HCC 283 – Eu creio, Senhor, na divina promessa

História

283. Eu creio, Senhor, na divina promessa

Ele me disse: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Por isso, de boa vontade antes me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que repouse sobre mim o poder de Cristo” (2Coríntios 12.9).

CONTA-NOS o rev. Gonçalves, o autor, que escreveu esta oração-poesia num domingo em que estava sozinho em casa. Mais tarde, publicou-a no Expositor cristão, jornal da Igreja Metodista. O sr. Oscar Monteiro, ex-paroquiano do autor, levou a poesia ao conhecimento da profa. Henriqueta Rosa Fernandes Braga (Rosinha), e perguntou-lhe se ela poderia pô-la em música. Disse-nos D. Rosinha que teve prazer em atender ao pedido, pois achou o texto muito rico, espiritualmente falando, e de forma primorosa.1

Uma das principais produções do rev. Antônio de Campos Gonçalves, esta letra de intensa profundidade, escrita em 1952, revela a sua grande dependência e familiaridade com Jesus, demonstradas por toda a sua vida e em seu serviço ao Senhor. Nas palavras do próprio autor, este hino assinala:

a tremenda e insubstituível dependência que o homem tem de Deus; dependência mística, dependência física, dependência salvífica, dependência moral, dependência espiritual e dependência escatológica.2

Ver mais dados deste dedicado e erudito autor no HCC 138.

Assim, este hino foi musicado, duma maneira bela e singular, no mesmo ano, pela inigualável musicista e hinóloga, professora Henriqueta Rosa Fernandes Braga, que chamou a melodia de TELFORD. Tendo recebido o poema, intitulado Senhor, eu preciso de ti, Henriqueta achou-o do mais puro quilate, revelando por parte do autor profunda experiência religiosa e o esclarecimento espiritual que resulta de um verdadeiro encontro com Cristo.3

O Brasil evangélico o ouviu pela primeira vez cantado pelo renomado coro da Igreja Evangélica Fluminense sob a regência e com o arranjo da compositora. Lida Knight, redatora da revista Louvor perene, publicou este hino num arranjo de Luiza Cruz (ver HCC 436) para três vozes mistas, em 1953. Isto levou o hino aos quatro cantos do país, porque músicos sacros em todo o lugar logo viram o seu intrínseco valor. O hino foi incluído no Hinário evangélico (1962), Cante, ó povo! (1974, JUERP), Seja louvado (1972) e, agora, também no HCC. A apresentação do hino à igreja por um quarteto misto mostrará a sua primorosa harmonia.

Henriqueta Rosa Fernandes Braga nasceu em 12 de março de 1909, no Rio de Janeiro. “Teve pioneirismo em suas veias. Descende de duas famílias evangélicas tradicionais intimamente ligadas aos inícios do trabalho evangélico no Brasil”.4 Seus avós paternos, José Luiz Fernandes Braga e sua esposa Christina Falhaber Fernandes Braga, estavam entre os primeiros líderes no trabalho do casal Kalley.5 Os avós maternos de D. Rosinha, o professor Remígio Cerqueira Leite e sua esposa, Rosa Edith Ferreira Cerqueira Leite, foram importantes líderes no trabalho presbiteriano em São Paulo, capital, e São Luis, MA.

Seguindo os seus passos, esta “Madrinha dos Salmos e hinos” foi pioneira na sua educação aprimorada. Foi aluna dos mais ilustres mestres no Brasil da época: Francisco Mignone (regência), Antônio Silva (órgão), João Otaviano (composição, instrumentação e orquestração) e Agnello França (harmonia). Foi detentora do primeiro diploma universitário de música oferecido no Brasil. Recebeu diplomas de professora de piano e regência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual tornou-se professora. Foi catedrática do Conservatório Brasileiro de Música e da Escola de Música Villa-Lobos, perfazendo um total de 43 anos de ensino. Depois de fazer parte da sua primeira turma de Folclore Musical na Escola Nacional de Música (ENM da UB), foi colaboradora de Luís Heitor Corréia de Azevedo na pesquisa e cátedra interina durante sua ausência de onze anos em Paris. Dela, este ilustre musicólogo testificou no Prefácio da coletânea Cânticos do Natal:

Tendo tido o duplo aspecto da energia moral e do saber, nunca esperei, de sua pena, obra que não fosse, como este volume é, um trabalho de infinita consciência, redigido com o acerto de sua autoridade e a minuciosidade de seus métodos.6

Henriqueta foi pioneira na apresentação de audições sacras de gabarito, de programas musicais radiofônicos e gravações de músicas sacras, e na coleção e publicação de artigos e livros sobre a música sacra brasileira.

Ninguém se esquecerá do famoso coro da histórica Igreja Evangélica Fluminense, do qual Henriqueta foi regente e organista de 1932 a 1948. Era grande apreciadora de Bach e Handel e outros compositores sacros de quilate. Sobre sua liderança neste coro, Henriqueta falou:

Como regente coral, a maior alegria que tive foi no momento em que percebi que o coro que dirigia (…) havia se identificado tão bem com o estilo sacro, que vibrava com as peças que lhe eram apresentadas para estudo, e os coristas por si mesmos refugavam as de menor valia.7

Mentora de todos os que escrevem sobre hinódia brasileira, D. Rosinha publicou os livros mais importantes nesta área: Cânticos do Natal (1947), Do coral e sua projeção na história da música (1958), e, sua maior obra, Música sacra evangélica no Brasil (1961), que é importantíssima fonte para esta autora e estudada a fundo. D. Henriqueta também publicou Peculiaridades rítmicas e melódicas do cancioneiro infantil brasileiro (1950) e Pontos da história da música (1956). Deixou pronto Salmos e hinos, sua origem e desenvolvimento. A sua morte em 21 de junho de 1983 nos roubou de o livro Manual para Salmos e hinos, que era “a menina dos seus olhos”,8 mas que não foi possível ela terminar. Entretanto, os seus 120 artigos na revista Ultimato de 1968 a 1983, e em outras importantes publicações como Louvor perene deram ao mundo evangélico uma parte deste livro. Os artigos de Rolando de Nassau, Marcílio de Oliveira Filho e outros que tiveram o privilégio de conhecer esta maravilhosa historiadora e musicista nos proporcionam alguns dos seus importantíssimos sobre a música sacra.

D. Rosinha foi a mais importante componente da comissão que, durante dezesseis anos, preparou a revisão do excelente hinário Salmos e hinos com músicas sacras, edição de 1975. Também, no Prefácio da quarta edição com música do Cantor cristão, em 1971, Bill Ichter agradeceu à “Mestra” por seu auxílio nas longas horas passadas “preparando o Índice da métrica”9 deste hinário.

Detentora de muitas honrarias, Henriqueta foi a primeira musicista evangélica a ter assento na prestigiosa Academia Nacional de Música e a receber uma medalha da Academia Brasileira Evangélica de Letras.10

Henriqueta Braga era, em primeiro lugar, uma cristã dedicada. Depois do seu falecimento, sua família publicou em Jornal do Brasil e O Globo as seguintes palavras:

Nela se vê a fé que se chama fé salvadora; a certeza e a confiança de que o sacrifício de Jesus Cristo na cruz do Calvário foi perfeito, único e suficiente para o resgate ou cancelamento de qualquer dívida do homem para com Deus.11

Dizemos com o redator do Ultimato:

“Graças a Deus por mulheres da estirpe de Henriqueta Rosa Fernandes Braga!”12 

E, para concluir sobre esta extraordinária mulher, fazemos nossas as palavras de Rolando de Nassau:

Seu exemplo de paciência nas pesquisas, meticulosidade nas informações e imparcialidade nas opiniões ficará para nos inspirar. Assim, Henriqueta Rosa, queremos continuar sua jornada luminosa!13

1. KNIGHT, Lida. Eu creio, Senhor, Louvor perene, n.53, abr/maio/jun, 1953, p.2.

2. GONÇALVES, Antônio de Campos. O hino da dependência, Ultimato, mar/abr, 1981. p.8.

3. BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Senhor, eu preciso de ti!, Ultimato, Ano X, n.103, 1977, p.8.

4. ICHTER, Bill H. Pioneirismo, Vultos da música evangélica no Brasil, 1ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1967. p.35.

5. Foi justamente na casa deste casal em Portugal, que Salomão Ginsburg foi bondosamente hospedado na sua tempestuosa estada naquele país, e foi com o auxílio deste dedicado servo de Deus que Ginsburg publicou seu primeiro jornal O Bíblia – nome derivado do apelido dado aos crentes daquela época. (Ver GINSBURG, Salomão. Um judeu errante no Brasil, 2ª ed., trad. Manuel Avelino de Souza. Rio de Janeiro: JUERP, 1970. p.43, 52.)

6. HEITOR, Luís. Prefácio. Em: BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Cânticos do Natal. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1947.

7. BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes, Em: NASSAU, Rolando de. Magistra Dixit. Rio de Janeiro: O Jornal Batista, n.17 – ANO LXXXI, 26 de abril de 1981, p.2.

8. A madrinha dos Salmos e hinos, Ultimato, Ano XVI – n.150, set/out 1983, p.23.

9. ICHTER, Bill Hll Prefácio, Cantor cristão, Edição revista e documentada, Rio de Janeiro: JUERP, 1971.

10. NASSAU, Rolando de. Adeus à mestra. Rio de Janeiro: O Jornal Batista, n.29 – ANO LXXXI, 17 de jul. 1983. p.2.

11. A madrinha… Ultimato, Loc cit.

12. Ibid.

13. NASSAU, Adeus à …., Loc cit.

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