HCC 072 – Mil línguas eu quisera ter
História
72. Mil línguas eu quisera ter
Charles Wesley escreveu este hino celebrando o primeiro aniversário da sua conversão, em 1739. O hino original de 18 estrofes, intitulado Para o aniversário da conversão, tinha como primeira linha “Glória a Deus, e louvor, e amor”. Apareceu pela primeira vez no seu hinário Hymns and sacred poems (Hinos e poemas sacros) em 1740. A sétima estrofe (que se tornou a primeira) é a que começa: “Mil línguas eu quisera ter”. Esta frase foi baseada nas palavras do missionário moraviano Peter Bohler (um instrumento de Deus na conversão de Charles e João Wesley): “Se eu tivesse mil línguas, o louvaria (a Jesus) com todas.” Evidentemente, Bohler tinha em mente as primeiras linhas de um hino de Johann Mentzer, do hinário moraviano.
O dass ich tausend Zungen hätte
Und einen tausendfachen Mund:
So stimmt’ ich damit in die Wette
Vom allerteifsten Herzengrund
Ein’ Loblied nach dem andern an,
Von dem, was Gott an mir getan!
[Oh, que eu tivesse mil línguase uma boca de mil possibilidades
entoaria, em competição com o
mais profundo do coração,
um hino de louvor após outro
daquilo que Deus fez por mim.]3
Foi R. Conyers quem transformou a sétima estrofe em primeira no hinário Psalms and hymns (Salmos e hinos), de 1767. João Wesley também adotou esta forma e desde então o hino permaneceu assim. É um dos hinos ingleses mais cantados. A versão no Hinário para o culto cristão inclui as estrofes 1, 2, 3 e 6 das estrofes preservadas no The Methodist hymnal (O hinário Metodista) de 1932.
Charles Wesley, o décimo oitavo filho do casal pr. Samuel Wesley e sua extraordinária esposa Susanna, nasceu em Epworth, condado de Lincolnshire, Inglaterra, em 18 de dezembro de 1707. Prematuro, ninguém pensava que ele sobreviveria. Recebeu uma aprimorada educação cristã e secular no seu próprio lar. Estudou na Escola Westminster e formou-se pela Universidade de Oxford, onde fundou, juntamente com o seu irmão, João, o “Clube santo”, um grupo chamado “Metodista” por outros.
Depois da sua ordenação na Igreja Anglicana, Charles acompanhou seu irmão João numa viagem à colônia inglesa na Geórgia, na América do Norte. Esta viagem deu aos irmãos seu primeiro contato com os moravianos, o que mudaria as suas vidas. Chegaram em Savannah em fevereiro de 1736. O desejo dos irmãos era de levar o evangelho aos índios da colônia, desejo que foi completamente frustrado pela liderança. João, entretanto, conseguiu “compilar e imprimir em Charleston, em 1737, o primeiro livro de hinos (em contraste com os salmos) na América do Norte, A collection of psalms and hymns (Uma coleção de salmos e hinos)”.4
Mas Charles,
“forçado a ser o secretário de Oglethorpe, o fundador da colônia, teve ‘o seu próprio inferno’: atiraram nele, foi caluniado, todos se afastaram dele, esteve doente”.5
Depois de poucos meses, Charles voltou a Londres, sentindo-se totalmente derrotado. Lá os irmãos fizeram novo contato com os moravianos e, num domingo, 20 de maio de 1738, Charles experimentou a sua conversão espiritual.
“Terça-feira de manhã,” diz ele, “despertei sob a proteção de Cristo e entreguei-me de corpo e alma a ele”.6
Naquele mesmo dia, escreveu seu primeiro hino, as primícias dos milhares que viriam. No dia seguinte, João também fez sua decisão.
Os dois começaram imediatamente a pregar sua nova fé: salvação somente pela fé em Cristo Jesus, e não pelos sacramentos da igreja, ou por justiça própria. Nos anos seguintes os dois alcançaram “a grande massa dos humildes em toda a Inglaterra”.7
Os irmãos Wesley suportaram incontáveis perseguições dos líderes das igrejas, das autoridades civis, e até do povo a quem procuravam alcançar. Com a disciplina severa e o treinamento espiritual que seus pais Susannah e Samuel Wesley lhes deram, enfrentaram todos esses momentos com lealdade à Palavra de Deus. Nenhuma dificuldade pôde apagar o seu ardor, e aos poucos a mensagem dos irmãos Wesley, tão apaixonadamente proclamada em pregação e tão docemente entoada em canto, começou a penetrar no “Vale dos pântanos” em que vivia o povo humilde. Muitas vidas foram transformadas e começou uma grande mudança naquela sociedade. É correto dizer que os irmãos Wesley ajudaram a mudar a história do seu país e assim, a história do mundo.
Charles Wesley escreveu cerca de 8.989 hinos, além de centenas de poemas. Para ele escrever era tão natural como respirar.
“O Dr. Frank Baker calcula que Wesley escreveu uma média de 10 linhas por dia durante cinqüenta anos! Completava uma poesia (ainda existente), em cada dois dias”.8
O hinólogo Robert McCutchan escreveu sobre ele:
Como Schubert, com seu instinto melódico, cada pensamento que chegava à mente de Charles Wesley parecia gerado em forma poética. Ele não era somente o “doce cantor” do Metodismo; porém, mais do que qualquer outra pessoa, teve sucesso em apresentar religião e experiências religiosas em forma lírica. Foi John Julian, a maior autoridade sobre a hinódia inglesa, quem disse: “Charles Wesley foi, talvez, tomando em consideração tanto quantidade como qualidade, o maior hinista de todos os tempos”.9
A mente de Charles Wesley estava encharcada pelas Escrituras. O mais alto elogio que João deu aos hinos de Charles era que seus hinos eram bíblicos. Seus versos são comparados a
“uma esponja enorme, cheia, ao ponto de saturação com palavras bíblicas, símiles bíblicos, metáforas bíblicas, histórias bíblicas, temas bíblicos”.10
Os hinos de Charles Wesley formam em si uma biblioteca teológica sobre a verdade cristã. Isto foi de valor incalculável, numa época em que o povo vivia na mais densa ignorância. A massa analfabeta decorava os hinos dos Wesleys, de até 18 estrofes, e foi salva e edificada. Nas igrejas metodistas que se formaram, os hinos de Charles formavam a maior parte do seu repertório de hinos. Entre eles, os irmãos escreveram 13 volumes, de 400 páginas cada, cheios de hinos impressos em tipo pequeno e pouco espaço; noventa por cento dos hinos originais eram de Charles.
Wesley abordava em seus hinos toda a escala da experiência humana desde o berço até o sepulcro. É interessante saber que Charles não só escreveu sobre as crianças, mas, também, para as crianças. É lamentável, mas estes hinos não obtiveram êxito.
“Também os hinos de Wesley trataram de todos os aspectos concebíveis da experiência devocional cristã e podem ser chamados os progenitores do gospel song moderno.”11
(Ver HCC 112 sobre o gospel hymn)
Hinos evangelísticos, no sentido moderno, foram um produto secundário do “Grande despertamento” do séc.18. O ensino do teólogo holandês Jacob Arminius (1560-1609) e a sua aplicação na pregação dos irmãos Wesley, que o indivíduo pode dizer “sim” ou “não” ao Senhor que os chama, levou Charles a escrever hinos de apelo.
A qualidade mais destacada nos hinos de Charles Wesley está expressa na palavra “vida”. Não buscava inspiração num jardim florido mas no meio da multidão sofrida, na vivência de cada dia. Uma pessoa que tem vivência pode falar do amor. Wesley o cantou milhares de vezes, teve sede e fome dele (“Oh, concede-me amor, caso contrário, morrerei”).12
Muitos hinos de Charles Wesley, que faleceu em 1788, estão em hinários ao redor do mundo até hoje, traduzidos para centenas de línguas. Os hinários evangélicos no Brasil preservam alguns deles. O Hinário para o culto cristão inclui, além deste, quatro outros excelentes hinos dele nos números 87, 96, 223 e 334, além da estrofe 3 do HCC 135.
Robert Hawkey Moreton, operoso missionário metodista wesleyano em Portugal, traduziu estas estrofes em 1914. (Ver seus dados biográficos no HCC 14).
A melodia AZMON apareceu anonimamente na coletânea Modern psalmist (O salmista moderno), de Lowell Mason, em 1839. Carl Gotthelf Gläser foi um dos compositores que Mason visitou numa viagem em que visitava destacados músicos europeus em busca de músicas. Visto que numa coletânea em 1859, Mason atribuiu esta melodia a “C.G.”, e que o nome “Glaser, 1780” consta na lista dos contribuintes àquela coletânea, crê-se que Carl Gotthelf Gläser é o seu compositor.
Gläser, nascido em Weissenfels, na Alemanha em 4 de maio de 1784, depois de estudar com seu pai, formou-se na Escola São Tomás, em Leipzig. Estudou violino com o mestre italiano Campagnole. Gläser tornou-se professor de piano e violino em Barmen. Regente coral muito conhecido, compôs e publicou muita música para coro.
O inimitável Ralph Manuel, missionário e compositor, fez a harmonização desta melodia para o Hinário para o culto cristão em 1989 (Ver dados de Manuel no HCC 23).
1. BETT, Henry. The hymns of methodism. London: The Epworth Press, 1956. p.95.
2. MENTZER, Johann. O dass ich tausend. Em: Neue glaubensharfe, gesangbuch der deutschen Baptisten – gemeinden. Cleveland, OH: Verlag des Publikations – Dereins der Deutschen Baptisten, 1916. n.3.
3. ALLEBRANDT, Odilo Alfredo. Tradução inédita do hino O Dass ich tausend, a pedido da autora em maio de 1992.
4. JOY, James Richard. O despertamento religioso de João Wesley. Trad. GODINHO, Carlos A., 2ª ed. São Paulo: Junta Geral de Educação da Igreja Metodista do Brasil, 1963. p.67.
5. TOWNSEND, Jim. The forgotten Wesley, Christian History, v.X. n.3, Issue 31, Des Moines, IA, 1991. p.7.
6. JOY. Op. cit., p. 81.
7. KEITH, Edmond D. Hinódia cristã, 1ª ed. Trad. OLIVER, Bennie May. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista (JUERP), 1962. p.105.
8. Townsend, Jim.Did you know? Unusual facts about hymns and hymn writers in the eighteenth century, Christian History, Op. cit., p.1.
9. MCCUTCHAN, Robert Guy. Our hymnody, 2ª ed., Nashville, TN: Abingdon Press, 1937. p.49.
10. DUDLEY-SMITH, Timothy. Why Wesley still dominates our hymnbook, Christian History, Op. cit. p.11.
11. HUSTAD, Donald P. Jubilate! church music in the evangelical tradition. Carol stream, IL: Hope Publishing Company, 1981. p.127.
12. OSBORNE. La aurora, 1:76, Em: NINDE, Eduardo S. Diesinueve siglos de canto cristiano. Buenos Aires, 1948. p.156.