O Cristianismo e o Cântico – Bill H. Ichter
A religião e a música sempre têm andado bem unidas. O cristianismo é conhecido como a religião que canta. Entre as diversas denominações popularmente conhecida como Protestantes, talvez, seja a dos batistas a que mais aprecia o cantar. Em qualquer igreja batista que entrarmos, encontraremos música. Por mais pobre, humilde ou simples que seja a congregação, quase sempre encontramos entusiasmo em seus cânticos e, não somente isto, mas, também, pessoas que, apesar de não terem nenhuma formação musical, mostram sinais de certo talento ou “queda” para a música.
A emoção que sentimos ao ouvirmos um grande grupo cantando entusiasticamente os hinos de nossa fé é difícil de escrever. Talvez, a maior emoção que já senti em minha vida, ainda jovem, tenha sido naquela tarde em janeiro de 1965, quando 150.000 pessoas, debaixo de um forte temporal, cantaram com todo entusiasmo como se fosse um desafio à própria chuva “Cristo é a Única Esperança neste Mundo Tão Hostil, Para a Santa Liderança do Evangelho no Brasil”. E, depois, ainda debaixo da chuva, cantaram “Minha Pátria para Cristo – Eis a minha Petição”.
Seria difícil não se deixar contagiar pelo entusiasmo daqueles cânticos. O grande Maracanã, que está acostumado com a euforia dos “gols” e os gritos de “olé” e, muitas vezes, de “juiz ladrão”, desta vez, reverberou com a proclamação da fé cristã através do canto congregacional.
Naquela mesma tarde, passei por um posto de gasolina na Praça da Bandeira, e o homem que me atendeu comentou que tinha ouvido os cânticos, sem saber de onde vinham. Disse que havia sido algo muito estranho, como se um grande coral estivesse cantando no céu.
O nosso povo gosta de cantar. A fama de que gozam os crentes brasileiros devido aos seus cânticos entusiásticos se espalha por todo o mundo. Tenho lido várias referências a este fato. Recentemente, li, num artigo intitulado “O Transbordamento do Coração Cristão”, a declaração de um proeminente pastor batista dos Estados Unidos, G. Allen, West, o seguinte:
“Os crentes de todo o mundo gostam de cantar, porém penso principalmente em dois países, onde apreciei isto sobremaneira – um pequeno grupo em Baguio, nas Ilhas Filipinas, que irradiava nos seus rostos o espírito de Cristo; e no Brasil, onde ouvi os crentes cantando, tanto nas igrejas como em grandes grupos, como no Congresso Mundial da Juventude Batista e, mais tarde, no 10º Congresso da Aliança Batista Mundial. Que experiência inesquecível!”
O canto congregacional é uma das grandes é uma das grandes armas que o crente possui para propagar o Evangelho.
A música das igrejas primitivas se constituía dos Salmos do hebreu e suas melodias. Com o passar do tempo, eles começaram a usar hinos compostos pelos próprios membros. Eram hinos de conforto, consolação e alegria, durante o período de perseguições e martírios. Muitos iam ao encontro da morte cantando estes hinos de louvor ao seu Salvador.
Através de toda a História, nos deparamos com evidências do poder da música:
a) Foram usadas trombetas para destruir os muros de Jericó.
b) A Reforma se tornou famosa pelos cânticos entusiásticos de grandes hinos, e propagou-se rapidamente com o auxílio dos mesmos.
c) Os crentes da igreja “primitiva” iam para as arenas cantando louvores, o que levava muitos à conversão, como disse Tertuliano, escritor cristão do século II: “O sangue dos mártires é a semente da igreja”.*
d) Os hinos de Charles Wesley foram um fator decisivo na salvação de muitos.
e) Os hinos de Ira Sankey deram uma grande contribuição às campanhas do famoso evangelista D. L. Moody. O próprio Moody, referindo-se ao seu companheiro e dirigente de música, disse: “Ira Sankey tem levado mais pessoas ao céu através dos seus cânticos, do que eu mesmo com minhas pregações.”
f) O grande reavivamento nos Estados Unidos no Século XIX deu ainda maior destaque ao poder da música e do cântico congregacional.
g) Não se pode separar o maravilhoso preparo do povo através dos cânticos congregacionais, do sucesso das famosas cruzadas de evangelismo de Billy Graham.
Erik Routhey, no seu livro “Os Hinos e a Vida Humana”, diz que “os hinos são a música folclórica da igreja militante”.
O cântico ocupa posição de destaque na Bíblia.
a) O livro de Salmos é o Hinário da Bíblia, com uma mensagem para cada necessidade de nossas almas.
b) Davi e Salomão, eram, ambos, compositores de cânticos. Salomão escreveu mais de 1.000 cânticos.
Olhando para as Escrituras, encontramos os seguintes ensinamentos:
- Temos por obrigação desenvolver nossos talentos e usá-los para o louvor de Deus. No salmo 33:1-3, lemos:
“Regozijai-vos no Senhor, vós justos, pois aos retos convém o louvor. Louvai ao Senhor com Harpa, cantai a Ele com Saltério de dez cordas. Cantai-Lhe um cântico novo; tocai bem e com júbilo.”
- Todos precisamos louvar a Deus com a voz e com instrumentos. O Salmo 150:3-6, diz:
“Louvai-O com o som de trombeta; louvai-O com o saltério e a harpa. Louvai-O com o adufe e a flauta; louvai-O com instrumentos de corda e com órgão. Louvai-O com os címbalos sonoros; louvai-O com címbalos altissonantes. Tudo que tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor.”
- Através do cântico, devemos espalhar as boas novas. Isaías 48:20, registra a seguinte ordem:
“Saí de Babilônia, fugi entre os Caldeus. E anunciai com voz de júbilo; fazei ouvir isso, e levai-o até ao fim da terra; dizei: O Senhor remiu a seu servo Jacó.”
- O apóstolo Paulo reconheceu o valor do cântico no ensino de doutrinas, pois em Colossenses 3:16, diz:
“A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com Salmos, Hinos e Cânticos Espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração.”
- Paulo também sabia do poder evangelizador do cântico, pois, em Atos 16:25-26, lemos:
“E perto da meia noite, Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus, e os outros presos os escutavam. E de repente sobreveio um tão grande terremoto, que os alicerces do cárcere se moveram, e logo se abriram todas as portas, e foram soltas as prisões de todos.”
- Ainda, Paulo recomendou que cantássemos e fizéssemos uma melodia nos nossos corações. Em Efésios 5:19, está escrito:
“Falando entre vós em Salmos, e Hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.”
- O nascimento de Cristo foi anunciado pelo coro angelical. Lucas 2:13-14, registra o seguinte acontecimento:
“E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, dizendo: Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens.”
- Finalmente, vamos notar que, depois da Ceia do Senhor, os discípulos cantaram um hino. Lemos em Mateus 26:30:
“E tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras.”
Não é necessário continuar, pois está bem claro que Deus quer que o seu povo cante.
De todas as criaturas que habitam a terra, apenas o homem foi criado à sua imagem e semelhança. A nenhuma outra criatura foi dado o poder e a habilidade de comunicação que o homem recebeu, através do voz.
William Byrd, famoso compositor, disse, em 1588, que “Nenhum instrumento musical existe, qualquer que seja, comparável a uma boa voz.” Em outra ocasião, Byrd afirmou que “Quanto melhor a voz tanto melhor para louvar e servir a Deus, e a finalidade da voz humana é, principalmente, a de ser empregada para este fim”.
A voz humana é identificada, inteiramente, com a pessoa que a possui. O irmão já pensou que, em todo o mundo, não existe duas vozes inteiramente iguais? A alguns anos atrás, foi inventada uma máquina para ser usada pelos policiais. Esta máquina vem substituindo o antigo processo de identificação das pessoas através de impressões digitais. Descobriram que é muito mais fácil e seguro a identificação das pessoas pela sua voz. Mesmo tentando disfarçar a voz verdadeira, a máquina capta os verdadeiros característicos pessoais.
POR QUE DEVEMOS CANTAR
Enquanto a Bíblia revela Deus ao homem, o cântico congregacional oferece uma oportunidade de expressão dos sentimentos do homem para com Deus. O hino nos ajuda a relatar as grandes verdades para as massas. A Bíblia nos exorta a louvar a Deus, e o hino torna isso possível.
Participar, dominicalmente, dos cânticos entoados pela congregação, talvez, ofereça maior oportunidade ao maior número de assistentes; pode ser que seja esta, sempre, a forma mais importante do programa musical de uma igreja. Nem todas as igrejas possuem um conjunto coral, mas tem os seus cânticos congregacionais. Se você calcular como é gasto o tempo do culto em sua igreja, talvez verifique que 1/3 do tempo é dedicado à música.
Conheço poucas igrejas que não começam e terminam os seus cultos com música. Os apelos tornam-se mais eficientes quando acompanhados por hinos.
Através dos cânticos congregacionais, os membros da igreja centralizam os seus pensamentos num só. Pensamento que antes eram diversos, ao som dos primeiros acordes da música, começam então a focalizar-se nos pensamentos do autor do hino, quer sejam estes pensamentos de adoração, louvor, alegria ou de oração ou consagração.
Alguém disse que quando o povo canta junto, também pensa junto.
Através de vários anos de observação, neste particular, cheguei à seguinte conclusão: a igreja cujos membros cantam com muito entusiasmo e espírito é, também, uma igreja que evangeliza e trabalha. Até hoje, nunca conheci uma igreja assim, que não tenha sido muito operosa e cheia de atividades espirituais.
Quero reforçar minha observação. Não me refiro às igrejas que tem um bom coro, ou excelentes solistas e conjuntos, mas às igrejas cujo povo canta. Já vi igrejas que possuíam coros e solistas que cantavam muito bem, mas os seus membros não cantavam. Eram espectadores e não participantes do culto e, por conseguinte, a igreja não era tão progressista.
O cântico congregacional é pelo povo, e não para o povo.
Se é tão importante e tão essencial o período de cânticos congregacionais, devemos então dar ênfase cada vez maior a esta parte do nosso culto.
COMO CANTAR
Talvez melhor conselho não possa ser dado do que o que John Wesley deu no século XVIII:
- Aprenda a melodia.
- Cante os hinos exatamente como são, sem modificar ou consertar. Se aprendeu a cantar de outra maneira, desfaça o erro o mais breve possível.
- Todos devem cantar. Cante com a congregação. Não deixe de cantar, se uma pequena fraqueza ou cansaço o perturba. Se, para você, for uma cruz cantar, tome-a achá-la-á uma bênção.
- Cante com entusiasmo e bom ânimo. Cuidado para não cantar como se estivesse desfalecendo ou desanimado. Erga a voz com força. Não tenha medo de sua voz, nem se envergonhe dela.
- Cante modestamente. Não grite de modo que sua voz seja ouvida acima das outras ou destacadas dos demais da congregação. Não destrua a harmonia. Procure unir a sua voz às outras a fim de contribuir para um conjunto melodioso.
- Cante no compasso. Qualquer que seja o compasso, acompanhe-o. Não corra na frente nem fique para trás da melodia. Cuidado para não cantar devagar demais. A maneira arrastada de cantar é uma tentação para Deus. Assim, seu canto será aprovado pelo Senhor agora, e será compensado quando Ele voltar dos céus nas nuvens.
- Cante, sobretudo, com espiritualidade. Eleve o pensamento a Deus, ao pronunciar cada palavra. Tenha por alvo agradar a Deus.
O crente jamais deve cantar, se não o fizer de todo o coração. O crente nada tem para esconder. Tem, sim, uma mensagem a proclamar.
O grande evangelista Moody disse: “O cantar faz, pelo menos, tanto quanto faz o pregar, no sentido de gravar na mente do povo a Palavra de Deus.”
A luz desta declaração, podemos considerar todos que cantam como pregadores da Palavra. A responsabilidade é grande.
O que proclamamos com os nossos lábios, deve ser, também, de coração. Marcos 7:6 fala deste tipo de atributo:
“Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.”
Romanos 10:10 também faz referência ao tipo de louvor que prestamos:
“Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.”
Somente quando vivemos o que cantamos é que podemos proclamar verdadeiramente o evangelho. A nossa oração deve ser:
Ó Deus, permite que possamos crer de coração naquilo que venhamos a cantar com os nossos lábios; e o que cremos em nosso coração, possa ser evidenciado pela nossa vida em Cristo Jesus, nosso Salvador.
Amém.
O QUE CANTAR?
Podemos afirmar que somente a música que honra a Deus é digna de ser usada nos cultos da igreja. Em Col. 3:16, o apóstolo indica claramente que há três tipos de música que devem ser usados na igreja: Salmos, Hinos e Cânticos Espirituais.
Há muitos pesquisadores que acham que os Salmos, aqui mencionados, referem-se mais à música que o coro canta e que, geralmente, se baseiam nas Sagradas Escrituras, como, por exemplo, o Salmo 23, ou trechos de “O Messias” (Haendel).
Há, em nosso Cantor Cristão, dois tipos distintos de música; são eles: Hinos e Cânticos Espirituais.
De um modo geral, os Hinos são aqueles que falam de Deus e sua relação para conosco. Exemplo: “Santo, Santo, Santo”, “Onipotente Rei”, “Saudai o nome de Jesus”, etc. Estes hinos utilizam, de um modo geral, uma música majestosa, mais suave e menos ritmada, enquanto que os cânticos Espirituais são expressos através de letras mais pessoas e falam da relação da pessoa para com Deus. Exemplo: “Eu sou de Jesus, Aleluia”, “Perdido Eu na Escuridão”, “No Serviço do meu Rei eu Sou Feliz”, etc. De modo geral, estes cânticos utilizam músicas mais ritmadas e majestosas.
Qualquer que seja o tipo de música usada na igreja, deve ter certas características (Extraído do Filme Fixo “Como Melhorar os Cânticos Congregacionais”, à venda nas Lojas da Casa Publicadora Batista):
- Deve expressar uma verdade bíblica. Fora da Bíblia, o povo aprende muito mais sobre Jesus, ouvindo o cântico de um hino, do que através de qualquer outro meio.
- Deve expressar doutrinas corretas. Os hinos que cantamos não devem expressar doutrinas ou ideias contrárias à nossa fé. Através de um hino o povo poderá aprender uma doutrina errada.
- Deve ser caracteristicamente devocional. A boa música sacra criará um espírito de reverência e louvor no culto, mesmo que seja um hino de consagração, júbilo ou adoração.
- Deve possuir boa forma literária. Tanto a rima como o conteúdo são necessários a uma boa música sacra. Muitos hinos puderam subsistir, através dos séculos, porém há milhares que não resistiram à prova do tempo.
- Deve ser em bom estilo musical. A música deve enriquecer e reforça a letra. Deus criou tudo em harmonia e beleza. Quando a música segue as regras básicas da harmonia, apela aos sentimentos do crente.
- Deve ser apropriada à ocasião em que estiver sendo usada. Os números musicais devem estar relacionados com o tema do programa; assim, aproveitaremos o máximo do seu uso. Por exemplo, alguns hinos para ocasiões especiais surtem grande efeito quando são cantados naquelas ocasiões.
- Deve ser adaptada ao uso da congregação. A música deve estar dentro do alcance da voz média e obedecer a certas regras teóricas. A letra deve expressar o sentimento da congregação, através de expressões que todos possam compreender.
- Deve ser apropriada e estar ao alcance da capacidade dos cantores. A música que honra a Deus é a que leva uma mensagem a cada coração. Deve ser tão simples que possa ser entendida por todos, mas, ao mesmo tempo, deve procurar em nós o desejo de melhorar nossa vida e nosso entendimento.
Concluindo, nosso povo, que gosta muito de música, é dotado de grande talento musical. É difícil entrar numa igreja batista e não encontrar boas vozes e bons coros. Sinto, porém, que, nem sempre, estas boas vozes e estes bons coros estão contribuindo para maior espiritualidade do culto. E os nossos cantos congregacionais, será que nos preparam mesmo para ouvir com mais atenção a mensagem? Ao cantarmos os hinos, será que, realmente, sentimos, de coração, a mensagem que a sua letra encerra, ou cantamos, simplesmente, como uma melodia qualquer? Ao cantarmos o hino “Tudo Entregarei”, realmente sentimos o desejo de entregar o corpo e alma a Cristo?
Oremos para que os cânticos em nossos cultos tenham mais significado para nós e que a música que usamos contribua cada vez mais para que o culto honre a Deus e nos leve aos pés de nosso Mestre.
© 1966 de Bill H. Ichter / *Acréscimo: Robson Jr. – Usado com permissão
“Publicado originalmente em: “O Jornal Batista”, Ed. 33, 14/08/1966, pág. 5 / Ed. 37, 11/09/1966 / Ed. 41 09/10/1966 pág. 5 – Coluna Canto Musical”