O Canto Cristão (Apontamentos Históricos) – Rolando de Nassau
O canto cristão (apontamentos históricos)
Especial para “Hinologia Cristã”
1. Do 1º. ao 5º. Século da Era Cristã
Desde os seus primórdios, a igreja cristã foi uma comunidade cantante. Os salmos, e outros textos poéticos do Velho Testamento, foram usados como cânticos e orações no culto divino. Até hoje o canto é um elemento indispensável ao culto evangélico.
Cânticos primitivos (registrados no Evangelho de Lucas):
- Cântico de Maria, “Magnificat”, 1: 46-55)
- Cântico de Zacarias, “Benedictus”, 1: 68-79
- Cântico de Simeão, “Nunc dimittis”, 2:29-32
Cânticos posteriores (aconselhados em Colossenses 3: 16):
- Filipenses 2: 6-11
- Colossenses 1: 15-20
- 1ª. a Timóteo 3: 16
- Apocalipse 5: 12-13
Silvestre I (?-335) criou em Roma a “Schola Cantorum”, encarregada de executar uma boa parte dos cantos no culto.
O bispo Aurelius Ambrosius (339-397) produziu o hino latinizado ocidental.
O bispo Gregorio I (540-604) reformou o canto litúrgico romano e escreveu o hino “O lux beata Trinitas”. Em sua gestão diocesana, os sacerdotes, solistas e um grupo coral “Schola Cantorum” dirigiam o culto, não mais a congregação.
Também escreveu hinos Aurelius Clemens Prudentius (348-405); os mais conhecidos são “Corde natus exparentis” e “Te lucis ante terminum”.
Venantius Fortunatus (530-600) escreveu “Vexilla Regis” (O estandarte do Rei).
Os hinos latinos “A solis ortus cardine”, “O lux beata Trinitas”, “Te Deus laudamus”, “Veni creator spiritus” e “Veni redentor gentium” foram traduzidos por Lutero.
2. Do 5º ao 15º século (Idade Média)
Surgiram novos modelos latinizados de canto religioso. São importantes os hinógrafos:
- Hrabanus Maurus (780-856), que escreveu “Veni Creatur Spiritus” (809);
- Stephen Langton (1150-1228), “Veni Sancte Spiritus et Emitte” (1200);
- Tomás de Aquino (1225-1274), “Verbum Supernum Prodiens” (1264).
3. Século 16
O Protestantismo, nas quatro primeiras décadas (1517-1557) ganhou muito terreno; a maior parte do império alemão aderiu ao Luteranismo. A Reforma Protestante salvou um movimento dentro das comunidades no sentido de pregar o Evangelho por meio de hinos e cânticos. Também nas canções de intenção religiosas a palavra bíblica estava viva no seio dos povos da Europa.
A invenção da tipografia acelerou a edição de hinários (“Achtliederbuch”, 1523; “Enchiridien”, 1524; “Chorbuch”, 1524; livros próprios para canto congregacional,1529 e 1545.
Em muitas cidades europeias foram criadas “Cantorias” para os estudantes e os cidadãos de confissão luterana; mais tarde eles cantariam nos lares, nas escolas e nas salas de concerto.
A antiga confissão e a nova ortodoxia deram oportunidade à Contra-Reforma; o arranjo das letras tornou-se uma arte interpretativa.
O Saltério de Genebra (calvinista) trouxe novas concepções teológicas para os não-católicos. Centenas, talvez milhares de hinógrafos, deram sua contribuição para a renovação da hinodia protestante.
4. Século 17
Após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), conflito religioso-político, causado pelo antagonismo entre católicos e protestantes europeus, o Confessionalismo recebeu a influência da cultura barroca e o impacto das lutas religiosas; teve que lidar com a instabilidade, a proximidade com a morte, a “fuga do mundo”, a liberdade de pensamento e o “prazer de viver”.
As confissões de fé “reformadas” gradualmente perderam sua importância no desenvolvimento da música erudita eclesiástica. Mas o canto foi seduzido pelos operistas, pelo órgão-de-tubos e pelos organistas.
Chegou a vez da Ortodoxia Reformada e do Misticismo de Phillipp Jakob Spener assediarem os compositores protestantes alemães.
Os eruditos afastaram-se das camadas populares ao trabalharem na música-de-igreja.
5. Século 18
Depois, o Pietismo teve que relacionar-se com o Racionalismo; conseguiram conviver nas casas principescas, nas universidades e nas igrejas oficiais.
Foi o ambiente escolhido por J.S. Bach e G.F. Handel.
Na Saxônia, Bach; na Alemanha do Norte, Neumeister e Telemann; na Inglaterra, Handel.
Os Pietistas produziram muitos hinários, mas declinou a qualidade técnica e artística; então, eles alegaram que estava ocorrendo a secularização da música-de-igreja. Na contra-corrente, Bach colocou a música-de-igreja em seu mais elevado nível.
O Luteranismo, sob a liderança de Bach, apesar de sempre contestada, achou na música barroca sua melhor expressão artística.
Os poetas Friedrich Gottlieb Klopstock (1724-1803)), Matthias Claudius (1740-1815) e Johann Gottfried Herder (1744-1803) expressaram seus pensamentos e suas críticas por meio de hinos. Klopstock esteve perto da religiosidade de Bach. Claudius escreveu em 1779 o hino “Der Mond ist aufgegangen”, ainda em uso na Igreja Evangélica Luterana da Saxônia (Alemanha), musicado por J.A.P.Schulz.
6. Século 19
No começo, houve declínio da música sacra. Os períodos clássico e romântico prepararam o fundamento para uma nova apreciação da música-de-igreja.
Os cânticos de orientação missionária e pietista dirigiram-se às novas oportunidades da evangelização em outros países. Os de gosto popular estilizaram seus textos e melodias (Philips Brooks, John Ellerton, Henry Francis Lyte, Samuel John Stone); em alguns poucos houve uma tímida restauração do bom gosto musical.
7. Século 20
Depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma volta ao canto luterano, um novo começo do culto e do ano eclesiástico, a serem desenvolvidos pelos jovens, pelos cantores e organistas.
Com o surgimento do movimento nazista, a “Igreja Confessante” e os “Cristãos Alemães” entraram numa disputa pelo canto nas igrejas protestantes da Alemanha. A fé cristã se relacionava com a identidade nacional alemã. O hino “Jerusalém” era tocado em homenagem aos mortos na Primeira Guerra Mundial. O hino “Aleluia! Aleluia! Gratos hinos entoai!”, com música de Beethoven (HCC-60), servia como estimulante aos partidários nazistas que queriam “a Alemanha acima de todos os países” (“Deutschland über alles”).
Na Guerra Fria (1946-1990), a tensão político-militar entre os EUA e a URSS teve alguns reflexos na hinodia protestante. A criatividade dos letristas e músicos tem causado inquietações, pois, vez por outra, têm desprezado a sã doutrina. A música e o culto podem ser atualizados, mas não secularizados.
No século 20, especialmente entre 1960 e 1980, o Novo Canto e o Ecumenismo foram os protagonistas, permitindo aos ritmos populares (Spirituals, jazz, rock, Calypso, samba, bossa-nova) a entrada nas igrejas tradicionais.
O conteúdo doutrinário não é tão profundo, nem a linguagem poética é tão rica; nas letras encontramos a singeleza do homem contemporâneo (ver: OJB, 17 dez 1978). As composições aproveitam temas folclóricos e populares (ver: OJB, 15 out 1978).
Nesses 20 anos, os produtores de discos evangélicos ditaram os estilos e as maneiras de cantar os hinos. Em breve, a execução dos hinos e a introdução de canções profanizadas sairão do controle das igrejas protestantes e evangélicas, principalmente nas igrejas que estão adotando a Teologia da Prosperidade, para as quais os auditórios (não são, a rigor, congregações, mas participantes de “shows”), são um mercado rico e promissor.
Nelas, as letras dos cânticos são lastimáveis, e as melodias muito próximas da sonoridade mundana.
Fontes: 1) Blume, Friedrich. Protestant Church Music. London: Victor Gollancz, 1975.
2) Nassau, Rolando de. Brevíssima História da Música Sacra. Brasília, DF, 1982 (INÉDITA).
Autor: Rolando de Nassau.
Brasília, DF, em 31 de dezembro de 2020.
Doc.HC-108
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