Novos Hinos para Um Novo Dia – Albert H. van den Heuvel / Trad. João Wilson Faustini
Havia um ministro num país europeu há não muito tempo atrás, que disse à sua congregação num domingo de manhã que eles iriam cantar apenas um hino: “Aquilo que deveríamos cantar, disse ele, “não está no hinário; o que está no hinário a respeito do nosso assunto é obsoleto ou até herético. Portanto vamos ficar em silêncio e ouvir o órgão.”
Esta pequena história é naturalmente, irritante. Já posso até ouvir inúmeras pessoas dizerem: mas há lindos hinos no hinário! Nossos pais já os cantaram por muitos séculos! Nós os aprendemos de nossas mães! O que há de errado com os hinos de Ambrósio, Lutero, os Salmos, os tesouros de Wesley e todos os outros? O homem de nossa história teria com certeza sacudido os ombros. Seu argumento não é que não haja bons hinos, mas que há muito poucos que reforcem sua pregação para a geração presente. Eu concordo plenamente com ele. Há muitas coisas na vida da Igreja que são desapontantes, mas poucas são tão difíceis de tocar como esta. Escolher hinos para o culto dominical é um constante e deprimente momento no meu ministério. Deixa-me provar mais alguns pontos.
1. Não é exagero enfatizar a importância de um hinário autentico e adequado para nossas Igrejas. Gelineau, o famoso perito no assunto, escreveu no Concilium (1,2) que o canto congregacional é a atividade da comunidade mais importante que pode haver no culto, além da eucaristia. Apesar de ele ser católico, eu me inclino a concordar, adicionando a devida ênfase Luterana e Reformada, na pregação da Palavra. É nos hinos, repetidos constantemente, que formamos muito do conteúdo de nossa fé. Eles são, provavelmente, os únicos documentos confessionais que decoramos hoje em dia. Além disso, muitas tradições religiosas, são facilmente demonstradas terem sido determinadas pelos hinários. Basta pensar nas Igrejas Ortodoxas e nas Metodistas, no Exército da Salvação e nas Igrejas Reformadas, que usam os Salmos. Há uma abundância muito grande de literatura a respeito da grande influência formativa dos hinos nas diversas tradições religiosas. Dize-me o que cantas, dir-te-ei o que crês!
2. Isto significa, parece-me, que podemos falar o quanto quisermos a respeito de novas ideias teológicas, mas enquanto essas ideias não forem transportadas para os hinos da Igreja, elas nunca alcançarão o povo. Parece um absurdo para mim, aprendermos juntos a respeito da nova existência corpórea em comunidade, enquanto domingo após domingo cantamos “Quando ao fim da jornada eu chegar”, continuando a enfatizar o individualismo dos séculos 18 e 19. É absurdo falar a respeito do Cristianismo urbano enquanto cantamos saudosamente somente a respeito do céu, ou a respeito da natureza. Onde estão os hinos que falam a respeito do nosso dever aqui na terra como Cristãos e da humanização da nossa sociedade? Onde estão os hinos que nos ajudam a expressar novas visões a respeito do Deus-Rei? Onde estão os hinos que expressem, além da esperança no céu, a nossa responsabilidade aqui na terra, onde há injustiça, exploração, ganância e violência?
E assim poderíamos continuar. Os Católicos tem procurado purificar os textos de seus hinos, de tudo que possa nutrir anti-semitismo; mas nós nem começamos a extirpar de nossos hinos o dualismo, a metafísica, orgias de ontologia, pietismo egocêntrico e eclesiologia constantiniana. Não quero ridicularizar o que é caro e precioso para muita gente, mas não deixa de ser cômico ou trágico ouvir uma congregação que fale a respeito de seu serviço e testemunha no mundo moderno, cantar exclusivamente a respeito de sua própria salvação. Parece-me que o hinário antiquado é um dos maiores obstáculos para a renovação de nossas Igrejas do que todas as nossas crenças teológicas arcaicas.
3. É mais doloroso ainda, quando pensamos a respeito da congregação missionária que deseja ser um palco da missão de Deus no mundo. Parece-me uma prova ilegítima do Espírito Santo, esperar que Ele convença o povo de pertencer a uma comunidade que em seu próprio culto corpóreo é artística e teologicamente tão contraditória.
Nós, os “crentes de tradição”, sempre achamos argumentos históricos e pastorais para manter nossos hinários como estão; mas se não desejamos obstruir a missão de Deus ao homem, nossos hinos nos acusam. Os hinos bons do hinário não devem vir de desculpa para evitar de fazer o trabalho que deve ser feito!
4. Por que é que a Igreja Cristã é tão vagarosa nesta questão? Muitas Igrejas estão reformando suas confissões; outras reestruturam suas formas eclesiásticas ou estão empreendidas em experimentações na indústria, na recreação, na ciência, filosofia e hermenêutica. Mas nossos hinos não são tocados. Talvez eu deva dizer isto de outro modo. Há denominações que recentemente mudaram seus hinários, mas quando isto fizeram, nada de radical aconteceu. Estamos empreendidos em uma restauração, e não num renovamento. As exceções à esta regra são realmente poucas. Se mudamos ou atualizamos um pouco aqui e ali, jogamos fora as atrocidades, não fazemos um trabalho completo, porque continuamos a cantar nossa teologia natural e hinos individualistas.
5. Isto se torna mais confuso ainda, quando ouvimos como o mundo canta. Onde quer que haja alguma coisa acontecendo, o povo começa a cantar. No conflito racial, na luta pela independência do hemisfério sul, as canções florescem. No norte, alguns dos melhores críticos do status quo da sociedade, se manifestam através de canções de cabaret. O movimento pela paz é propagado por artistas comerciais que tem reconhecido o “gemido da criação” e o tem colocado em música.
Muitas destas canções são profundamente cristãs. “Nós venceremos” “Wes hall overcome) nos lembra o Apocalipse e o capítulo 8 de Romanos. “Onde estão as flores” (Where have all te flowes gone?) nos faz lembrar os profetas. Edith Piaf cantava dramaticamente a respeito dos feitos de Deus. Faltar-me-ia tempo para contar de Bessie Smith, Joan Baez, George Brassens, Marlene Dietrich, Pete Seeger e outros, todos dos quais falaram do koiné (isto é, em linguagem secular) a respeito dos grandes perigos e desafios apresentados ao homem, e da esperança de uma iniciativa no outro lado.
O que o mundo canta não é de todo mau, e muitos cristãos somente aprendem a cantar lá fora. Talvez foi por esta razão que os reformadores frequentemente usaram melodias que eram populares nos bares públicos de seus dias. Ainda é muito salutar ouvir palavras originais dos hinos que agora chamados de “sagrados”.
6. Eu pensaria que a comunidade cristã cantaria outra vez se encontrássemos o kairos de nossa história, a gravidez dos tempos em que vivemos. Bonhoeffer disse uma vez, que no tempo de Hitler, as únicas pessoas que podiam cantar cantos gregorianos seriam aqueles que clamassem contra os judeus. Nessa afirmação tão rude, o elo inquebrável entre o se envolver e a liturgia foi feito claramente. Só se pode cantar na Igreja quando se está realmente ligado com o princípio dinâmico da história.
7. Isto não quer dizer que sempre precisamos de hinos novos. Há hinos que foram escritos para a eternidade. Mas os hinos tradicionais só podem subsistir quando outros novos forem cantados. O cantar é uma atividade dinâmica, pela qual a comunidade pode se expressar. Hinos novos são tão importantes quanto os velhos. Os velhos precisam ser continuamente provados, teologicamente, musicalmente e poeticamente. Linguagem irreal ou música imprópria podem corromper nossa fé. Elas dão ao estranho e ao participante um conceito errado de Deus. Não é à toa que as visões escatológicas de Israel e da ecclesia incluem a esperança de um novo cântico. (Isaías 42:10; Apoc. 5:9 e 14:3)
Dr. Albert H. van den Heuvel
Tradução: Rev. João Wilson Faustini
“Publicado originalmente em: Louvor Perene nº 34 – Julho, Agosto e Setembro de 1968”
© 1968 de Albert H. van den Heuvel / trad. João Wilson Faustini – Usado com permissão
Gostei do comentário e concordo