Como compor hinos – Harold M. Best / Adapt. Rev. João Wilson Faustini

Harold M. Best

Harold M. Best

Para se escrever um bom hino, não basta apenas propor-se a fazê-lo. A composição é parte de um processo extraordinariamente difícil de auto educação na simplicidade musical e na excelência de qualidade. É um processo onde se aprende a descobrir, respeitar e produzir as mais insignificantes notinhas e as mais discretas modificações, que podem fazer uma composição boa tornar-se melhor. Escrever uma boa melodia de hino, ou uma boa melodia qualquer, não quer dizer que se deva rebaixar de uma música mais complexa para uma mais simples. Deve-se entretanto, passar, ou atravessar, de uma coisa boa, para outra coisa boa, permanecendo naquele mesmo nível de qualidade. Embora existam muitos hinos escritos por pessoas desconhecidas, que ficaram célebres só escrevendo hinos, e por terem feito o seu trabalho de maneira correta, talvez até por acaso, não perderemos nada em nos conscientizarmos a respeito de algumas bases importantes sobre as quais a composição de uma boa melodia de hino deve se firmar.

  1. Prepare-se para começar, arranjando um grande cesto de lixo e muitas borrachas para apagar os erros. Escreva muitas, mas muitas melodias. Continua e escrevê-las, modificando-as ou jogando-as fora. Não seja tentado a dizer: “Mas eu tenho curso de música e já fiz conservatório – minha composição deve ser boa!” Continue a escrever. Aprenda a se submeter e a se humilhar à limitação e à frugalidade das melodias de doze e dezesseis compassos. Você não poderá “cozinhar o galo” (se demorar) numa cadência aqui, ou “brincar de esconde-esconde” numa inversão retrógada ali. Não há tempo para nada, a não ser para uma simples e clara exposição do canto. Aprenda a escrever como se estivesse num momento de necessidade e fome, de maneira clara e direta.
  2. Embora estejamos vivendo a riqueza e o encanto de todos os doze tons do século XX, a “magreza” diatônica ainda é necessária para se escrever uma boa melodia, e provavelmente sempre o será. Não se esqueça de que qualquer modo ou escala diatônica usará até sete dos doze tons que estão à nossa disposição. O cromaticismo, portanto, torna-se um adjunto – os cinco tons restantes serão usados somente se servirem ao propósito diatônico. Este não quer dizer que nossa música será antiquada. Significa que estamos apontando um problema básico para se fazer uma composição que seja boa.
  3. A antiga regra de não ultrapassar a extensão de uma oitava ainda subsiste. Acima de tudo, isto disciplina o compositor. Mais importante ainda, facilita o canto! Além disso, não temos prova nenhuma de que os coristas e a congregação estão melhorando a sua habilidade de cantar intervalos difíceis. Para muita gente, o horário da Escola Dominical ou culto matutino, aquele às 19 ou 20 horas no domingo ou na quarta-feira, é a única chance que têm de erguer a voz para cantar! Certifique-se de que não abrirá exceções para a regra da oitava. Algumas melodias de fato a ultrapassam, a seu próprio risco, e isto porque a arte da melodia e seu magnetismo próprio entusiasmam o mais tímido cantor a alçar a voz um pouquinho mais alto que o normal. Quando você compuser, você logo descobrirá se aquela nota aguda realmente vale a pena. Não deixe que isto sirva de desculpa para manter o interessante da melodia, ou mesmo alcançar um clímax. Há muitas melodias excelentes, que não possuem um ponto alto geográfico. Entretanto, todas as boas melodias tem pontos altos musicais, apesar da maneira como foram escritas. Isto por si só teria assunto para outra discussão.
  4. Dada a ênfase que se dá hoje à universalidade da Igreja e à variedade ou a ausência de meio de acompanhamentos, procure escrever melodias baseadas em cânones. Desta maneira, as harmonias são aprendidas mais rapidamente. A gente quase que se sente como parte do processo de composição das mesmas.
  5. Da mesma maneira, procure aperfeiçoar as mudanças de harmonia, para que não sejam muito rápidas. Isto ajudará os acompanhantes de menor habilidade, principalmente o grande número dos que tocam violão. Esta tarefa será árdua e criativa, pois mudará a estratégia harmônica de uma mudança de acorde para aquela de intensidade estrutural. É surpreendente como muitas melodias de grandes hinos sobrevivem de simples meios harmônicos! Sua estratégia está no estudo cuidadoso da colocação ou encadeamento dos acordes, e não na exposição fantasiosa de muitos acordes diferentes. Além disso, isso exige muito cuidado na composição da melodia, pois não haverá “um acorde bacana” para suprir as deficiências da harmonia. As melhores melodias podem perfeitamente ser cantadas sem acompanhamento. Isto porque elas produzem uma espécie de harmonia linear, e uma textura que pode funcionar como acompanhamento.
  6. Pode parecer que as melodias ficam incompletas se não tiverem síncopes ou contratempos. Elas são esperadas na música contemporânea, mas geralmente podem tornar os hinos vulgares e não acrescentam nada que sirva para vitalizar ou transformar o estilo das melodias. Elas são apenas outro exemplo da tentativa superficial da Igreja em busca de relevância. São como mandar cromar um velho carro para modernizá-lo. O resultado é decepcionante. Ao contrário, o verdadeiro interesse rítmico em qualquer tipo de música, é um interesse intrínseco e generalizado. Não é uma coisa que aparece aqui ou ali no mapa da melodia. Não é como um “remédio” ali colocado. Interesse rítmico pode-se ver em todo o lugar: na altura das notas, no encadeamento harmônico, no espaçamento e colocação dos acordes. O ritmo deve ser um fenômeno orgânico, nascido com a melodia, e não um aditivo barato. Procure fazer suas melodias essencialmente interessantes e atraentes, e não superficiais e cheias de socos e saltos. Não que eu seja contra acompanhá-las com os pés. Eu sou contra a presunção de que as melodias que não levam os ouvintes a acompanhá-las com os pés não possuem ritmo! Isso não é verdade. Não existe realmente música sem ritmo.
  7. Há uma outra tendência que eu acho que deveria ser desencorajada. É a de se escrever acompanhamentos muito elaborados e difíceis. Embora esses acompanhamentos mostrem a habilidade do compositor, eles
  • fixam a maneira em que os hinos serão cantados daí por diante;
  • desencorajam acompanhamentos variados e improvisados, especialmente os mais simples;
  • limitam aqueles que possuem menos estudo ou não tenham recursos instrumentais de reproduzir o acompanhamento escrito;
  • fazem do hino um “concerto”, sem o polimento e preparo que um concerto exige.

Quando você escreves um hino, apegue-se às coisas básicas. Forneça uma espécie de gráfico dos acordes para os violonistas. Dê-lhes uma textura sólida de quatro vozes, escritas, ou canonicamente implícitas, ou ambas, nas quais haja muita liberdade de execução. Como muitos coros usam hinários e hinos avulsos do mesmo estilo, mantenha a textura do hino o tempo todo, ao invés de usar a pseudo-técnica sofisticada de uma textura livre, como a que se acha em muitas publicações recentes, pois isto confunde os cantores. Dê uma chance aos coros menos treinados, de transformar um hino bom em “hino especial”, em vez de forçá-los a adquirir música barata (tecnicamente falando), porque os hinos que você e outros estão escrevendo e publicando, não lhes servem.

Em resumo, devemos lutar pela simplicidade e por um dinamismo básico. A boa qualidade ficará demonstrada pela facilidade com que se cantará a melodia. Uma boa melodia deve fazer o compositor suar, e nunca a congregação, ao cantá-la! Note por exemplo, algumas das grandes melodias: Hyfrydol (HE 349, SHn 534-PtI) possui uma elegância reservada; Aberystwyth (SH Seg. n.º 582, SHn 169-3ª) um vigor incomum; Nettleton (CC 132, SHn 224), verdadeira franqueza rítmica; Divinum Misterium (Seja Louvado 65) leveza e graça. Todas têm uma coisa em comum: excelente simplicidade. Isto não quer dizer “velharia, e nem significa que todas as possibilidades já foram esgotadas. Sempre há lugar para aqueles que querem pagar o preço do cuidado e capricho para fazerem de um simples hino uma obra de arte!

Harold M. Best

Adaptação: Rev. João Wilson Faustini

© 1977 de pelo Hymn Society of America, Whittenberg University, Springfield, Ohio 45501, USA. Transcrito com a autorização de The Hymn, out. 1977

“Publicado originalmente em: Louvor Perene nº 79, Abril, Maior e Junho de 1979”
© 1977 adap. João Wilson Faustini – Usado com permissão

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