HCC 228 – A Deus demos glória

História

228. A Deus demos glória

Para que unânimes, e a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 15.6)

“Exultai! Exultai! Vinde todos louvar a Jesus, Salvador, a Jesus Redentor. A Deus demos glória, porquanto do céu seu Filho bendito por nós todos deu!” Há palavras de louvor mais conhecidas ou mais amadas do que estas em nossas igrejas? Dar glória a Deus deve ser o maior desejo de cada crente e de cada igreja. Como diz Hebreus 2.12:

Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação”.

Devemos estar sempre prontos a louvá-lo por ter-nos enviado o nosso Salvador. Devemos sempre estar aptos a reconhecer a mão de Deus, que nos abençoa em tudo que procuramos fazer para ele em nossas igrejas. Johann Sebastian Bach teve toda razão quando declarou:

“O alvo e razão de existência para toda a música deve ser nada menos que a glória de Deus”.1 

Glorifiquemos a Deus com este maravilhoso hino de louvor.

A prolífica poetisa cega Fanny Jane Crosby escreveu este hino. Difere da maior parte dos seus hinos por expressar o louvor mais objetivo, e não o típico testemunho ou a experiência pessoal caraterísticos da sua época. É uma excelente mistura de hino e do “gospel song”.2

Fanny Jane Crosby nasceu no condado de Putnam, Estado de Nova Iorque, em 24 de março de 1820. Seus pais, fazendeiros pobres, eram puritanos dedicados, descendentes dos fundadores da Colônia da Baia de Massachusetts e membros da Igreja Presbiteriana. Por causa de um tratamento errado duma inflamação dos seus olhos, Fanny ficou praticamente cega com seis semanas de idade, podendo perceber somente uma luz brilhante. Em novembro daquele ano seu pai, John Crosby, morreu. Por necessidade, sua mãe, Mercy, foi trabalhar numa fazenda vizinha, deixando Fanny aos bons cuidados da sua avó, Eunice. Para outra pessoa, ser cega poderia ser o fim, mas não para Fanny. Sua avó decidiu ser seus olhos. Dedicando-se de corpo e alma ao bem estar da sua neta, ensinou-a muitas coisas que fariam dela uma menina independente e alegre. Dela Fanny aprendeu a arte da descrição: dos pássaros, do pôr do sol, cujas cores ela podia às vezes perceber vagamente, e das flores.

Dela Fanny aprendeu a amar e decorar a Palavra, a orar, a se unir com os crentes na igreja e cantar, o que Fanny amava demais, decorando os Salmos com grande rapidez. Ainda criança, Fanny, quando desanimada pela cegueira, perguntou a Deus se, mesmo cega, poderia ser uma filha dele. Testemunhou, mais tarde, que ouviu a voz de Deus dizendo a ela: “Não se desanime, menina. Um dia você será muito feliz e operosa, mesmo na cegueira”.3

A tradução literal duma poesia escrita por ela aos oito anos mostra sua personalidade:

Oh, que menina contente sou eu,

apesar de não poder ver,

pois decidida estou que

neste mundo alegre serei!

Quantas bênçãos recebo eu

negadas a outras pessoas;

então pode chorar e soluçar porque sou cega

porque isso não farei! 4

Este poema foi profético, pois Fanny Crosby seria, em toda a sua vida, caracterizada pela alegria.

Com a idade de 15 anos, Fanny entrou no Instituto para os cegos, em Nova Iorque, com excelente aproveitamento. Continuou no seu hábito de escrever poesia, muitas vezes solicitada a suprir a letra para músicas que lhe eram entregues. Além de tocar violão, que aprendera quando criança, tornou-se cantora concertista, pianista talentosa e proficiente e aprendeu o órgão e a harpa. Ao se formar, tornou-se professora da instituição.

Em 1850, depois de passar alguns meses considerando se ela era realmente salva, num campmeeting (ver HCC 190) ao som do hino Por meus pecados padeceu (HCC 190) de Watts, Fanny recebeu a certeza da sua salvação. “Minha alma inundou-se com a luz celestial”, testificaria depois. Levantou-se e exclamou: Aleluia! Aleluia!. Entregando sua vida totalmente a Cristo, ela disse: “Pela primeira vez entendi que estava procurando segurar o mundo em uma mão e o Senhor na outra”.5

Fanny começou a suprir letras para canções e cantatas do destacado compositor George F. Root. Obtiveram muito sucesso. Mas o compositor que mudou a vida de Fanny foi William B. Bradbury. Procurando quem escrevesse letras para seus hinos e ouvindo da capacidade de Fanny, procurou-a. “Fanny”, disse ele, “dou graças a Deus que nós nos encontramos, porque acho que você pode escrever hinos”. Ao seu pedido, Fanny escreveu um hino e lho deu. Bradbury estava entusiasmado, e ali começou uma parceria que continuaria até a morte dele. “Parecia que a grande obra da minha vida começara”,6 escreveu a poetisa que continuaria a escrever, dando ao mundo mais de 9.000 hinos!

Aos 38 anos, Fanny casou-se com Alexander Van Alstyne, músico cego, conhecido como um dos melhores organistas em Nova Iorque. Homem bonito, jovial e muito apreciado, empregou-se em várias igrejas como organista e ensinava órgão para sustentar a família. Tiveram um filhinho, mas esse morreu na infância.

Poucos souberam sobre ele. “Van” compôs melodias para alguns dos textos de Fanny, mas não perduraram. Um hinário que os dois prepararam não foi aceito pela editora, porque, disseram, não queriam um hinário somente de duas pessoas.

Nos anos que seguiram, Fanny continuaria a escrever letras para hinos de muitos dos mais conhecidos hinistas. Chegou a usar 204 pseudônimos! Nunca fez questão de uma remuneração adequada. Morava em lares muito simples, vivia modestamente e dava muito do que recebia aos outros. Não se gabava na sua fama. Conheceu mais de um Presidente do seu país. Foi a primeira mulher a falar diante do Senado dos Estados Unidos. Pregava nos púlpitos de grandes igrejas e fez conferências em muitos lugares.

“À sua própria maneira, tornou-se um dos evangelístas mais proficientes da sua época”.7 

Amava o trabalho das missões como o Exército de Salvação, Associação de Moços Cristãos, e a famosa Bowery, que trabalhavam com os alcoólatras e necessitados. Cooperava nestes trabalhos, dando muito de si.

Embora fosse uma mulher muito pequenina, parecia ter energia ilimitada. Mulher de oração, nunca escrevia um hino sem ter orado, pedindo a direção de Deus. Gostava das horas da noite para comunhão com seu Senhor. Possuindo uma memória extraordinária, conhecia muitos livros da Bíblia de cor. Nunca gostou de usar o Braille, e decorava seus textos, ditando até quarenta deles de uma só vez à pessoa que consentisse em escrevê-los. Compôs músicas de grande beleza, mas se recusou a publicá-las. Publicou cinco volumes de poesias. Escreveu o libretto (texto da música) de um oratório.

Uma vez, questionada como podia escrever tantos hinos, Fanny comentou:

Que alguns dos meus hinos foram ditados pelo Espírito Santo não tenho nenhuma dúvida; e que outros foram o resultado de profunda meditação, sei que é verdade; mas que o poeta tenha o direito de reclamar mérito especial para ele mesmo é certamente presunção. Sinto que há um poço de inspiração do qual podemos tirar os tragos efervescentes que são tão essenciais à boa poesia. (….) Às vezes o hino vem a mim por estrofes, e precisa somente ser escrito, mas nunca peço que uma porção de um poema seja escrita até que o poema todo esteja completo. Então geralmente preciso podar e revisar muito. Algumas poesias, é verdade, vêm completas, mas a maioria, não. (….) Nunca começo um hino sem primeiro pedir meu bom Senhor para ser minha inspiração no trabalho que estou a começar.8 

Fanny Crosby, que ministrou e continua a ministrar ao mundo todo com suas mensagens que “tocam o coração”, poucos dias antes da sua morte, numa visita de obreiros falou estas palavras muito significativas:

Creio que a maior bênção que o Criador me proporcionou foi quando permitiu que a minha visão externa fosse fechada. Consagrou-me para a obra para a qual me fez. Nunca conheci o que é enxergar, e por isso não posso compreender a minha perda. Mas tive sonhos maravilhosos. Tenho visto os mais lindos olhos, os mais belos rostos e as paisagens mais singulares. A perda da minha visão não foi perda nenhuma para mim.9 

Fanny faleceu em Bridgeport, Estado de Connecticut em 12 de fevereiro de 1915. A pedra da sua sepultura era simples, como pedira: tinha simplesmente as palavras Aunt Fanny – she did what she could. (“Tia Fanny, – Ela fez o que pôde”).10 Em 1955, um grande monumento foi erigido sobre o seu túmulo homenageando esta serva de Deus e incluindo a primeira estrofe de Que segurança! Sou de Jesus!.

O HCC, mais de 100 anos depois de serem escritos, inclui mais onze dos maravilhosos textos de Fanny Crosby nos números 277, 301, 346, 347, 361, 373, 392, 395, 417, 484 e 547.

O compositor e publicador William Howard Doane, um dos parceiros mais bem sucedidos de Fanny, musicou esta letra e publicou o hino na sua coletânea Brightest and best (O mais brilhante e o melhor) em 1875. O ilustre hinólogo W.J. Reynolds (ver HCC 262) acha estranho que o hino não tivesse sido incluído logo nas seis coletâneas de Gospel hymns (Hinos gospel – ver HCC 112) publicadas por Bliss e Sankey nos Estados Unidos, porque Sankey o introduziu nas suas campanhas evangelísticas com Moody na Inglaterra em 1873-1874 e incluiu-o nas suas coletâneas publicadas naquele país, os Sacred songs and solos (Cânticos e solos sacros – coletânea que continua a ser publicada até hoje). Por isso, o hino não era bem conhecido nos Estados Unidos até que a equipe de Billy Graham o trouxesse das suas campanhas na Inglaterra em 1954. Assim, este hino favorito dos crentes brasileiros foi redescoberto na América do Norte, tornou-se muito amado e aparece em muitos hinários mais recentes.

O nome da melodia, TO GOD BE THE GLORY, corresponde ao título original do hino, bem traduzido para o português, A Deus demos glória.

Este hino foi primorosamente traduzido pelo pastor Joseph Jones em 1887 e entrou nos hinários evangélicos mais antigos no Brasil.

Joseph Jones (1848-1927) nasceu em Portugal, filho de ingleses. É considerado o verdadeiro fundador do trabalho batista no País de Gales. Em 1857, aos 23 anos, converteu-se por meio do testemunho de membros duma família batista. Foi batizado em Londres por J.H. Spurgeon, irmão do famoso Charles H. Spurgeon, no Tabernacle Temple. Retornou a Portugal, onde iniciou atividades evangelísticas. Apesar da perseguição, Jones abriu uma Casa de Oração no subúrbio de Bonsucesso, na Ilha Mastro, perto do local onde mais tarde seria construído o Tabernáculo Batista.

Em setembro de 1888, Jones batizou os primeiros convertidos na cidade do Porto, e organizou uma Igreja Batista Independente. Tornou-se pastor da pequena congregação. Após 25 anos de trabalho no mesmo local na Ilha Mastro (1888-1903), a igreja mudou-se para o local em que viria a funcionar o Seminário Batista Português.

Em 1912, em setembro, a congregagação independente de Jones uniu-se com a Primeira Igreja Batista Portuguesa, organizada na cidade do Porto quatro anos antes pelo pioneiro Zacarias C. Taylor, missionário no Brasil. Joseph Jones continuou sendo membro ativo, diácono e conselheiro daquela igreja. Contribuiu com mais da metade do montante necessário para a construção do Tabernáculo Batista. Em 18 de novembro de 1920, organizou-se a Convenção Batista Portuguesa, com Jones como seu primeiro presidente.

Joseph Jones enriqueceu a hinódia evangélica da língua portuguesa, escrevendo vários hinos, a maioria sendo adaptações de textos do inglês, principalmente dos hinos de Fanny Crosby. Oito destas adaptações apareceram no Cantor cristão, 36ª edição. No Hinário para o culto cristão, além desta, há sua adaptação de outro hino predileto do povo batista, As novas do evangelho, no número 299. Ao tempo da morte de Jones, em 19 de julho de 1927, o missionário dos brasileiros em Portugal, Dr. Antônio Maurício era seu pastor.

1. BACH, Johann Sebastian. Em: OSBECK, Kenneth W. Amazing grace, Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1990. p.357.

2. OSBECK. Ibid.

3. JACKSON, Samuel Trevena. Fanny Crosby’s story of ninety-four years. New York: Revell, 1915. p.33. Em: RUFFIN, Bernard, Fanny Crosby, Philadelphia, PA: United Church Press, 1976. p.28.

4. CROSBY, Fanny J. Em: ICHTER, Bill H. Se os hinos falassem. v.I, Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista (JUERP), s/d, p.38.

5. CROSBY, Fanny J. Memories of eighty years. Boston: James H. Earle, 1906. p.95. Em: RUFFIN. Op. cit. p.68.

6. CROSBY, Fanny J. Fanny Crosby’s life story, by herself. New York: Everywhere Publishine Co., 1903. p.114. Em: RUFFIN. Ibid., p.89.

7. RUFFIN. Ibid.

8. LOVELAND, John. Blessed assurance: the life and hymns of Fanny J. Crosby, Mashville, TN: Broadman Press, 1978. p.125.

9. RUFFIN. Op. cit., p.236.

10. Ibid.

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