(1879-1950)
Matatias Gomes dos Santos (1879-1950)
Matatias Gomes dos Santos (1879-1950)
Pioneiro presbiteriano no leste de Minas; pastor em São Paulo e no Rio de Janeiro; autor de hinos
Matatias Gomes dos Santos foi o único ministro que pastoreou as igrejas mais antigas da Igreja Presbiteriana do Brasil nas duas principais cidades do país. Ele nasceu em Campinas no dia 11 de setembro de 1879. Fazia questão de gravar o nome à moda antiga – Mattathias. Era filho de Matias Gomes dos Santos e Maria Garcia Marinho dos Santos, tendo ficado órfão de pai aos dois anos. Seu avô materno, o português Antônio Garcia Ferreira, foi um dos primeiros membros da Igreja Presbiteriana de São Paulo e mais tarde se tornou presbítero em Itapira e Mogi-Mirim.
O menino recebeu uma formação evangélica desde a infância. Aos onze anos, passou a estudar na Escola Americana, em São Paulo. No dia 4 de agosto de 1895, aos 16 anos, professou a fé na Igreja Presbiteriana de São Paulo, e nessa época ingressou no Seminário Presbiteriano, então localizado na capital paulista. Durante os estudos, trabalhou como criado, tipógrafo e, a partir de 1899, professor de português na Escola Americana. Foi membro fundador da Igreja Presbiteriana Filadelfa e da Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, esta última organizada em 26 de agosto de 1900. Pouco antes, em 10 de julho daquele ano, casou-se com Florinda Ribeiro de Castro. Foi licenciado pelo Presbitério do Rio de Janeiro, reunido em Nova Friburgo, no dia 30 de junho de 1901, junto com os colegas Baldomero Garcia, Constâncio Omegna e Henrique Louro de Carvalho. Tinha sido convidado pelo Rev. John Merrill Kyle para dar assistência a um novo e promissor campo que se abria – o leste de Minas.
Desde a década de 1860, alguns colonos alemães de Nova Friburgo haviam começado a se transferir para a região de Alto Jequitibá por causa das matas e terras férteis ali existentes. Entre os primeiros migrantes estava Guilherme Eller (1808-1872), que tinha chegado ao Brasil em 1824 com os pais e os irmãos mais novos. Muitos desses colonos originalmente luteranos que se transferiram para a Zona da Mata acabaram abandonando a fé protestante. Todavia, Henrique Eller, filho de Guilherme, insistiu em preservar a herança evangélica e saiu em busca de assistência pastoral, contando para isso com o auxílio de Cristiano César. O primeiro pastor que visitou a região a convite deles foi o batista Salomão Luiz Ginsburg, em 1896, que acabou não atraindo a simpatia dos colonos por causa de sua prática imersionista. Foi então que Francisco Eller, filho de Henrique, indo visitar os parentes no Estado do Rio, conheceu o missionário presbiteriano residente em Friburgo, Rev. John Kyle. Este foi a Alto Jequitibá em julho de 1897, pregando nas casas de diversas famílias. Em 15 de outubro daquele ano, por iniciativa de Henrique Eller, foi concluída uma pequena casa de oração para sediar os cultos.
Kyle comprometeu-se a obter um pastor para a localidade, convidando para esse fim o licenciado Matatias, que chegou a Alto Jequitibá no dia 4 de julho de 1901, tornando-se assim o primeiro obreiro presbiteriano a residir no leste de Minas. Essa localidade essencialmente rural fazia parte do município de Manhuaçu e só bem mais tarde se tornaria um distrito e posteriormente um município autônomo. Matatias foi ordenado pelo Presbitério do Rio de Janeiro no dia 24 de janeiro de 1902, na antiga capital federal. Um mês e meio depois, em 9 de março, acompanhou o Rev. Álvaro Reis no ato de organização da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Foram arrolados 105 membros comungantes, sendo 60 por transferência da Igreja Presbiteriana de Nova Friburgo, 15 recebidos por profissão de fé pouco antes da organização e 30 transferidos da Igreja Luterana de Friburgo. O número de menores era de aproximadamente 200. Além de diversas famílias brasileiras, havia integrantes das seguintes famílias de origem alemã: Eller, César, Loubach, Sathler, Berbert, Heringer, Breder, Gripp e Emerick. Posteriormente também seriam recebidas pessoas das famílias Stutz, Werner, Stoffel, Heckert e outras. Foram eleitos presbíteros Antônio Pedro de Carvalho e Cristiano César, e diáconos João Leandro de Faria, Manoel Jorge Eller e Aniceto Ferreira Gomes. Em 1º de março de 1903 foram eleitos outros dois presbíteros: Henrique Pedro Eller e João Leandro de Faria.
Viajando sempre a cavalo, o Rev. Matatias pregou em muitos locais da região: Jacutinga, Manhumirim, Fazenda Breder, Barra do Jequitibá, Manhuaçu, Lajinha, Caparaó, Carangola, Santa Margarida, Espera Feliz, Córrego do Onça, Córrego Braço do Rio. Permanecia dois domingos em Alto Jequitibá e nos outros dois visitava seu vasto campo. Em 1903, acompanhado pelo presbítero João Leandro de Faria e por Frederico C. Emmerich, o jovem ministro visitou pela primeira vez o Estado do Espírito Santo. No dia 13 de setembro, pregou na fazenda de Joaquim da Silva Santos, nas proximidades de Muniz Freire. Segundo consta, esse foi o primeiro culto presbiteriano no estado capixaba. Dias depois, numa fazenda perto de Alegre, recebeu os primeiros membros: Manoel Soares Teixeira e sua família. Finalmente, em 19 de setembro realizou o primeiro culto em São José do Calçado, na residência do farmacêutico Benjamim Moraes. A igreja presbiteriana dessa pequena cidade, a primeira do estado, seria organizada em 10 de março de 1907 pelo Rev. Constâncio Homero Omegna.
Em agosto de 1905, após breve período como pastor auxiliar do Rev. Álvaro Reis e colaborador na redação de O Puritano, Matatias transferiu-se para Salvador, na Bahia, sendo o campo do Espírito Santo entregue aos cuidados do Rev. Constâncio Homero Omegna e o do leste de Minas ao Rev. Manoel Alves de Brito. Nesse mesmo ano, em 5 de junho, foi organizada a igreja de Barra do Jequitibá/Manhuaçu, primeira filha da igreja de Alto Jequitibá. Matatias foi pastor na Bahia por vários anos, tendo sido membro fundador do Presbitério Bahia-Sergipe, organizado em Salvador no dia 7 de janeiro de 1907. Foram seus colegas de presbitério os Revs. José Ozias Gonçalves e Salomão Ferraz. Nesse período, exerceu o magistério, publicou artigos em jornais seculares e fundou o jornal Imprensa Evangélica (1908), com o mesmo formato e a âncora simbólica do periódico desaparecido em 1892. Tornou-se membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e reconstruiu o templo da Igreja Presbiteriana da Mangueira, no qual foi realizada a primeira celebração do Dia das Mães no Brasil (10.10.1909).
Em dezembro de 1912, foi chamado para exercer o cargo de diretor da Escola Americana, em São Paulo, no qual permaneceu até 1919, tendo também lecionado no Mackenzie College. Poucos meses após sua chegada, em 12 de junho de 1913, foi eleito pastor da Igreja Presbiteriana Unida, sucedendo o idoso Rev. Modesto Carvalhosa. A obra presbiteriana na capital paulista estava quase paralisada, experimentando muito pouco crescimento, e ele começou a mudar essa situação. Pouco depois de sua posse, deu início à construção do imponente templo da Rua Helvetia, cuja pedra memorial foi lançada em 1º de janeiro de 1914. O edifício começou a ser utilizado no ano seguinte, mas somente foi concluído e inaugurado em 7 de setembro de 1922, dia do centenário da Independência do Brasil. Nesse projeto, contou com o auxílio de muitos colaboradores, em especial o Sr. Gaspar Schlittler. A igreja expressou o seu reconhecimento ao pastor através de uma placa afixada à entrada do templo.
Em 1919, participou de um congresso das Associações Cristãs de Moços no Uruguai. Desse congresso nasceu o Conselho Geral das Igrejas Evangélicas da Cidade de São Paulo, do qual foi eleito presidente. Renovou e impulsionou a música na Igreja Unida, bem como criou o seu coral. Prestigiou o trabalho da escola dominical, dirigido de forma brilhante, a partir de 1920, pelo presbítero Eliezer dos Santos Saraiva. Impulsionou a expansão do presbiterianismo na cidade, dando assistência às congregações e pontos de pregação da igreja, e incentivando a abertura de outras (Lapa, Casa Verde, São Caetano, Nipo-Brasileira, Osasco, Imirim, Barra Funda, Perdizes, Higienópolis, Bela Vista, Vila Monte Alegre, Vila Queirós, Tremembé, Bom Retiro). Muitos desses trabalhos começaram como pequenas escolas dominicais e ficaram sob a responsabilidade dos presbíteros e diáconos.
Em seu pastorado foram criados o “Pecúlio dos Pobres”, o Instituto de Beneficência Cristã, o Centro de Educação Física, para a mocidade, e o periódico A Mensagem, do qual ele mesmo foi o redator. A Sociedade do Esforço Cristão foi reformulada e passou a se chamar Centro de Discípulos de Cristo. Começaram a ser realizados os retiros no orfanato Blossom Home (Lar das Flores), em Suzano, dirigido pelo casal Carlos e Sara Cooper. Nos conflitos “tenentistas” de 1922 e 1924 a igreja cedeu o templo à Cruz Vermelha, e em 1925 à 1ª Igreja Presbiteriana Independente, que estava construindo o seu templo na Rua Dr. Pestana.
Em 22 de agosto de 1926, Matatias assumiu o pastorado da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, a igreja-mãe do presbiterianismo nacional. O Rev. Álvaro Reis havia falecido em junho do ano anterior, sendo sucedido brevemente pelos Revs. Vítor Coelho de Almeida, Laudelino de Oliveira Lima e André Jensen. No atendimento à sede e às congregações, o novo pastor contou com a colaboração de muitos auxiliares: Lisânias de Cerqueira Leite, Reinaldo Malafaia, Silas Sampaio Ferraz, Paulo Lenz César, Tancredo Costa, Benjamim Moraes, Galdino Moreira, João Marques da Mota Sobrinho, Juvenal Vieira Batista e outros. Em seu pastorado, foram organizadas várias igrejas-filhas: Nova Iguaçu (1927), Realengo (1931), Bangu (1932), Turiaçu (1932), Santa Cruz (1933), Anchieta (1936), Parada de Lucas (1946) e Maria da Graça (1946). Outros trabalhos foram iniciados na Ilha do Governador, Campo Grande, Santíssimo, Marechal Hermes, Acari, Vila da Penha, etc.
O Rev. Matatias instituiu o uso do cálice individual na Ceia do Senhor ao lado do cálice comum que vinha da época de Álvaro Reis. Em 1931, fundou nas instalações da igreja o Instituto Renascença, para instrução primária, complementar e secundária, que chegou a ter quase 300 alunos. Contava com eficiente equipe de dirigentes e professores. Em 1932, foi criada uma extensão no Rio Comprido, o Colégio Renascença. Reorganizou o coral da igreja, que a partir de 1933 ficou sob a regência do maestro Canuto Roque Régis (1909-1954). Em seu pastorado, foi criada a primeira União de Mocidade Presbiteriana (UMP), em 28 de agosto de 1934, embora a primeira diretoria só tenha sido eleita em 1938. Nesse mesmo ano, o Supremo Concílio, reunido em Fortaleza, criou a Secretaria do Trabalho da Mocidade, nomeando para ocupá-la o Rev. Benjamim Moraes. Em 1º de agosto de 1939, foi aprovado o moto “Alegres na esperança, fortes na fé, dedicados no amor, unidos no trabalho”, proposto por Canuto Régis.
A maior realização do Rev. Matatias foi a construção do magnífico templo da igreja-mãe, em substituição ao velho edifício da época do império (1874), que ameaçava desabar. Contou para isso com os esforços entusiásticos de todos os setores da igreja, a partir de 1927. O culto solene de inauguração da parte interna do templo foi realizado em 25 de dezembro de 1942. Emocionado e vibrante, o Rev. Matatias proclamou: “Para honra e glória do trino Deus, para testemunho do evangelho eterno, para o bem e glória do Brasil, declaro inaugurado este templo”. Nessa ocasião professaram a fé, entre outras pessoas, três jovens que iriam abraçar o ministério: Atael Fernando Costa, Reinaldo Corrêa da Silva e Thiago Rodrigues Rocha. Até 1942, recebeu mais de mil pessoas no rol da igreja, entre maiores e menores.
Florinda, a primeira esposa do Rev. Matatias, faleceu no dia 15 de fevereiro de 1940, após 40 anos de vida conjugal. Em 6 de março de 1941, ele se casou em segundas núpcias com Ester Gomes dos Santos. Teve vários filhos, todos do primeiro enlace. Encaminhou ao ministério os Revs. Paulo Lenz de Araújo César, Francisco de Paula Severino da Silva, Laudelino de Oliveira Lima Filho, João Pedro de Souza Lobo, Fernando Nani, Paulo Villon e Raul Villaça Filho. Em 1944, indicou como candidato à sua sucessão o Rev. Amantino Adorno Vassão, que no dia 23 de julho foi eleito copastor, assumindo o pastorado efetivo em agosto de 1946. O Rev. Matatias foi o primeiro ministro da IPB a receber o título de “pastor emérito”, em maio de 1946.
O operoso ministro faleceu às 17 horas do dia 9 de outubro de 1950, no Hospital Evangélico do Rio de Janeiro, sendo sepultado no dia seguinte no Cemitério de São João Batista, em Botafogo. Suas últimas palavras, testemunhadas pelo Rev. Raul Villaça, foram: “Vale a pena viver e morrer no Senhor”. Na cerimônia de corpo presente realizada na igreja do Rio, falaram os Revs. Benjamim Moraes (presidente do Supremo Concílio), Amantino Vassão, Júlio Nogueira, José Borges dos Santos Júnior e Galdino Moreira. Junto ao túmulo se pronunciaram, entre outros, o bispo César Dacorso Filho (metodista), o arcediago Nemésio de Almeida (episcopal) e o Rev. Antônio Campos Gonçalves (congregacional). No domingo 31 de outubro de 1982, no início do pastorado do Rev. Guilhermino Cunha, foi inaugurada defronte ao templo da Rua Silva Jardim a Praça Rev. Matatias Gomes dos Santos, mediante projeto de lei do vereador evangélico Dirceu Amaro.
O Rev. Matatias dirigiu por duas vezes o concílio magno da Igreja Presbiteriana do Brasil: em 1917, como vice-moderador em exercício, e em 1926, como moderador eleito, na reunião da Assembleia Geral em São Sebastião do Paraíso (MG). Foi também moderador do Sínodo Central (1937). Fez parte da comissão revisora do Livro de Ordem da IPB e em anos posteriores defendeu a maior abertura da igreja e as modificações propostas para sua nova constituição. Foi membro permanente do Conselho de Administradores do Hospital Evangélico do Rio de Janeiro. Foi também o primeiro presidente da Confederação Evangélica do Brasil (1934) e o primeiro vice-presidente da Sociedade Bíblica do Brasil (1948).
Escreveu amplamente. Ressuscitou por alguns anos a Imprensa Evangélica, na Bahia e em São Paulo. Entre suas publicações conta-se o trabalho Os jesuítas, a propósito das “Emendas Religiosas” de 1925, e Bispos e pastorais ou a conquista do Brasil pelos norte-americanos (1928), reunindo artigos escritos para O Estado de São Paulo em 1921. Quando pastor em São Paulo, redigiu o jornal A Mensagem. No Rio, publicou outro periódico com o mesmo nome (1931-1945), que era o órgão informativo da igreja. Colaborou com o maestro Arthur Lakschevitz na publicação de Coros sacros, destinados aos corais das igrejas evangélicas. Foram lançados cinco volumes, totalizando 110 hinos. Presidiu a Comissão do Hinário da Confederação Evangélica e colaborou na revisão do Hinário Evangélico, lançado após o seu falecimento. Publicou Música e hinologia (Rio, 1948). O Hinário Novo Cântico contém uma tradução de sua autoria – “As grutas, as rochas imensas” (27).
(Do livro “Os Consolidadores da Obra Presbiteriana no Brasil”, 2014)
© Alderi Souza de Matos – Instituto Presbiteriano Mackenzie – Usado com permissão
Fotografia enviada pelo Colaborador Alderi Matos