Olhares sobre a Hinologia Cristã – Perpectivas e Conceitos
Olhares sobre a Hinologia Cristã!
Perspectivas e Conceitos
O que é Hinologia e quais são seus maiores desafios? Talvez essa seja uma pergunta ampla que abre os horizontes para muitas respostas. Eis que surge uma questão importante para os dias de hoje, principalmente para quem viveu no auge da hinologia dos templos evangélicos do Brasil que se perdeu um pouco com o tempo. O assunto foi dividido e ampliado por quem entende e tem bagagem para falar com propriedade.
Tal discussão surgiu no dia 22 de setembro, no grupo de WhatsApp “Hinologia Cristã” – que reúne maestros, compositores, cantores, produtores musicais, pesquisadores, hinógrafos, instrumentistas e poetas evangélicos de todo o Brasil – após uma provocação do renomado compositor e maestro Flávio Santos, que tem mais de 40 anos de atuação na música na igreja.
Flávio, que ministraria uma palestra no quarto Congresso de Música nas igrejas, realizado justamente no dia 22 de setembro, pediu a colaboração dos colegas e colaboradores do grupo que respondessem a duas perguntas, alegando que os feedbacks apresentados pelos profissionais e colegas de ministério o ajudaria na ministração da palestra, cuja o tema seria ‘Desafios e Caminhos na Hinologia cristã’, afinal “cada um de vocês vive uma realidade diferente”, argumentou ele.
A primeira pergunta de Flávio foi pedir para que os colaboradores descrevessem o que é Hinologia de forma simples mesmo, o que viesse na mente sem precisar buscar o conceito em livros ou no Google. E o segundo questionamento foi sobre os maiores desafios e obstáculos hoje na implementação e execução do canto congregacional em seu ministério.
Uma chuva de respostas apareceu para enriquecimento do assunto pela tamanha importância da hinologia nas igrejas locais. “Hinologia Cristã é o arcabouço ou compêndio de toda a história dos hinos e cânticos litúrgicos da fé cristã”, disse João de Souza Filho.
“E trata do conteúdo das letras e das melodias; da história de como foram criados com ampla cobertura à história de vida dos autores dos cânticos, tratando da época em que os autores viveram e em que situação de suas vidas os hinos foram escritos”, argumentou outra pessoa.
“É o estudo dos hinos”, apresentou Rubem Amorese sobre o que entende ser o conceito Hinologia. “Mas pode também ser compreendido como o conjunto, o repositório de hinos de uma igreja, denominação ou mesmo setor da sociedade. Assim, a hinologia da Igreja Batista significaria melhor o conjunto de hinos dessa denominação”, completou.[1]
Para muitos, os hinos são, por natureza e propósito, congregacionais, porém canto congregacional tem seus desafios, um deles tem a ver com a pouca participação da congregação. “Quando uma banda toca em um formato de show a congregação entra em modo plateia, ou seja, apenas ouve e assiste. No caso de um coro, quarteto, coral, por exemplo, se a igreja assiste, está no ‘modo plateia’; portanto, o índice de congregacionalidade é menor. Não sou contra conjuntos musicais, corais, solistas etc. Apenas estava teorizando sobre a pergunta. Acho que há lugar para todas essas expressões musicais, na igreja; mas se o que se quer é congregacionalidade, então valeria, a meu ver, esse critério de análise”, explicou Rubem.
Outra definição sobre Hinologia foi apresentada por Ediane: “me transporta além… alcança seu ápice fora do domínio do tempo nos conteúdos das letras de hinos e cânticos vividas pelos autores na intimidade com Deus, através das quais ele exerce o todo poder de transformar vidas e alimentar almas”.
Já Theógenes Eugênio Figueiredo foi mais além na explicação. “É o estudo dos hinos, a arte de compor hinos, ou, o ato de recitar ou cantar hinos. Entretanto, essa definição não abrange o real significado do objeto de estudo desse termo, o hino (uma canção religiosa). É preciso que esse conceito seja ampliado, pois hinos não são somente aquelas canções que se encontram nos hinários. É de conhecimento de todos que as canções encontradas nos hinários passaram por uma seleção criteriosa (texto, música, história) e nelas foram encontrados elementos que as indicaram para serem reunidas num hinário. Mas, cabe uma pergunta: não existem, em nosso vasto Brasil, outras canções que possuam elementos textuais, musicais e históricos necessários para serem indicadas a participarem de um hinário? A resposta é: claro que sim! Por isso, então, a definição do termo hinologia precisa incorporar em si a análise de todas as canções produzidas, mas não constantes dos hinários. Essa definição, então, seria: hinologia é o estudo dos hinos, entendendo-se “hinos” como, tanto aquelas canções constantes dos hinários quanto todas as canções religiosas produzidas numa determinada cultura, canções essas que contenham elementos textuais, musicais e históricos relevantes para a cultura religiosa (Rio de Janeiro, RJ, 19 de junho de 2016)”.
Carmen Lício também confirmou a definição usada por Theógenes, acrescentando que além do estudo dos hinos, “é também a história de como o hino foi composto; qual a situação que o compositor vivenciava quando o compôs”. “A hinologia não estuda apenas as canções religiosas. Temos vários hinos patrióticos, como o Hino Nacional e o Hino à Bandeira; hinos de clubes e agremiações”, complementa Rubem.
Nessa mesma perspectiva Daniel Júnior respondeu: “é todo registro histórico de composições que retratam momentos históricos e marcantes das sociedades em geral, tratando do estudo contextual e aplicado, desmembrado de forma a manter a memória histórica do momento social naquele dado registro. Ou seja, um retrato musical da época, contexto e sociedade, esboçado na peça a ser estudada”.
Endossando o que já foi dito por alguns músicos no grupo, Soraya Eberle dá a explicação didática para Hinologia quando uma pessoa fala sem ter conhecimento sobre o assunto. Ela explica que a hinologia estuda o repertório musical, suas origens e contextos, relações entre poesia e música, versões, relevância e pertinência, e tudo que diz respeito a esse material musical, que é o hino.
“Hinologia é uma área de conhecimento. Mesmo quem o faz como hobby, está estudando e pesquisando. Eu não penso muito em repertório que não seja sacro; já havia lido sobre isso também, mas confesso que não fazia muito parte da minha nuvem conceitual. Hoje outra vez me pus a pensar sobre”, afirma.
No meio de uma calorosa discussão aparece até uma confissão misturado com dúvida: “tentei fazer uns cinco ou seis hinos, mas quando as pessoas os ouvem, dizem: ‘isso não é um hino; é um cântico, é uma música gospel, é um corinho etc’. No formato (estrofe-estribilho-estrofe), é hino. No conteúdo (afirmação de conteúdos de fé, ou doxológico), é hino. Mas na hora do resultado final, surge a dúvida. Pode?”, indaga Rubem Amorese.
Hinologia e história
Agostinho de Hipona definiu, em seu tempo o que é um hino a Deus: (354-430): “são louvores cantados a Deus e são cânticos que contêm louvores a Deus. Se existir algum louvor e o louvor não for para Deus, então, não é um hino. E, se houver louvor a Deus, mas não é cantado, não é um hino. É preciso, portanto, para ser um hino que tenha três coisas: Louvor, louvor a Deus e que seja cantado”. (Hymns in the Life of Men, p 23).
“Há que se entender que à época de Agostinho, os hinos eram limitados ao serviço religioso, enquanto hoje, hinos são compostos em homenagem a pessoas, cidades e países”, explicou João de Souza Filho.
Já o Dr. Canon John Ellerton disse: “Todo sentimento que seja um ato de verdadeira adoração pode se encaixar na definição de hino”. Assim, temos hinos invocatórios, como “Vem Espírito Divino” ou hinos que falam da eternidade (Extraído de Hymns in the Lifes of men, de Robert Guy McCutchan, Texas 1943, Abingdon-Cokesbury Press, p 21).
Primeiro. Hinologia ou hinódia é o arcabouço ou compêndio de toda a história da música cristã seja ela sacra ou não ao longo dos últimos dois milênios. A música é sacra não pelos ritmos, melodias ou instrumentais usados; ela é sacra pela letra quando glorifica a Deus, a Jesus, ao Espírito Santo e quando fala da obra redentora na vida das pessoas.
Segundo: O maior desafio é que tentam colocar “goela abaixo” da congregação cânticos que não são congregacionais para serem entoados, quando na realidade são cânticos solos. Existe grande diferença entre cântico congregacional e cânticos solos. No cântico congregacional existem certos parâmetros.
Hinos que tocam o coração
Eugênio Gall contribui com o assunto informando a etimologia do termo “hino”. Gr HYMNOS – cântico sublime a uma divindade (ou à pátria também). Por isso podemos dizer sim que os hinos precisam tocar o coração de quem ouve.
Na verdade, segundo apresentou Rubem Amorese, a hinologia cristã diferencia-se da música em geral porque suas letras visam glorificar a Deus, a Jesus e ao Espírito Santo, além de servirem como testemunho da obra transformadora de Cristo na vida das pessoas. “A hinologia cristã permite que o Espírito Santo toque os corações das pessoas levando-as a refletir sobre a salvação, o céu e a comunhão com os cristãos do mundo todo”, disse.
“Penso ser um dos mais gratificantes privilégios cristãos poder dirigir a congregação louvando em coerente e sincera adoração ao nosso Deus. A realidade da nossa igreja local, onde a maioria dos membros e congregados não vêm de berço evangélico, a primazia continua sendo do canto congregacional, embora os corais, grupos vocais, adultos, jovens, infantes também tenham seu lugar, contribuindo no culto com muito zelo, reverência e espontaneidade, tendo que observar critérios elevados quanto ao repertório musical e o conteúdo teológico das letras, sempre de acordo com a mensagem a ser pregada, não esquecendo de revisar também o português… Os jovens aprendem a amar também os hinos congregacionais pois são cantados e tocados por eles também e por nós com a mesma frequência dos cânticos nos cultos”, endossa Ediane às palavras de Rubem.
E como disse Ricardo Russo, como estamos entre conhecedores da boa música na igreja: “que discussão enriquecedora!”. E ele mesmo apresenta alguns conceitos para aprimorar ainda mais a discussão.
“Hinologia: é a busca do conhecimento, da compreensão, das técnicas de composição e do repertório de hinos. Em relação ao culto público, uso a terminologia ‘música especial’ (instrumental, coral, solos etc.) e música congregacional (hinos, cânticos, responsos, améns etc.). Na categoria especial cabe (mas não é obrigatório) explorarmos todos os recursos técnicos e artísticos possíveis, visando sempre o enlevo, a edificação e o louvor a Deus. Já na música congregacional é imprescindível que ela possa ser cantada por aqueles que não têm treinamento vocal e que haja uma fácil compreensão e assimilação da letra. Para que ocorra o canto comunitário é importante a contextualização cultural de costumes e preferências para que o interesse em somar a sua voz aos demais seja o mais espontâneo o possível. Claro, é um desafio constante”.
Mas é preciso pensar numa questão importante no que tange ao desafio da comunidade em geral quando for cantar.
“Entendemos que obviamente há espaço para os grupos especializados e com aprimoramento técnico, mas há espaço para que qualquer pessoa se sinta confortável, mesmo que ainda não tenha trabalhado tanto a questão musical (o que poderá fazer, se quiser). Porque se não levamos isso em consideração, vemos o que (muitas vezes, não sempre) andamos vendo: “solistas” microfonados a todo volume, cantando PELA comunidade, e uma congregação muda, porque o repertório não é exequível sem exaustivo ensaio e estudo. E tudo com o nome de “canto comunitário, o que há muito deixou de ser”, rebate Soraya Eberle.
O Dr. Theogenes enviou um texto em inglês escrito por Carl F. Price respondendo à questão, o que é um hino, num artigo da Hymn Society of America de 1937 que vai aqui traduzido: “um hino cristão é um poema lírico reverente e devocionalmente criado e designado para ser entoado expressando a atitude do adorador a Deus ou ao propósito de Deus para a vida humana. Deve ter simplicidade e métrica, genuinamente emocional, poesia e estilo literário bem como qualidade espiritual.
E em suas ideias diretas e imediatamente aparente une a congregação enquanto o entoa. Eis os ingredientes para esta definição: Métrica poética; reverente e devocional em sua natureza; estilo literário poético; qualidade espiritual; deve expressar ou ser a expressão do adorador a Deus; Cântico que une a congregação que o entoa; e cantar é orar duas vezes” (Agostinho).
Quanto aos cânticos congregacionais
João de Souza Filho contribuiu com “parâmetros para os cânticos congregacionais” do autor Robert Guy MacCutchan que, ao que parece é da mesma escola consultada pelo Dr. Theogenes:
Primeiro. Um cântico congregacional é aquele que é cantado por todos os irmãos da igreja, sem dificuldades com a música e letra.
Segundo. O cântico congregacional deve conter uma melodia simples. Deixem as melodias difíceis para o canto-coral, que exigem ensaios e treinamentos frequentes. Muitos dos hinos traduzidos ultimamente e entoados pelo pessoal top da música gospel brasileira servem apenas para grupos ou solos, nunca para o canto congregacional
McCutchan deu sua opinião sobre a diferença entre um cântico solo e o congregacional: “O cântico solo é a expressão pessoal de alguém, que canta e o interpreta a seu modo; já o congregacional é a expressão de toda igreja. É a expressão do indivíduo em contraste com a expressão corporativa ou congregacional”. O cântico solo pode ser interpretado pelo autor do que jeito que ele quiser; já o cântico congregacional não pode sofrer mudanças na execução. Deve ter uma melodia perene.
Terceiro. Cânticos congregacionais devem ser escolhidos criteriosamente pelo tom médio. Um solista se deleita em cânticos que podem ser entoados apenas por ele, já que ninguém consegue alcançar as notas que ele alcança. Mas não é o caso da igreja. No meio da congregação existem vozes altissonantes e vozes graves; existem irmãos cujo diapasão da voz é limitado. Por isso o cântico congregacional tem de ser cantado num tom médio.
Quarto. O cântico congregacional deve ter poesia, simplicidade e rima. Os três fatores fazem parte do que pretendo expor. Uma poesia tem de ter simplicidade e rima. Não é difícil agregar poesia e simplicidade, até porque a verdadeira poesia é aquela que vem revestida de simplicidade, isto é, de entendimento.
Quinto. Um hino tem que ser sincero! Os pensamentos expressos pelo poeta devem ser reais ao cantor ou ao autor. Um hino ajuda a expressar nossa convicção sobre a verdade e deve dizer aquilo que normalmente não sabemos articular. A pessoa é inspirada por Deus a expressar numa poesia toda a sinceridade do seu coração.
Sexto. Um cântico tem de ser reverente! Há muitos cânticos no meio evangélico que carecem deste elemento. O que faz um cântico ser irreverente? Quando ele é centralizado em pessoas, contando o seu próprio testemunho. Quantos cânticos relatam experiências que nunca aconteceram!! Um cântico é irreverente quando elogia ou faz menção à sua denominação.
Sétimo. Um cântico tem que expressar a verdade! Cantar determinados versículos das Escrituras permite-nos cantar as doutrinas bíblicas. Cantar uma verdade é deixar-se inflamar por ela. Existem muitos hinos que falam do sangue de Jesus de maneira errada. Poeticamente até que são lindos, mas carecem de fundamentação bíblica.
Compilação: João Antônio de Souza Filho
Revisão e Adaptação: Priscilla Cerqueira
© 2022 de Hinologia Cristã – Usado com permissão
[1] Neste caso, o acervo de uma determinada denominação chama-se Hinódia. A Hinologia Batista pode ser apresentada na antologia “Se os Hinos Falassem”, de Bill Ichter, disponível neste site em 4 volumes.
Sugestões do Editor:
Amei o artigo, as definições e comentários dos articulistas. Que Deus abençoe nossos irmãos preocupados com a música congregacional que nossas igrejas estão cantando.