Mota Sobrinho (1883-1964)
João Marques da Mota Sobrinho – (1883-1964)
Pastor em vários estados, missionário em Portugal, professor e hinólogo
O Rev. Mota Sobrinho nasceu no dia 21 de junho de 1883 na cidade de Vizeu, na Beira Alta, em Portugal, a terra do gramático e historiador João de Barros. Aos 10 anos, foi aprovado no exame de admissão para o Liceu, porém em seguida, para grande desgosto do pai, que queria vê-lo doutor, renunciou aos estudos para se dedicar ao comércio. No ano seguinte, tendo falecido a mãe, começou a pensar no Brasil e falou sobre isso ao pai, que o repeliu asperamente. Antes de completar 13 anos, entrou na loja de tecidos em que ele trabalhava o cônego Casemiro Tavares Dias, secretário do bispo de Olinda, em Pernambuco. Fora pagar uma dívida contraída anos antes, quando, egresso do Seminário de Vizeu, embarcara para o Brasil. Conversando com o menino, o sacerdote convidou-o para seguir com ele para Pernambuco e acabou por convencer o seu pai nesse sentido. No dia 17 de novembro de 1896, embarcaram no navio Madalena, da Mala Real Inglesa, chegando a Recife no dia 26.
Residiu por um mês no palácio episcopal, convivendo com o bispo D. Manuel dos Santos Pereira. Na véspera do Natal, decidido a não seguir a carreira religiosa, foi viver a sua própria vida. Trabalhou duramente para sobreviver. Apesar da asma que o afligia desde a infância, vendeu verduras nas ruas de Recife e rolou pipas de aguardente em estações do interior de Pernambuco. Em outubro de 1899, conheceu o dedicado obreiro evangélico Luís Augusto Jardim, um sapateiro e ex-presidiário em Fernando de Noronha, e com ele estudou a Bíblia. A seu convite, começou a frequentar os cultos e não mais se afastou. Antes mesmo de professar a fé começou a trabalhar com outros obreiros presbiterianos e congregacionais.
Em 1901, foi a Caruaru com o Rev. Alexander Telford, pastor congregacional recém-chegado da Inglaterra, para um trabalho de evangelização. Realizaram um culto a dois quilômetros da cidade, na residência do Sr. José Alves dos Santos (“Casuca”). Pouco depois, quando essa família se dirigia para o culto que seria realizado na cidade, foi assaltada por um grupo de fanáticos, sendo o Sr. Casuca assassinado. Na cadeia local, para onde o corpo foi levado, o jovem evangelista pregou aos circunstantes, baseando-se em Mateus 10.28 e seguintes. Em seguida, tomou as providências para o sepultamento do irmão na fé. Em 1902, saiu a campo pelas colunas do Diário de Pernambuco, apoiando o Rev. Salomão Ginsburg contra o frade Celestino de Pedavoli. Foi quando o Rev. Ginsburg, o presbítero Vera Cruz e outros lhe apontaram a carreira ministerial como alvo de vida.
Desejoso de estudar na escola teológica de Garanhuns, nela ingressou em março de 1903, após corresponder-se com o Rev. Juventino Marinho e com o Rev. George Henderlite. Foi redator de O Boletim, órgão do nascente seminário. Após um período de prova na igreja da Paraíba (João Pessoa), considerado suficiente para dispensar a licenciatura, foi ordenado pelo Presbitério de Pernambuco em 29 de novembro de 1905, na Igreja Presbiteriana de Natal. Seus colegas de ordenação foram Antônio Almeida, Benjamim Marinho e Alfredo Ferreira. Assumiu então, em 2 de dezembro, o pastorado da igreja da Paraíba, sucedendo o Rev. Manoel Machado, que se uniu à igreja independente no ano seguinte. Fundou a Sociedade Auxiliadora de Senhoras e os Mensageiros Cristãos.
Em 1908, foi a São Luís do Maranhão para visitar a família do Rev. Belmiro César, cuja filha viria a desposar. Nessa ocasião, em companhia dos futuros cunhados Samuel e Paulo, foi assistir a uma conferência do bispo D. Francisco Raimundo da Silva na Igreja do Rosário. Quando o bispo afirmou: “Se eu fosse protestante, teria vergonha de ter por pais e patriarcas homens devassos e corruptos como foram Lutero e Calvino”, o jovem pastor não se conteve e bradou em alta voz: “Protesto!”. Outra versão diz que o conferencista foi o padre Júlio Maria de Moraes Carneiro, que declarou: “Eu teria vergonha de pertencer a uma igreja fundada pelo imoral frade Lutero”, ouvindo de Mota Sobrinho um sonoro “Não apoiado!” No dia seguinte, no templo presbiteriano, o jovem ministro iniciou a convite da igreja uma série de pregações em resposta à conferência do prelado, com grande assistência e excelentes resultados. Em 25 de fevereiro de 1909, casou-se com Wilhelmina Lenz César, nascida em 1888. “Mina” havia estudado piano por oito anos e se formara na Escola Normal da Paraíba. Voltando à Paraíba, Mota Sobrinho escreveu uma série de artigos polêmicos no periódico O Norte, pertencente ao futuro senador Oscar Soares.
No início de 1910, o jovem ministro foi convidado para pastorear a igreja de Recife em substituição ao Rev. Juventino Marinho. Não aceitou por ter atendido a um apelo do Rev. Álvaro Reis para iniciar a obra missionária da IPB em Portugal. O presbiterianismo nesse país datava de 1866, quando o escocês Robert Stewart iniciou o trabalho, que posteriormente sofreu com interrupções e falta de liderança. A nova atmosfera política do país, que se tornou uma república em 1910, e a promessa de liberdade religiosa, deu ímpeto a novos esforços. Paul Pierson observa que a IPB também possuía fortes laços sentimentais com a pátria-mãe, visto que alguns de seus primeiros pastores tinham sido portugueses e os Revs. Álvaro Reis e Erasmo Braga, que propuseram o estabelecimento da missão, eram filhos de imigrantes lusos. Assim, naquele ano a Assembleia Geral aprovou uma resolução nesse sentido.
Em dezembro de 1910, partindo de Belém do Pará, Mota Sobrinho seguiu para sua pátria como o primeiro missionário da Igreja Presbiteriana do Brasil no exterior, sendo substituído na igreja da Paraíba por seu sogro, Rev. Belmiro César. Foi recebido em Lisboa no dia 19 do mesmo mês, em solene reunião no templo da Igreja Escocesa. Em 14 de agosto de 1911, o casal teve a amarga experiência de perder o filhinho com apenas um ano e quatro meses. Tiveram outros quatro filhos em Portugal e posteriormente mais cinco no Brasil. Mota Sobrinho pastoreou a igreja de Lisboa e fundou a de Figueira da Foz e as congregações de Santo Amaro e Alhadas. Iniciou trabalho evangélico em Coimbra, onde esteve várias vezes com o missionário Myron Clark. Dirigiu três periódicos, um dos quais com o Rev. John Beatty Howell, ex-missionário no Brasil. O primeiro, de 1911, chamava-se O Doutrinador, nome mudado no ano seguinte para Voz da Verdade. Tomou parte na revisão da Bíblia e dos Salmos e Hinos, e fundou a Aliança Evangélica Portuguesa. Enviou ao jornal O Puritano suas valiosas “Cartas de Lisboa”.
A contínua falta de recursos o forçou a trazer a família de volta ao Brasil em 1921. Dois anos mais tarde, em janeiro de 1923, ele mesmo retornou, indo dirigir o internato masculino do Ginásio de Alto Jequitibá, no leste de Minas, fundado recentemente pelo Rev. Aníbal Nora e D. Constância. A seguir, foram para Caratinga, onde o Rev. Mota Sobrinho fundou o Colégio Luso-Brasileiro, com regime de internato e externato, que recebia filhos de fazendeiros da região. Mina lecionava diversas disciplinas e era excelente professora de música. Seu esposo dirigiu o órgão oficial do município, A Renascença. Em memorável campanha, conseguiu que o governo estendesse até aquela remota região os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina.
Em 1927, a família se mudou para São Paulo, onde o Rev. Mota Sobrinho foi convidado para lecionar no Mackenzie College e na Associação Cristã de Moços. Esteve entre os primeiros professores do Instituto José Manoel da Conceição, no qual lecionou português e latim. Escreveu o hino do JMC. Transferido para o Presbitério de São Paulo, pastoreou as igrejas de Pinheiros, Lapa e Bela Vista. Em 1930 nasceu a filha mais nova, Élsia. Para ajudar o marido no orçamento da casa, Mina passou a fazer serviços de costura, aprimorando-se na confecção de vestidos de noiva. Também dava aulas na Associação Cristã Feminina.
Em 1930, seguiram para o Rio de Janeiro, onde o Rev. Mota Sobrinho teve ricas experiências ministeriais. Foi pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, secretário da igreja e substituto interino do Rev. Matatias Gomes dos Santos em várias ocasiões. No início de 1931, ingressou no Presbitério do Rio de Janeiro, tendo trabalhado nas igrejas de Madureira, Bananal e Ilha do Governador. Também auxiliou nas congregações de Marechal Hermes, Vila da Penha e Maria da Graça. Dirigiu por cinco anos o Departamento Cultural da Associação Cristã de Moços e foi professor nessa organização até a aposentadoria. Lecionou durante 30 anos no Colégio Souza Marques e cultivou amizades duradouras com seus colegas e alunos. No início de sua carreira no Rio, foi um pioneiro da evangelização pelo rádio, primeiro na Rádio Educadora e depois na Rádio Transmissora. Na primeira, em 1931, discursou ao povo carioca quando poucas pessoas possuíam o seu próprio aparelho e a estação tinha altofalantes instalados nos principais logradouros da cidade.
Em 1961 Mota Sobrinho traduziu o Salmo 130 metrificado por Martinho Lutero (1483-1546) em 1524
Presidiu por sete anos a Comissão do Hinário da Confederação Evangélica do Brasil. Poeta inspirado, deixou alguns trabalhos publicados, inclusive grande número de hinos sacros. No Hinário Evangélico, 26 hinos são de sua autoria, entre os quais “Senhor, ao teu nome louvores cantamos” (112), “Que fazes tu por mim?” (226), “Rocha eterna” (297), “Mais perto quero estar” (303) e “Praza a Deus que a nossa pátria” (493). Foi autor das letras de vários hinos que estão no Hinário Presbiteriano: “Jerusalém celeste” (189), “Subiste ao céu, triunfador” (280), “Entre nuvens multicores” (291), “Breve o Senhor em esplendor” (294), “Dominical é a grande e antiga escola” (354). Colaborou com seu amigo Dr. José de Souza Marques em Seleções brasileiras. A convite de amigos jornalistas, escreveu para o Jornal do Comércio e O País.
Por duas vezes foi eleito presidente do Presbitério do Rio de Janeiro. Realizou memoráveis conferências em cidades como Valença, Campinas e Rio Claro. No Rio de Janeiro, durante a semana da Páscoa, deu ênfase em diversas oportunidades à mensagem da cruz. Em 1955, o Presbitério do Rio de Janeiro realizou na igreja de Botafogo um culto de ação de graças por seu jubileu ministerial, sendo orador oficial o Rev. Amantino Adorno Vassão.
O velho ministro faleceu às 10h05 do domingo 5 de julho de 1964, no mesmo quarto do Hospital Evangélico em que havia falecido o Rev. Matatias Gomes dos Santos. No local havia um quadro com o versículo “Em tudo dai graças”. No domingo 21 de junho, quando completou 81 anos, tinha batizado a neta Cláudia Passos, filha de Cecy, na igreja da Ilha do Governador. Dona Wilhelmine havia falecido em 20 de dezembro de 1963.
O casal Mota teve nove filhos: Jorge, Hélios, Lizzie, Selene, Cecy, Glauco, Márcia, Alda e Élsia. Hélios César Mota foi, por muitos anos, secretário da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, tendo administrado e conservado o seu arquivo histórico. Jorge César Mota nasceu em Lisboa no dia 5 de abril de 1912 e veio para o Brasil com dez anos. Cursou o Instituto JMC e o Seminário Presbiteriano de Campinas. Foi ordenado em 27 de junho de 1938. Pastoreou as igrejas de Aracaju, Unida de São Paulo, Santos, Pinheiros, Vila Mariana e Osasco. Foi secretário geral da União Cristã dos Estudantes do Brasil (1944-1955) e capelão da Universidade Mackenzie (1955-1962). Destacou-se como entusiasta do movimento ecumênico. Era casado com Ivone Mesquita Garcia, com a qual teve a filha Maria Antonieta.
Foi um dos tradutores da Bíblia de Jerusalém, de dois livros de John A. Mackay (Eu, porém, vos digo e A ordem de Deus e a desordem do homem) e de outras obras. Foi um dos fundadores da revista Biblos e autor do livro Tito, meu filho (1959), um comentário dessa epístola paulina, além de outros trabalhos. Lecionou no Seminário Presbiteriano de Carcavelos, em Portugal, e fez pesquisas sobre o filósofo e romancista espanhol Miguel de Unamuno, sobre o qual defendeu tese de doutorado na Universidade de São Paulo. Deixou alguns hinos, como “Vós criaturas de Deus Pai”, “Prece pela unidade” e “Toda luz que a razão irradia”. Após prolongada enfermidade, faleceu em São Paulo no dia 25 de dezembro de 2001, aos 89 anos.
(Do livro “Os Consolidadores da Obra Presbiteriana no Brasil”, 2014)
© Alderi Souza de Matos – Instituto Presbiteriano Mackenzie – Usado com permissão
Fotografia enviada pelo Colaborador Alderi Matos