“Gospel Songs” – Notas Históricas

Em 1619 um navio holandês desembarcou 20 nativos africanos em Jamestown, Virginia, que foram rapidamente comprados; isto foi o começo do comércio de escravos africanos nas colônias da Inglaterra situadas na América. Para suprir este negócio da África foram raptados milhões de homens, mulheres e crianças. Apesar da escravidão, aí nasceu a música folclórica que a América contribuiu para a cultura musical do mundo.

Durante os séculos 18, 19 e 20, escritores e jornalistas a ela se referiram como “negro spirituals”. Desde o início do século 21, como “gospel tradicional”. Paul Oliver e Noël Balen em seus livros “Gospel, Blues and Jazz” (New Grove Dictionary, 1980), e “Histoire du Negro Spiritual et du Gospel”, 2001, estudaram separadamente “Spirituals” e “Gospel”. Ficou assinalado o fato de que no final do século 19 o canto “Gospel” começou a substituir o “Spiritual”, mesmo sem defini-los.

Há quatro tipos de “gospel”:

1) o de culto, executado por solistas e coros, nas igrejas protestantes e evangélicas locais, usando composições de Thomas Andrew Dorsey e seus discípulos;

2) o de entretenimento, desde a década de 30, considerado tradicional pelos próprios compositores e executantes, nos lares, nas escolas e outras instituições da comunidade, com obras de Mahalia Jackson, Doris Akers, Mattie Moss Clark, Doroty Norwood, Richard Smallwood, Donald Vails e Walter Hawkins;

3) o de concerto, apresentado por conjuntos profissionais, para fins culturais, formados por cantores com vozes muito bem dotadas, experiência na arte cênica e técnica coral bem desenvolvida;

4) o de espetáculo, exibido nas emissoras de televisão e  de rádio, nos “shows”, nas gravações de áudio e vídeo e nas concentrações evangelísticas.

Entretanto, assim como existe “gospel” tradicional, no comércio de partituras também podemos encontrar “spiritual” tradicional.

A moda dos quartetos masculinos nas universidades interpretando “spirituals” e “gospel” foi passada às igrejas.

O “gospel” foi a última forma de música afro-americana a ser absorvida pela música popular. Num misto de nostalgia artística e identidade étnica os afro-americanos procuram preservar os vários tipos de “gospel”.

Desde 1902, numerosos grupos passaram a gravar em discos “Spirituals” e “Gospel Songs”; os discos que marcaram os temas principais dos “Spirituals” continham textos tirados do Antigo Testamento, enquanto as “Gospel Songs” tratam do Novo Testamento ou dos problemas religiosos atuais.

Os autores das letras dos “Spirituals” são desconhecidos. Os “Spirituals” têm uma feição sóbria; as “Gospel Songs” são ritmadas.

Na história da fonografia musical negra figuram Louis Armstrong e Mahalia Jackson.

Atualmente, entende-se que o “gospel” tradicional é a música produzida no Sul dos EUA, principalmente pelos descendentes dos imigrantes africanos (afro-americanos) e executada preferencialmente pelos coros, quartetos vocais e cantores de igrejas protestantes e evangélicas, com membrezia negra ou branca, imitando, desde a década de 30 do século 20, o estilo de canto da contralto negra Mahalia Jackson (1911-1972).

Thomas Dorsey foi o primeiro a engajar-se no trabalho de levar o “Spiritual” para o ambiente profano. Ele fundou um coro exclusivamente para a execução de “Gospel Songs”, sob o patrocínio da Igreja Batista “Ebenezer”, de Chicago. Na época, compôs o célebre “Take My Hand, Precious Lord”, convidou Mahalia Jackson e Clara Ward, e incentivou a criação de quartetos masculinos nas igrejas.

O coro da Memorial Baptist Church (Igreja Memorial Batista), no bairro do Harlem, em New York, ficou conhecido por sua execução de canções religiosas de negros.

A “gospel song” (canção evangelística) do estilo tradicional é cultivada por seu conteúdo fortemente influenciado por textos bíblicos, que dão às interpretações um sentido e uma atmosfera bastante espiritualizada. Tem sido muito usada pela igreja, de orientação pentecostal, “Church of God in Christ”-  (COGIC) – (Igreja de Deus em Cristo). Essa igreja teve como seu expoente musical Andrae Crouch (1943-2015), que procurou seduzir os pentecostais brancos e os batistas negros. Esse compositor negro, altamente considerado nos ambientes profanos e religiosos da América, pôde ingressar em vários hinários protestantes e evangélicos.

Em certas igrejas, depois de cultivarem o “Spiritual”, passaram a cantar “Gospel Songs”. Até cantores de música popular profana abriram espaço em seus concertos para o “Spiritual” (canto religioso tradicional) e o “Gospel” (canto religioso moderno).

Os músicos do “gospel tradicional” prestigiam o hino “Amazing grace” (Preciosa a graça de Jesus – Hinário para o Culto Cristão-314), escrito em 1779 por John Newton, um ex-escravagista convertido.

Sob o estilo de Mahalia Jackson, desde a década de 30 as mais importantes cantoras de “gospel” têm sido Doris Akers (1923-1995), Vernon Oliver Price (1929-    ), Albertina Walker (1929-2010), Dorothy Norwood (1935-    ) e Babbie Mason (1955-    ). É importante assinalar a participação feminina.

A “Gospel Song”, desde 1930, tem tido alguma influência sobre a música e a hinodia evangélica no Brasil.

Muito recentemente, vimos e ouvimos o desempenho dessas cantoras, por meio de um DVD produzido em 1994 por Bill Gaither, somente lançado em 2016, em seu estúdio de Alexandria, Indiana (USA), com a participação de 30 pioneiros.

“Old ship of Zion”, um “negro spiritual” dos meados do século 19 (época da Guerra Civil americana), foi cantado nesse encontro de pioneiros.

Se a mensagem dos “Spirituals” é suportar as provações desta vida, a das “Gospel Songs” é mais otimista. A canção “gospel” deu alento aos manifestantes do movimento pelos direitos civis dos americanos.

No encontro Vernon Oliver Price liderou um coro alegre no canto de “Highway to Heaven” e “Yes, God is real”, que focalizam as pessoas de Deus Pai e Deus Filho. Albertina Walker expressou seu propósito espiritual: construir um edifício que não atenda só a interesse material, nas canções “Lord, keep me day by day” e “I shall wear a crown”. Dorothy Norwood, dialogando com o coro, faz alusão à luta popular pelos direitos civis, em “The wicked shall cease”. Doris Akers tem uma conversa tranquila e intimista com o Espírito Santo na famosa canção “Sweet, sweet Spirit”, que escreveu num intervalo do ensaio do coro. Novo diálogo, desta vez com Babbie Mason, em “That’s enough”, para confirmar que podemos esperar em Deus em nossas necessidades.

Edwin Hawkins dominou as paradas de sucesso no rádio norte-americano com a canção “Oh, happy day”.

A canção “Vem guiar-me” ( “Lead me, Jesus”) é um “spiritual” tradicional, arranjado em 1998 por Mark Hayes.

Neste século 21, no Brasil, o “Gospel”, mais do que o “Spiritual”, tem sido adulterado, porque tem servido à mercantilização desenfreada e despropositada.

Bibliografia

  • Blackwell, Lois. The Wings of a Dove. Norfolk: Donning, 1978.
  • Boyer, Horace Clarence. How Sweet the Sound. Elliott and Clark, 1995.
  • Cusic, Don. The Sound of Light. Bowling Green, Ohio: State University Press, 1990.
  • Darden, Robert. People Get Ready. Continuum International Publishing, 2005.
  • Heilbut, Tony. The Gospel Sound. Limelight Editions, 1997.
  • Maultsby, Portia. Afro-American Religious Music, 1981.
  • Rourke, Mary, “Amazing Grace” in America, 1996.
  • Schwerin, Jules. Mahalia Jackson: Queen of Gospel. New York: Oxford University Press, 1992.
  • Spencer, Jon Michael. Protest and Praise, Sacred Music of Black Religion, 1997.

Brasília, DF, em 15 de fevereiro de 2018

Rolando de Nassau.

© 2018 de Rolando de Nassau – Usado com permissão

Você pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *