinos.

III – A grande responsabilidade do ministro da música é escolher adequadamente os hinos congregacionais dentro do hinário adotado pela igreja.

I

Lemos na Bíblia, em Mateus 26.30 e Marcos 14.26, que após a última ceia de Jesus com seus discípulos: “tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras”

Na Epístola aos Efésios 5.19, recomenda Paulo:

“falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor, com hinos e cânticos espirituais.”

E o mesmo Paulo aconselha em sua Carta aos Colossenses 3.16:
“Louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão em vossos corações.”

Ainda antes da vinda de Cristo, já encontramos no Velho Testamento inúmeras exortações como esta:

“Louvai ao Senhor, porque é bom e amável cantar louvores ao nosso Deus.” Salmo 147.1

Ou ainda esta:

“Cantai ao Senhor um novo cântico, e o seu louvor na assembleia dos santos”. Salmo 149.1

Sabemos que os primeiros cristãos, ocultos nas catacumbas para poderem render culto a Deus, coisa que lhes era proibido fazer livremente, cantavam em uníssono os Salmos herdados das sinagogas judaicas, e trechos dos Evangelhos e das Epístolas.

Estes uso, perdido na tradição católica-romana à medida que a igreja se foi organizando e consequentemente se afastando dos preceitos bíblicos, foi reestabelecido por Lutero no séc. XVI quando proclamou o dever e o privilégio do cristão louvar a Deus no seu santo templo, reafirmando o sacerdócio universal do crente expresso em I Timóteo 2.5:

“Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.”

Para que isto pudesse verificar-se, criou o coral, forma musical que derivam os hinos evangélicos, de fatura acessível à execução de leigos e que lhes permite participar ativamente do culto divino, ao invés de permanecerem como meros assistentes ou espectadores.

O canto congregacional oferece aos crentes a oportunidade e o privilégio de unirem suas vozes em louvor ao Pai eterno, fortalecendo o princípio da fraternidade cristã e estreitando os laços do amor que unem os redimidos por Cristo Jesus:

Funcionalmente, é gloriosa a missão do canto congregacional: ele é uma expressão de fé ao mesmo tempo que uma inspiração à fé.

Todos nós, pecadores que somos, mas graças a Deus redimidos pelo sangue de nosso bendito Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, encontramos na Sua grande bondade e misericórdia razões de sobra para louvá-lo e bendizê-lo. O canto congregacional é a válvula que nos permite extravasar em cânticos a pureza da nossa fé.

Não é necessário que tenhamos bela voz e que esta seja educada. Importa, isso sim, que a elevemos de coração aberto e com o espírito inteiramente voltado para o nosso Deus, o que nos levará a uma verdadeira atitude de reverência musical impedindo-nos de gritar ao invés de cantar; ou de arrastar a voz como se tratasse de uma melopeia sem sentido espiritual e, por isso isenta de maior significado; conduzindo-nos a uma atenta articulação da letra tornando-a nossa, bem nossa, ao invés de pronunciá-la  sem que a alma participe do seu conteúdo. Quando isto acontecer, tenhamos a certeza de que, além de lídima expressão de fé, o nosso canto também se terá transformado em legítima inspiração à fé para os que nos ouvem e porventura ainda não desfrutam da paz que gozamos em Cristo Jesus.

II

Nas igrejas que possuem coro, e isto acontece na maior parte delas, é indispensável que este possua uma nítida compreensão de suas elevadas atribuições. Cabe-lhe em primeiro lugar dirigir os hinos da congregação e ensinar a esta novos cânticos. Sua esfera de ação pode ampliar-se proveitosamente, não resta dúvida, mas o será legítimo depois que a sua principal função estiver plenamente estabelecida e produzindo os seus frutos e sem que as novas atividades venham prejudicar, de leve que seja, sua verdadeira responsabilidade no seio da igreja.

Um coro bem ensaiado conduzirá a execução congregacional no andamento próprio e na interpretação conveniente, contribuindo de maneia eficaz para a espiritualidade do culto.

Observa-se nas igrejas, com frequência, verdadeira pobreza no seu repertório hinológico, embora os nossos hinários sejam em geral bem providos.

Alega-se ser muito difícil ensinar novos hinos à congregação. Que isto não seja fácil nas igrejas que não possuem coros, podemos concordar, embora conheçamos casos em que este repertório tem sido bastante ampliado pela iniciativa de solicitar aos membros da igreja que compareçam meia hora antes da hora regimental do Culto a fim de aprenderem novos hinos com o pastor ou pessoa habilitada. Mas tal alegação não procede nas igrejas que tem o seu coro. Este não deve normalmente apresentar nos cultos mais do que uma execução. E esta precisa ser dedicada à instrução congregacional apresentando hinos desconhecidos pela igreja, mas constantes do hinário oficialmente adotado. Cada novo hino deverá ser apresentado em execução coral pelo menos dois domingos consecutivos (em alguns casos, maior número de vezes) para que a congregação o ouça e acompanhe a letra em seus hinários. Depois disto o hino poderá ser integrado no rol dos cânticos congregacionais dois, três ou mais domingos seguidamente até que se perceba que já está aprendido. Em muitos casos, no segundo domingo da apresentação do hino pelo coro, solicita-se à congregação que se uma ao mesmo no cântico da derradeira estrofe, o que inclusive, vitaliza a execução.

Igrejas há denominam a esse processo de aprendizagem – Hino do Mês – citando-o em seu Boletim Dominical, quando o possuem, para que também possam os membros da igreja cantar em seus lares esse hino em foco, assimilando-o rapidamente.

III

Algumas igrejas tem um Ministro de Música responsável por esse importante setor eclesiástico. As que não o possuem deixam-no entregue ao próprio pastor ou a alguém musicalmente capacitado para tal desempenho. Em qualquer destes casos o problema da escolha dos hinos congregacionais permanece de pé. Não é possível renega-lo a plano secundário, dada a sua relevância.

É indispensável que os hinos se entrosem no culto de forma a não quebrar a sua unidade, mas de maneira a reforça-la.

O primeiro passo para esta escolha é um minucioso estudo do hinário adotado pela igreja. Todos os nossos hinários tem seus pontos altos e baixos que é preciso conhecer não só através de uma visão global, que patenteie a variedade de assuntos contidos na coleção, mas também por um exame detalhado que revele a maior ou menor riqueza de conteúdo dos hinos e o seu valor poético e musical.

A mensagem é da mais alta importância é da mais alta importância: deve ser poderosa. Perde toda a sua finalidade o cântico que não oferece riqueza de conteúdo.

Quer se trate de hino de adoração, louvor, contrição, súplica, consagração, evangelização, apelo missionário, é indispensável que seja fruto de uma vida real e vívida experiência Cristã.

O célebre coral de Lutero “Castelo forte é nosso Deus” (que se encontra sob o n.º 369 em Salmos e Hinos), nascido em meio às tremendas lutas em que se viu envolvido o Reformador, é um cântico de fé inabalável que convence e edifica.

“Comigo habita, ó Deus, a noite vem” (Salmos e Hinos, 222) é a expressão de uma alma inteiramente devotada a Cristo que sente aproximar-se o fim dos seus dias e se volta confiante para o Pai, aguardando a chamada final.

“Benditos laços são os do fraterno amor” (Salmos e Hinos 532) é um hino que traduz a profunda e consoladora experiência de um pastor frente à igreja a que por longos anos serviu como mensageiro de Deus.

A eloquência do coração dirigido por Cristo é extraordinária.

Considerando-se o texto poético, há que verificar se este apresenta uma ideia definida. Existem alguns hinos muito vagos que não objetivam ideia alguma e por isso devem ser evitados.

Mas não basta focalizar um assunto: é preciso apresenta-lo com meridiana clareza para que se torne convincente, e fazê-lo em linguagem nobre e escorreita. Não se trata de intencionalmente escolher poesia em alto estilo, muitas vezes rígida e dura pela preocupação em obedecer a determinados cânones. Nem tão pouco, a título de mais acessível, preferir produções banais eivadas de gírias ou de cunho marcadamente popular. O povo humilde e inculto também merece um esforço para ser soerguido; e a igreja muito pode e deve fazer pelo seu levantamento cultural como complemento à difusão do maravilhoso amor de Cristo. Trata-se, isto sim, de escolher hinos em que se sinta o transbordamento, em versos simples e poderosos, da inabalável convicção, profunda sinceridade e ricas experiências que uma pujante fé em Cristo Jesus proporciona ao cristão.

Quando for o caso, o hino deve apresentar linguagem incisiva enfatizando o sacrifício de Cristo e apelando aos corações. Existem cânticos que repetem constantemente um coro ou determinada frase para que esta se grave indelevelmente na alma do ouvinte e o acompanhe depois de terminado o culto, continuando a martelar em sua consciência dia após dia até que aquela alma se renda ao seu Salvador. É o caso, respectivamente, de

“Morri na cruz por ti: Que fazes tu por mim?” (Salmos e Hinos, 360)

“Mais perto quero estar, meu Deus, de Ti!” (Salmos e Hinos 219)

“As Tuas mãos dirigem meu destino” (Salmos e Hinos, 115)

Note-se, entretanto, que não se de repetir palavras ou fragmentos de frase sem a menor justificativa, só para permitir a articulação de uma linha melódica mais extensa do que o texto a que foi vinculada.

Isto pode ocorrer legitimamente em árias religiosas, ou trechos polifônicos, em motetos, cantatas, oratórios, paixões, cujo estilo, embora sacro, não é litúrgico e mais se destina a concertos espirituais do que aos ofícios religiosos dos quais o crente tem o privilégio e o dever de participar.

A escolha de um hino para o uso congregacional deve também obedecer aos reclamos musicais.

Tal como a linguagem falada, a linguagem musical possui conteúdo. A melodia deve ser definida. Ninguém admitiria para texto de um hino palavras soltas alinhadas sem nexo. Infelizmente ouvimos, não raro, execuções musicais desse tipo (que pretendem ser hinos) sem qualquer significado musical sem a menor sequência lógica, completamente destituídos de expressão. Sente-se que ali não existe música, porém tão somente intervalos reunidos a esmo.

A melodia precisa ser definida e possuir clareza, pois esta é indispensável à retenção da música de um hino. Memorizamos mais facilmente aquilo que compreendemos.

Também ritmo e andamento necessitam ser adequados. O canto congregacional, por sua própria natureza, deve ser pausado e solene, penetrado de nobreza, em andamento conveniente (nem demasiado lento nem rápido demais) e isento de ritmos profanos, notadamente de dança. A harmonia deve alicerçar bem a linha melódica proporcionando-lhe estabilidade.

É de grande importância observar a tessitura conveniente ao canto congregacional a fim de não forçar as vozes nem esganiçá-las. E sobretudo lembrar que a música dos hinos deve ser de estilo verdadeiramente sacro.

Ninguém se iluda: o fato de substituir textos profanos por letras sacras não altera absolutamente o caráter profano da música, tornando-se um verdadeiro contrassenso esta fusão indébita, além de ser um desrespeito executar tais produções nos cultos.

Não se alegue que esta contrafação visa a atrair elementos descrentes à igreja. Eles sabem discernir tanto quanto nós, o religioso do profano e se escandalizam, tanto quanto nós, com esses disparates. Ninguém se lembraria de procurar atrair a juventude ou mesmo os adultos à igreja com danças, jogos de azar ou bebidas. O uso da música inconveniente presta-se ao mesmo paralelo.

Ainda na escolha dos hinos precisa entrar em linha de conta a questão da prosódia musical. Esta resulta da fusão do texto com a música, devendo haver coincidência das acentuações poéticas e musicais para que não se verifiquem desacentuações danosas desfigurando as palavras e impedindo a sua compreensão. Evitem-se também os textos que apresentam cacófatos.

Como cânticos congregacionais possuímos corais, hinos propriamente ditos, hinos evangelísticos de cunho popular e está se generalizando o uso de corinhos.

Pergunta-se por vezes se há legitimidade nessas manifestações musicais ou se apenas cabem em nossa hinologia os hinos e os corais.

Se tais produções se mantiverem isentas de ritmos de dança e de contornos melódicos profanos e permanecerem discretamente ao nível de cânticos religiosos populares, ricos de expressão cristã, terão direito de sobrevivência sob o compromisso de rigorosa utilização apenas em pregações ao ar livre e reuniões do Exército de Salvação.

Trabalho entre as crianças, nas Escolas Dominicais e em Uniões da Mocidade reclamam por vezes hinos vibrantes que, legitimamente ali utilizados, não tem o menor direito de penetração em cultos solenes, o mesmo se aplicando aos chamados corinhos. Compreende-se que estes sejam usados em trabalhos de evangelização nas favelas, em praça pública, em antros da pior espécie: são mensagens breves que ficam com o ouvinte depois de terminada a pregação. Mas deve ser evitado o seu uso mesmo nas Escolas Dominicais, onde já se torna possível ensinar aos alunos algo mais completo sobre o Evangelho de Cristo, ao mesmo tempo que se fornece educação musical levantando-os ao discernimento do que é sacro e do que é profano.

Peçamos a Deus nos ilumine neste importante setor evangélico, permitindo que a música em nossas igrejas seja realmente um elemento de edificação espiritual!

Henriqueta Rosa Fernandes Braga (In Memoriam)

Fonte:

O MINISTÉRIO DA MÚSICA, Publicação dos Músicos Evangélicos do Brasil, ano 1 – Novembro e Dezembro – N.º 4, 1964

© 1964 de Henriqueta Rosa Fernandes Braga (In Memoriam) – Usado com permissão dos herdeiros

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1 Resultado

  1. Jônatas Fernandes disse:

    Hah! Maravilhoso!!

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