HCC 040 – As tuas mãos dirigem meu destino

História

40. As tuas mãos dirigem meu destino

Depois de dezoito anos de alegre serviço na “Terra do Cruzeiro do Sul”, a autora deste comovente hino, chamada a “Mãe da Hinódia Brasileira” Sarah Poulton Kalley, podia dizer com firmeza:

As tuas mãos dirigem meu destino;

Ó Deus de amor, é bom que seja assim.

São teus os meus poderes, minha vida.

Em tudo, eterno Pai, dispõe de mim.

Embora não tenhamos os dados exatos sobre como o hino surgiu em 1873, cremos que ele se baseia no Salmo 31.14-15. “Mas eu confio em ti, ó Senhor; e digo: Tu és o meu Deus. Os meus dias estão nas tuas mãos“.

Nascida em 1825, na Inglaterra, em lar de destaque cultural e político, Sarah Poulton Morely recebeu aprimorada educação e cultivou seus dotes artísticos, claramente revelados mais tarde na poesia e na pintura. Estudou várias línguas, entre as quais hebraico, grego, alemão e francês.

Sarah conheceu o Dr. Robert Reid Kalley em março de 1852, quando ambos faziam viagens à Palestina. Veio a casar-se com ele em dezembro do mesmo ano. O Dr. Kalley trabalhara como missionário médico na Ilha da Madeira. “Abrira escolas e mantivera um hospital durante oito anos, de 1838 a 1846.1 

Foi o primeiro médico a cuidar dos pobres. Tanto cuidou deles sem remuneração, como convidou a seus filhos a estudarem nas suas escolas sem pagar matrícula. “Uma onda de gratidão ao ‘bom doutor ‘o santo inglês’, espalhou-se pela Ilha.2 Muitas pessoas tornaram-se crentes em Jesus e reuniam para louvá-lo e aprender dele. Isso trouxe terrível perseguição pelo clero. O Dr. Kalley, e muitos crentes foram presos: o missionário por 6 meses. Ali foi enterrada sua primeira esposa. No esquentamento destas ferrenhas perseguições, cercaram o seu consultório. Planejavam matar o Doutor. Com o auxílio de crentes fiéis, o Dr. Kalley conseguiu sair somente com a roupa do corpo, e subir à bordo de um navio que Deus colocou no porto! O intrépido servo de Deus concluiu que seria impossível voltar para trabalhar na Ilha. “O Lobo da Escócia”, como fora chamado pelas autoridades católicas da Ilha, viajou então para o Brasil com D. Sarah. Ao saírem do porto Southampton para o Brasil no dia 8 de abril de 1855, o Dr. Roberto escreveu no seu diário:

Deixar as Ilhas Britânicas seria insuportável se não fosse pelo sentir que fosse para levar as palavras de paz de Deus para as criaturas rebeldes, e com a esperança de ver fruto eterno dos nossos trabalhos e das nossas dificuldades. Vale a pena o nosso trabalho e o nosso sofrer. Vale a pena gastar as nossas vidas para alcançar este alvo.3

O casal chegou aqui em maio de 1855. Seguiu-se o primeiro trabalho evangélico duradouro entre os brasileiros, estabelecendo-se na cidade serrana de Petrópolis, RJ. Logo D. Sarah organizou o primeiro trabalho de Escola Bíblica Dominical entre os brasileiros, para o qual começou a produzir hinos e cânticos em português.

O casal Kalley fundou a Igreja Evangélica Fluminense na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 1858. Foram firmes, desde o começo, sobre a ira de Deus sobre a escravatura. Os cultos sempre incluíam qualquer pessoa, sem distinção. O Dr. Kalley pregava com bastante coragem contra esse mal. Houve um debate na igreja sobre a possibilidade de um possuidor de escravos ser membro da igreja. O Dr. Kalley foi tácito. Citando Romanos 8.15, 16 e outras passagens mostrou como um homem possuir outro, quanto menos lhe tratar com menos do que amor ao irmão, era totalmente contra as Escrituras.4 Desta maneira o casal foi modelo para outros missionários e outras missões que começaram seu trabalho no Brasil durante o período da escravidão e depois.

Uma das maiores contribuições que o casal Kalley fez para a marcha do evangelho no Brasil foi na área de hinódia. Henriqueta (Rosinha) Braga, a maior historiadora de música sacra evangélica no Brasil, falou eloqüentemente sobre esse aspecto do ministério desse admirável casal:

O casal foi, na divina Providência, o verdadeiro baluarte da hinologia evangélica brasileira. Para isto, achavam-se os dois magnificamente preparados: eram, antes de tudo, cristãos consagrados; além disso, possuíam fina educação aliada a sólida cultura e a notáveis dons artísticos. Ambos escreveram hinos originais [metrificaram Salmos] e traduziram inspirados cânticos. (Dos cento e oitenta e dois números hoje (1961) se encontram em Salmos e hinos, com a letra K, cento e sessenta foram produzidos por D. Sara e, treze pelo Dr. Kalley).5

“A coleção Psalmos e hymnos, organizada pelo casal (….) [com 50 salmos e hinos] foi usada pela primeira vez no domingo 17 de novembro de 1861″,6 

seis anos depois de sua chegada ao Brasil!! Esta coleção foi a “primeira coletânea de hinos evangélicos em português organizada no Brasil” Sucederam-se novas edições, ano após ano. D. Sarah lançou Música sacra, editada em 1868, na realidade a primeira edição de Psalmos e hinos com músicas sacras.

Não tendo filhos, o casal Kalley adotou uma filha, Sia, e um filho, João Gomes da Rocha, que, mais tarde, tornou-se colaborador com D. Sarah na obra hinológica que o casal começara.

Depois de 21 anos árduos e frutíferos no Brasil, o casal Kalley voltou à Escócia, mantendo, de lá, a sua influência e seu apoio ao trabalho aqui no Brasil.

D. Sarah publicou a segunda edição de Psalmos e hinos com músicas sacras em 1889. Recebeu, na ausência do Dr. Kalley, que falecera em 1888, a ajuda valiosa do Dr. João Gomes da Rocha, organizador de edições subseqüentes. Foi necessária que estas edições fossem impressas na Escócia ou em Portugal, sempre adicionando novas traduções e hinos originais. Como o casal havia custeado todas as edições até a morte do Dr. Kalley, assim continuaram a D Sarah e o Dr. João Gomes de Rocha. Ao todo, laboriosamente prepararam e publicaram estas edições, tanto de letra, como também, as com partituras, como uma parte de sua grande colaboração para que o Evangelho crescesse no amado Brasil. Rocha continuou até sua morte a produzir estas edições que cresciam em número de hinos.(Ver mais dados do Dr. Rocha no HCC 2).

Seria muito difícil exagerar a importância do hinário Salmos e hinos na história da hinódia brasileira. Além de ser o primeiro hinário usado por diversas denominações, incluindo a batista, ao imprimirem outros hinários, um grande número dos hinos do Salmos e hinos foram aproveitados. O Cantor cristão de 1971 ainda incluía perto de trezentos hinos provenientes desse valioso hinário. O Hinário para o culto cristão engloba também um bom número.

 A “Mãe da hinódia brasileira” 7 ainda fez muito mais em prol da obra do Evangelho no Brasil. Levantou fundos para missionários poderem trabalhar nesse país. Foi D. Sarah quem ajudou Salomão Ginsburg (ver HCC 29) a vir para o Brasil em 1890. Custeou “a sua passagem no navio, e parcialmente o seu sustento, enquanto aprendesse a língua – em Portugal, onde foi hospedado com o sr. Fernandes Braga, antepassado de Henriqueta Braga, e no Brasil – e trabalhasse por um ano como missionário independente”. 8

D. Sarah faleceu aos 82 anos de idade, deixando-nos uma herança inegável no campo da hinódia brasileira. Produziu, ao todo, 169 hinos, dos quais treze estão no HCC (ver índice).

David William Hodges compôs esta música originalmente para o hino Em Cristo seja o lar edificado (HCC 598). Por haver sido escolhida outra melodia para aquele hino, Hodges então revisou esta melodia, e o resultado é o que temos agora: texto e melodia num bom casamento, proclamando esta grande verdade. (Ver dados de Hodges no HCC 1). O nome da melodia MEU DESTINO é alusivo ao título da poesia.

1. BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes, Salmos e hinos, sua origem e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Igreja Evangélica Fluminense, 1983, p.23.

2. FORSYTH, W. B.. The wolf from Scotland. Durham, England: Evangelical Press, 1988, p.41.

3. KALLEY, Robert Reid. Em: FORSYTH, Ibid. Part II: Brazil, p.96.

4. Ver FORSYTH. Ibid., p. 158-163.

5. BRAGA, Henriqueta Rosa Fernandes. Música sacra evangélica no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1961. p.125.

6. BRAGA, Salmos…, p.19.

7. Ibid

8. Ver BRAGA. Salmos…, p.54. e GINSBURG, Salomão L. Um judeu errante no Brasil, 2ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista (JUERP), 1970. pp.42,43.

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