HCC 038 – Ó Deus, eterno ajudador

História

38. Ó Deus, eterno ajudador

A letra deste memorável hino

“nos relembra, em linguagem tão solene quanto sublime, o contraste entre a brevidade da existência humana e a eternidade de Deus.”1

É uma paráfrase do Salmo 90 feita em 1714 por Isaac Watts, “Pai da hinódia inglesa”.2 

É considerada por muitos sua paráfrase mais primorosa e, nas palavras do hinólogo inglês F.A. Jones: “Viverá enquanto a Igreja durar”.3 Surgiu em tempo de grandes ameaças para os dissidentes. Os jacobinos conseguiram promessa da rainha Anne de trazer de volta os piores dias da rainha Maria, chamada “A sangüinária” por causa das ferrenhas perseguições de todos que se chamavam protestantes. Temiam dias terríveis. Mas, como o biógrafo de Watts, Thomas Wright escreveu:

“O impossível aconteceu!” A Rainha Anne morreu de repente, e as ameaças dos jacobinos com ela. Foi justamente ‘no meio desses alarmes dramáticos e mudanças [em 1714] que Watts escreveu esse glorioso e excitante hino de triunfo e fé’ (….) e esse hino proclamou que ”somente a graça de Deus rende o homem invencível.” A Inglaterra tem este hino no seu coração. Canta-se em todas as grandes e solenes ocasiões [do país], sejam dias de perigo, ou de bonança.4

O hino foi publicado, em 1719, com nove estrofes, no seu saltério Psalms of David imitated (Salmos de Davi imitados). Do original, o Hinário para o culto cristão inclue estrofes 1, 3, 5 e 9 deste hino universalmente usado.

O que Ambrósio foi para os hinos latinos, Clement Marot para os salmos e hinos franceses e Lutero para os alemães, isto – e mais – foi Watts para os ingleses.5

Isaac Watts nasceu em Southampton, Inglaterra, em 17 de julho de 1674, num lar não-conformista.6 

“É bem possível que uma das suas primeiras recordações fosse a de ser levado nos braços de sua mãe para a prisão onde seu pai, por causa da sua fé, fora encarcerado em três ocasiões diferentes”.7 

Reconhecendo que seu filho era de saúde delicada mas precoce, o pai começou a ensinar-lhe latim aos 4 anos. Aos 8 ou 9 começou a estudar grego, aos 11, francês e aos 13, hebraico. Aos quatorze anos, de acordo com Watts, ele “teve uma convicção considerável do pecado” e no ano seguinte foi, “ensinado a confiar em Cristo”.8

Cedo Watts revelou sinais de gênio poético. Desde seus sete anos, alegrava a família com suas rimas. Aos dezoito anos Watts queixou-se dos versos malfeitos do saltério usado por sua igreja e foi desafiado: “Então faça uma coisa melhor!”9 Watts aceitou o desafio! O seu primeiro hino foi cantado no domingo seguinte.

O hino de Watts teve uma recepção favorável. O jovem poeta foi encorajado a escrever outros, e dentro de dois anos produziu quase todos os 210 hinos que formaram sua famosa coletânea Hymns and spiritual songs (Hinos e cânticos espirituais), publicada em 1707, e seguindo o exemplo dos seus precursores Wither, Barton, Mason e Keach: deu ao povo um hinário (em contraste com os saltérios comumente usados). Seus hinos baseavam-se estritamente nas Escrituras, mui especialmente no Novo Testamento. Quando Watts publicou os Salmos de Davi em 1719, declarou que transformara o saltério

“na linguagem do Novo Testamento, e o adaptara ao estado e ao culto do cristão”10 

Watts recusou uma oferta de uma educação universitária, porque isso exigiria deixar a sua igreja e ingressar na Igreja Anglicana. Escolheu, em vez disto, preparar-se para o ministério numa notável academia dos Independentes. Foi ordenado e convidado a ser assistente e depois pastor duma igreja congregacional em Londres. Quando sua saúde precária forçou-o a deixar este ministério em 1712, Sir Thomas Abney, amigo íntimo e admirador, o convidou para passar o tempo em recuperação na sua casa. A sua saúde não melhorou, antes piorou. Então aquela família insistiu que ele ficasse. Watts tornou-se tutor e capelão da família, e ali residiu até a sua morte.

Isaac Watts, além de pastor e poeta, era aluno brilhante de teologia e filosofia. Produziu cerca de sessenta volumes sobre vários assuntos. Seus ensaios, afirmando a doutrina da Trindade foram importantíssimos num tempo quando algumas heresias como Arianismo influenciavam alguns dos Dissidentes. Lideres como Hervey, entre os evangélicos da Igreja Anglicana, João e Charles Wesley, da ala crescente dos Metodistas, (HCC 72) e acharam imprescindível estudar os escritos de Watts e visitar o sábio quando possível. Acharam nele um irmão sempre pronto a falar, não das suas diferenças, mas dos fundamentos da fé em que eles todos se baseavam.

A maior parte dos seus seiscentos hinos e paráfrases dos Salmos foi publicada em três das suas coletâneas: Hora lyricai (1706) e as duas mencionadas anteriormente. Recebeu doutorados (honoris causa) pelas universidades de Edimburgo e Aberdeen, ambas na Escócia.

Watts nunca se casou, mas amava profundamente as crianças e dedicou um hinário inteiro a elas (ver HCC 48). Algumas das suas poesias para crianças estão entre as mais famosas da língua inglesa. Seu hinário Hinos sacros e morais mostrava que “Watts, como a maior parte dos homens simpáticos, possuía o dom de humor”. Este sábio sabia usá-lo para instruir as crianças duma maneira muito agradável.

Watts, brilhante erudito morreu em 25 de novembro de 1748, e foi enterrado em Londres, perto da sepultura de João Bunyan. Dele foi testificado:

“Poucos homens deixaram tanta pureza de caráter, ou tais monumentos de piedade laboriosa”.11 

Um monumento foi colocado à sua memória na Abadia de Westminster, a maior honra que um inglês pode receber. Ali, numa tabuleta, o hinista é representado com caneta na mão, escrevendo à mesa. Acima dele está um anjo, falando-lhe palavras de inspiração. Hoje, 250 anos depois, não há uma terra onde se louva a Deus cujos hinários não incluam alguns dos seus inesquecíveis hinos.

O Hinário para o culto cristão inclui mais cinco maravilhosos hinos de Watts: números 48, 106, 127, 190 e 197.

A melodia ST. ANNE apareceu anonimamente pela primeira vez em 1708, na sexta edição do histórico Saltério de Tate e Brady, mas foi atribuída com bastante firmeza a William Croft em saltérios subseqüentes. O nome da melodia homenageia a igreja onde Croft foi organista. A sua frase inicial aparece em várias obras sacras do século 18, inclusive as de Handel e Bach. Desde a edição de 1861 de Hymns ancient and modern (Hinos antigos e modernos), esta melodia é universalmente associada a esta letra de Watts.

William Croft (1678-1727) serviu como corista do eminente compositor John Blow na Capela Real de St. James. A partir de 1700, serviu sucessivamente como organista na Igreja St. Anne, na Capela Real e na Abadia de Westminster. Embora tenha composto música para o teatro, dedicou-se realmente à música sacra. Croft é conhecido principalmente por suas melodias para os Salmos, mas calcula-se que Handel tenha usado sua música para coro como modelo para seu próprio estilo. De fato, Phillips, no seu livro, The singing church (A igreja que canta), refere-se às obras corais de Croft como as melhores do período, em que se manifesta a fusão convincente da restauração aos novos estilos, com

“uma qualidade imaginativa de um tipo mais alto do que aquele (….) que mais tarde seria chamada estilo Handeliano”.12

João Wilson Faustini traduziu este hino em 1957 motivado pela necessidade de hinos fáceis para serem usados em aulas de regência coral oferecidas por ele em cursos especiais. Publicou-o pela primeira vez em julho de 1958 no volume I de Os céus proclamam. A Subcomissão de Textos do HCC usou as estrofes 1, 3, e 4 da sua tradução, alterando a 4a estrofe em alguns pontos.

Werner Kaschel traduziu a 2a estrofe deste hino em 1989, como componente da Subcomissão de Textos do HCC.

Werner Kaschel nasceu em Campinas, São Paulo, a 4 de abril de 1922. Converteu-se em 1930 na Primeira Igreja Batista de Campinas, sob o ministério do pr. Paul C. Porter. Foi batizado em dezembro de 1934, sentindo no mesmo ano a chamada para o ministério. O Dr. Werner bacharelou-se em teologia no Seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil, Campinas, em 1944. Fez o mestrado no Seminário Batista do Sudoeste (Southwestern), Fort Worth, Texas, EUA, em 1949, e o doutorado em Filosofia, no Seminário Batista do Sul (Southern), em Louisville, Kentucky, EUA, em 1971.

Kaschel foi pastor da atual Primeira Igreja Batista de Americana, SP (1943-1944), Central do Rio de Janeiro (1945-1946), Bom Retiro, RJ (1952-1960) e Casa Verde, SP (1963-1966). Foi diretor do Departamento de Treinamento da Junta de Escolas Dominicais e Mocidade, atual JUERP, de 1948 a 1957, e serviu seis vezes como primeiro secretário da Convenção Batista Brasileira.

Apreciado como educador, o Dr. Werner exerceu seu ministério com grande êxito nesta área desde 1946. Até 1960, serviu como professor e deão do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rio de Janeiro. Foi diretor do Colégio Batista Brasileiro em São Paulo de 1961 a 1967. Ensinou na Faculdade Teológica Batista de São Paulo a partir de 1961 e foi escolhido em 1972 para dirigí-la, servindo com afinco até 1989. No âmbito nacional, liderou, como presidente, a Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE) e Associação Brasileira de Instituições Batistas de Ensino Teológico (ABIBET).

Como homem da denominação, Kaschel prestou relevantes serviços à causa do Mestre no Brasil e no exterior desde a sua juventude, em liderança de juntas, organizações, campanhas estaduais, nacionais e internacionais.

As contribuições literárias do Dr. Werner enriquecem o meio evangélico. Ora escrevendo, ora dirigindo, ora traduzindo. A lista é longa, mas talvez a maior obra seja sua participação na Comissão de tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil. Esta comissão, trabalhando durante vinte e um anos estudando os textos nas línguas originais, produziu uma versão da Bíblia em linguagem popular, que pode ser entendida pelo povo e merece a admiração da família cristã, pela alta qualidade da tradução produzida.

A contribuição do Dr. Werner para a hinódia brasileira é rica e extensa. Desde a juventude, escreveu e traduziu hinos para muitas ocasiões, enriquecendo o corpo da hinódia brasileira em grande escala. Em reconhecimento disto, em 1989 recebeu o Prêmio “Arthur Lakschevitz”, da Associação dos Músicos Batistas do Brasil (AMBB).

O valor do seu trabalho como membro da Subcomissão de Textos do HCC é inestimável. Da sua lavra há dez letras originais, além de três em parceria e duas estrofes avulsas. Também dele são dezesseis traduções completas, mais três estrofes avulsas. Estas representam uma pequena parte da sua fiel colaboração no Hinário para o culto cristão.

O casal Dr. Werner Kaschel e D. Dirce Folster Rodrigues Kaschel, merece destaque entre todos os batistas brasileiros por sua longa e produtiva folha de serviço.

1. RYDEN, E. E. The story of christian hymnody. Rock Island, IL: Augustana Press, 1959. p.271.

2. KEITH, Edmund E. Hinódia cristã. Trad. Bennie May Oliver, Joan Larie Sutton e Vera Liana Nachtigall. Ruy Wanderley, autor do capítulo, A hinódia brasileira, 2ª edição revista e atualizada, Rio de Janeiro: JUERP, 1987. p.71.

3, JONES, Francis Arthur. Famous hymns and their authors. 2ª ed. London: Hodder and Stoughton, 1903. p.78.

4. WRIGHT, Thomas. The life of Isaac Watts. V.III, The lives of the british hymn-writers. London: C.J. Farncombe & Sons, Ltd., 1914. p.121.

5. HORDER, The hymn lover, p. 96. Em: JEWETT, Paul King. The doctrine of the church: worship, song, annotated hymnal, bulletin, systematic theology T32, Pasadina, CA: Fuller Theological Seminary, 1951. p.12.

6. Na Inglaterra, visto que a Igreja Anglicana era a igreja oficial do Estado, todas as igrejas ou congregações não anglicanas foram chamadas não conformistas, dissidentes, independentes etc. Também chamadas “capelas” e não igrejas, onde congregavam foram, de certa maneira, desprezadas pela Igreja do Estado. Em geral, embora tivesse uma ala evangélica na Igreja Anglicana, eram mais evangélicas ainda. Não recebiam sustento do Estado. Sustentavam-se a si mesmas.

7. KEITH. Op. cit., p.71.

8. JEWETT, Op. cit., p.12.

9. JONES. Op. cit., p.78.

10. RYDEN. Op cit., p.270.

11. JEWETT, Op. cit., p.12.

12. HUTCHINGS, Arthur ed. The singing church, Hamdem, CT, Archon Books, 1969. p.186.

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