HCC 091 – Noite de paz! Noite de amor!
História
91. Noite de paz! Noite de amor!
Este hino talvez seja, em sua simplicidade, o maior dos cânticos de Natal,1 de acordo com Henriqueta Rosa Fernandes Braga, no seu livro Cânticos de Natal. Surgiu numa pequena vila perdida nas montanhas alpinas. Na véspera do Natal de 1818, o recém-chegado padre da aldeia trabalhava à mesa. Lá fora a quietude noturna reinava e os raios da lua revelavam a beleza dos picos montanhosos envoltos em neve. O Padre Joseph Mohr meditava sobre o primeiro natal. As palavras do versículo “Hoje vos nasceu….o Salvador” (Lucas 2.11) inspiraram-no a escrever os versos que alcançariam fama e chegariam até nós: “Stille nacht! Heilege nacht!” (Noite calma! Noite santa!). Na manhã seguinte correu à casa do organista da igreja, o mestre-escola Franz Xaver Gruber. Movido pelas singelas palavras, Gruber se pôs a compor a melodia que tão bem se ajustou ao espírito da letra. “Este hino canta por si mesmo. Vamos usá-lo na igreja, hoje à noite”, declarou o compositor. “Prepararei o coro de meninos para me ajudar a apresentá-lo!” E assim foi. Como o órgão da igreja estivesse estragado, Mohr acompanhou o hino ao violão. O povo recebeu o hino com lágrimas de alegria. Quando Mohr repetiu o hino, no ano seguinte, desta vez acompanhando-o ao órgão recém consertado, Carlos Mauracher, um fabricante de órgãos, apreciou-o tanto que desejou levar uma cópia para sua aldeia natal. Dali seguiu caminho, vila por vila, até que fosse publicado pela primeira vez no Leipziger gesangbuch (Hinário de Leipzig) em 1838. Desde então, universalmente traduzido e cantado, atravessando continentes e denominações, veio a ser o hino de Natal mais conhecido do mundo
O autor, Joseph Mohr (1792-1848), padre austríaco, ordenado em 1815, de inteligência viva e de muito amor pela música, sonhava correr o mundo interpretando as lindas composições que o cativavam como corista. Seu superior se opunha a essa idéia e o mandou a Oberndorf, pequena vila alpina onde, aos 26 anos, “iria escrever o hino que haveria de imortalizá-lo”.2 Serviu em várias paróquias da Áustria, falecendo aos 56 anos.
O compositor Franz Xaver Gruber (1787-1863), também austríaco, era filho de um tecelão de linho e destinado pelo pai à mesma profissão. Franz, entretanto, que revelava muito talento musical, conseguiu aprender a ler, escrever e tocar violino e órgão em segredo. Quando o professor e organista local adoeceu subitamente, pediu a Franz que o substituísse, e o menino de doze anos subiu ao órgão e tocou de cor todos os números do programa. Com a continuação desta demonstração do seu talento incomum, o pai consentiu que tomasse aulas regulares de música e adquirisse o necessário preparo. Diplomou-se e tornou-se mestre-escola e organista de Arnsdorf. Em 1816, transferindo-se para Obernsdorf, travou amizade com o padre Joseph Mohr que se dedicava à poesia. Desta parceria surgiu o hino Stille nacht! Heilege nacht! Gruber foi chefe de numerosa família. Teve doze filhos, quatro dos quais se dedicaram à música. Gruber, que compôs mais de 90 músicas, continuou no seu serviço de professor e organista até sua morte em Halleim, perto de Salzburgo, na Áustria, em 1863.
STILLE NACHT, o nome da melodia, vem do seu título em alemão. O manuscrito mais antigo existente da melodia é de 1833, um arranjo que o compositor fez para coro, orquestra e órgão.
Silent night, a tradução para o inglês em uso geral, foi feito por John Freeman Young, bispo episcopal do Estado da Flórida (EUA). Apareceu pela primeira vez no hinário The sunday-school service and tune nook (O livro de culto e melodia para a Escola Dominical), em 1863. A versão de Young foi traduzida para o português pelo missionário-hinista William Edwin Entzminger.
William Entzminger nasceu em Blythwood, Carolina do Sul, EUA, em 25 de dezembro de 1859, justamente no Natal! Seu pai, fazendeiro, era de ascendência holandesa. William foi muito estudioso e inteligente, tornando-se dono de uma cultura invulgar.
Entzminger converteu-se aos doze anos de idade. Recebeu o grau de Bacharel em Ciências e Letras pela Universidade Furman do seu estado. Doutorou-se em Teologia no Seminário Teológico Batista do Sul, em Louisville, Estado de Kentucky.
Em 1891, ao ouvir um missionário que trabalhava na China, Entzminger decidiu dedicar-se a missões. Deus o guiou ao Brasil por meio da leitura do folheto A terra do Cruzeiro do Sul, escrito por W.C. Taylor. O ano de 1891 foi muito importante na vida de Entzminger. Naquele ano apresentou-se à Junta de Richmond, para ajudar os casais Bagby e Z.C. Taylor. Em abril, casou-se com Maggie Grace Griffeth, filha de um pastor batista, e em julho o jovem casal partiu para o Brasil no navio Valência, juntamente com mais dois casais de missionários, chegando a Salvador em 11 de agosto.
Entzminger e Grace nunca tiveram boa saúde durante seus muitos anos de serviço no Brasil. Sofreram de febre amarela e malária em Salvador. Por isso, deixando Salvador, foram para o Recife, onde ele trabalhou com Salomão Ginsburg, fundando igrejas. Sofreram, também, com a perda dos seus dois filhos, William Edwin Junior e Margaret. Depois de sete anos, quando já havia sete igrejas com o total de quinhentos membros, nas províncias do Recife, Alagoas e Rio Grande do Norte, mudaram-se, por causa da saúde de Grace, para Nova Friburgo, RJ, onde fixaram residência enquanto Entzminger trabalhava no Rio de Janeiro. Naquele estado, Entzminger ajudou na organização das igrejas de Niterói, Méier e Engenho de Dentro (hoje 2a Igreja Batista do Rio de Janeiro).
Entzminger nunca deixou de estudar o português. Gostava de ler os clássicos portugueses. Quando, além de refletir o seu profundo conhecimento da Palavra de Deus e de ser um homem de oração, revelou-se excelente polemista, foi apontado como a pessoa idônea para ser redator do jornal denominacional que os líderes desejavam fundar. Assim foi. Falando a respeito do primeiro número de O Jornal Baptista, Theodoro Teixeira disse: “A Entzminger cabe a parte do leão”3 dos lauréis. Ele também foi o primeiro diretor da Casa Editora Baptista, hoje JUERP. Por sua dedicação e esforço passou de Editora para Publicadora e superou muitas dificuldades sérias que podiam tê-la afundado.
Diversos livros de Entzminger, como Haverá Bíblias falsas?, deram uma contribuição marcante ao crescimento da obra de Deus no Brasil.
No ano de 1920, quando o casal foi de férias aos Estados Unidos, piorou a saúde de Grace Entzminger, e ela faleceu. Sua lealdade à chamada tornou possível a permanência de Entzminger no Brasil. Quando a mudança do clima não trouxe melhora para sua saúde, e seu marido decidira pedir demissão para poder levá-la aos Estados Unidos, Grace, que apesar da saúde tinha trabalhado fervorosamente na formação e crescimento da União Feminina Missionária, decidiu
“não abandonar o seu posto de serviço, custasse o que custasse”.4
Foi um dos muitos entre os primeiros missionários no Brasil que deram suas vidas para levar o evangelho a esta querida e grande nação.
O Dr. Entzminger casou-se, em 1922, com Amélia Joyce, viúva de T.C. Joyce, missionário independente que trabalhou na Bahia.
Publicou, em 1919, com enormes dificuldades, o primeiro hinário com música dos batistas, Lyra cristã. Poeta inspirado, o Cantor cristão contém 72 letras e traduções suas. Muitas das edições do CC saíram por causa do seu esforço fiel e eficaz. Por onde andava, nos cultos, podia se ouvir “aquela voz forte e vibrante, cantando hinos”.5 Entzminger morreu em Petrópolis, em 18 de janeiro, 1930, depois de 39 anos de serviço, tendo sofrido muito para levar o evangelho à sua Pátria adotiva, inclusive até o mal de Hansen do qual o Senhor o curou milagrosamente. Este destacado servo de Deus ajudou a “moldar e amadurecer”6 o pensamento dos batistas brasileiros. O pr. Manuel Avelino de Souza falou de Entzminger:
“Com ele aprendi muitas lições preciosas; sua paciência e perseverança; seu amor e dedicação à mocidade; sua humildade (….) sua lealdade, seu amor cristão, tudo me inspirava”.7
O Hinário para o culto cristão inclui 21 das letras e traduções de Entzminger, o “segundo maior escritor de hinos entre os missionários pioneiros ao Brasil”.8
1. BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Cânticos de Natal, Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1947. p.52.
2. Ibid.
3. ICHTER, Bill H. Vultos da música evangélica no Brasil, 1ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1967. p.77.
4. CRABTREE, A.R. História dos Batistas do Brasil, 1ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista (JUERP), 1962.
5. ICHTER. Op. cit., p.79.
6. PAULA, Isidoro Lessa de. Early hymnody in brazilian baptist churches: its sources and development, D.M.A Dissertation. Fort Worth, TX: Southwestern Baptist Theological Seminary, 1985. p.36.
7. ICHTER. Op. cit. p.78.
8. PAULA. Op.cit., p.33.