Cronologia do Desenvolvimento dos Hinos – [Introdução] – Joaquim Junior
1. INTRODUÇÃO
De acordo com os escritos bíblicos, os cristãos herdaram do Judaísmo o ato de cantar louvores a Deus; especialmente, salmos no Templo hebreu. A Bíblia mostra, no Antigo Testamento, a importância do canto judaico; nos Evangelhos, os louvores do nascimento de Jesus e o canto após a Última Ceia, na celebração da Páscoa judaica; e, nos outros livros do Novo Testamento, o canto da igreja primitiva. Ademais, o início do cristianismo se deu no contexto do Império Romano e, com isso, a música cristã também recebeu influências da cultura grega que havia sido absorvida pelos romanos.
No Antigo Testamento, encontramos diversas referências ao ato de cantar em louvor e adoração a Deus. Além dos vários salmos contidos no livro homônimo, encontramos outras canções separadas, como as de Moisés e Miriã em Êxodo 15. Quanto ao uso da palavra hino, na tradução da Septuaginta, a palavra grega ὕμνος e suas derivações verbais aparecem em alguns textos dos livros de 2 Crônicas, Neemias, Salmos, Provérbios e Isaías; bem como, nos títulos dos Salmos 6, 54 e 55 e na conclusão do Salmo 72. É possível, portanto, concluir que a palavra grega ὕμνος, e sua equivalente em hebraico, era de uso comum entre os judeus na época de Jesus e significava uma canção de louvor e honra a Deus (Julian, 1957, p. 641; Anderson, 2001).
Nos textos bíblicos do Novo Testamento, os evangelistas Mateus e Marcos descrevem que, após a Última Ceia, Jesus e os discípulos cantaram um hino antes de irem para o Monte das Oliveiras. Muitos estudiosos concordam que, muito provavelmente, o hino aqui mencionado não era um hino no sentido distintivo da palavra, mas um salmo. Além disso, ao estudar o ritual judaico para a celebração da Páscoa, sabe-se que o Halel (Salmos 113 a 118) era tipicamente usado nessa liturgia.
O apóstolo Paulo, no entanto, em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16, usa três palavras gregas diferentes para distinguir três tipos de canções de louvor: salmos (ψαλμοῖς), hinos (ὕμνοις) e odes ou canções espirituais (πνευματικαῖς ᾠδαῖς). Ao longo dos séculos, alguns teólogos argumentaram que os três termos se referiam a diferentes tipos de salmos, identificados em hebraico pelas palavras Mizmorim, Tehillim e Shirim (Covenant Protestant Reformed Church). Essa interpretação levou alguns teólogos medievais e protestantes, como no contexto do Calvinismo, a defender a salmodia exclusiva. Porém, muitos outros defenderam e entendem até os dias de hoje que Paulo não está falando apenas dos Salmos, como é o caso do Bispo Beveridge: “por salmos entendo os de composição de Davi; por hinos, os hinos que foram compostos, principalmente de louvor e ação de graças por quem quer que tenha composto; por canções espirituais todos os tipos de canções sobre qualquer assunto espiritual” (Julian, 1957, p. 641).
Ainda sobre Paulo, alguns autores, como Faustini (2018, p. 5), acreditam que vários trechos poéticos de suas cartas poderiam ser trechos de hinos conhecidos dos primeiros cristãos, como em Efésios 5:14, Filipenses 2:6-11, 1 Timóteo 6:15-16 e 2 Timóteo 2:11-13. Além disso, Julian (1957, p. 641) disse que não há como identificar precisamente quais hinos Paulo e Silas cantaram na prisão em Atos 16:25, mas ele defende que dificilmente eram Salmos.
Quanto à igreja cristã primitiva, as observações de Tertuliano e Orígenes indicam que já existiam hinos nos dois primeiros séculos (Apel, 1958, p. 421). Escritores do início do século, como Plínio, que escreveu cartas ao imperador Trajano, Tertuliano e Eusébio, mencionam que “os cristãos da primeira era costumavam se reunir antes do amanhecer e cantar um hino a Cristo como Deus, em turnos, um após o outro” (Julian, 1957, p. 641). Julian também cita Filo de Alexandria, que descreve, em De vita contemplativa, como os ascetas do Egito, em meados do primeiro século, compunham hinos em várias métricas e ritmos em homenagem ao verdadeiro Deus.
Um ótimo resumo do desenvolvimento histórico inicial da hinódia é a nota introdutória que um escriba escreveu na primeira folha de rosto de um hinário do século XI. O manuscrito (Figura 1) faz parte da coleção de Cotton (The British Library), alojada no Museu Britânico, e contém algumas referências já registradas por Isidoro de Sevilha (c.560-636). Segue um trecho da nota traduzida do latim para o português:
Está claro que primeiro Davi, o Profeta, compôs e cantou hinos. Depois os outros profetas e os três jovens quando lançados na fornalha. Eles são agora hinos divinos e há também aqueles compostos pela engenhosidade humana. Hilário, de Poitiers, bispo da Gália, foi o primeiro a florescer no canto de hinos versificados. Depois de quem, Ambrósio, bispo de Milão, é conhecido por ter se destacado nesse tipo de poesia. Quaisquer poemas desse tipo, então, cantados em louvor a Deus são chamados de hinos. Além disso, um hino é daqueles que cantam e louvam, que do grego para o latim é traduzido como ‘Laus’, porque é uma canção de alegria e louvor; mais propriamente, hinos são aqueles que contém o louvor a Deus.
De acordo com esse relato, Julian (1957) destaca que a compreensão era de que um hino deveria ser um louvor a Deus, cantável e métrico. E, de fato, esse foi o entendimento predominante ao longo de toda a história do cristianismo.
Figura 1: Manuscrito com Nota Introdutória sobre o desenvolvimento dos hinos (The British Library).
Joaquim Junior
8 de abril de 2024
Referências:
ANDERSON, W. Ancient Greek. Hymn. Oxford University Press, 20 jan. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1093/gmo/9781561592630.article.13648. Acesso em: 2 jul. 2023.
APEL, W. Gregorian Chant. Bloomington: Indiana University, 1958, p. 34,421-429.
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FAUSTINI, J.W. O Despontar da Hinódia Cristã. 2018. Disponível em: http://www.hinologia.org/o-despontar-da-hinodia-crista-rev-joao-wilson-faustini/. Acesso em: 21 jun. 2023.
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JULIAN, J. A Dictionary of Hymnology: Setting Forth the Origins and History of Christian Hymns of All Ages and Nations. 2. ed. rev. London: John Murray, 1957, p. 457-458,640-641.
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