Cânticos de Natal – Rolando de Nassau
Especial para “Hinologia Cristã”
“Uma coisa bela é uma alegria para sempre” (John Keats)
Os cânticos de Natal tiveram origem na profanidade da Idade Média e na profanação do canto eclesiástico.
Em sua obra pioneira, Henriqueta Rosa observou que ela, a coletânea, representava “uma gota no oceano imenso da produção erudita e popular ligada ao ciclo do Natal. … Profundos alguns, superficiais outros … Vasados, embora, em moldes nem sempre apreciáveis …”, adiante, ela expõe o fato de que isto exigiu de poetas, tradutores e compositores que costurassem as vestimentas da prosa e da melodia para que se adequassem ao ambiente reverente dos templos.
Uma inovação técnica tinha desvirtuado a natureza litúrgica do canto eclesiástico.
O uso do tropo (na música medieval, era a ampliação de um canto, a inserção de diálogo na liturgia) pretendia enriquecer uma peça austera; o tropo era colocado antes do texto litúrgico. Isto ocorria muito com os cânticos de Natal. Por intermédio do tropo, o Canto Gregoriano abriu caminho para a canção popular e os trovadores. Essa fecundidade na produção foi fatal para o Canto Gregoriano; para aumentar sua extensão, perdeu a qualidade. A aparição da polifonia deu mais um golpe no cantochão; o declínio tinha começado no século 9 (ver: HuotPleuroux, Paul. Histoire de la Musique Religieuse. Paris: Presses Universitaires de France, 1957).
O Canto Gregoriano achou sua contrapartida arquitetônica nos templos do período românico (séculos 10 a 12) (ver: Martindale, Andrew. Gothic Art. London: Thames and Hudson, 1988).
Os trovadores surgiram na França para competir com os religiosos. Os mais antigos cânticos natalinos, anônimos, datam do século 11.
A polifonia, a princípio, preservou a obra de Pérotin, realizada no século 12, no gênero sacro. Pérotin usou “organa”, um tipo primitivo de música polifônica. Entre suas obras, encontramos “Nativitas”; talvez tenha escrito “noëls”.
Mas os italianos (Francisco de Assis, 1182-1226) escreveram hinos não-litúrgicos chamados “Laudi Spirituali”; até Francisco, a música da Igreja era “litúrgica”.
Pierre de Corbeil ( ? – 1222), arcebispo de Sens, procurou elevar o nível literário das letras usadas nas festas religiosas de sua época.
A música dos trovadores (poetas medievais) não era litúrgica; nem mesmo religiosa; era uma música profana que, fora do templo (profana), apesar dos seus defeitos, expressava a fé cristã de alguém.
O trovador Adam de la Halle (1245-1285) foi o autor dos primeiros “noëls” franceses, na forma de “rondet de carole” (ver: Colling, Alfred. Histoire de la Musique Chrétienne. Paris: Fayard, 1956).
No século 13, a cantilena inglesa era aparentada da “lauda” italiana; o “carol” se aproximava da “ballata”.
Na língua latina havia uma “lauda”, intitulada “Dormi, Jesus”, que John Rutter verteu para o inglês. Consta que foi Francisco de Assis que introduziu na Itália o costume de preparar um presépio para a comemoração doméstica do Natal.
Nesse tempo, as letras dos cânticos eram classificadas como “noëls” (França), “carols” (Inglaterra) ou “weihnachtslieder” (Alemanha).
A música mensurada entrou nas catedrais góticas (séculos 13 e 14).(ver: Robertson, Alec. Sacred Music. London: Parrish: 1950).
No período 1240/1350, Paris alcançou a preeminência na França, por causa da sua catedral e da sua música.
As melodias populares, com ritmos fortemente marcados, começaram a entrar na música da Igreja; o canto eclesiástico adotou o ritmo da música popular. A exclusão da música profana não mais poderia ser mantida.
Entretanto, os compositores franceses da “Ars nova”, desde os primórdios do novo estilo polifônico (século 14), compunham motetos isorrítmicos e canções, impróprios para a música na igreja, por serem complexos.
No século 14, na Inglaterra, surgiu o cântico “Tomorrow will be my dancing day”, que seria cantado por Jesus na véspera da noite de Natal (ver: Cahill, Thomas. Mysteries of the Middle Ages. New York: Doubleday, 2006).
A partir do século 15, proliferaram os cânticos de Natal e as composições polifônicas para a liturgia da Igreja (ver: Henriqueta Rosa Fernandes Braga. Cânticos do Natal. Rio de Janeiro: AGIR, 1948; Eric Routley. The English Carol: 1959).
Na França, dois compositores eruditos citaram “noëls” em suas composições: Louis-Claude Daquin (“Noëls para órgão”, 1680) e Marc-Antoine Charpentier (“Missa da Meia-Noite do Natal”, 1690).
A história do “carol” na Inglaterra sofreu os efeitos da Reforma, do Puritanismo e do Evangelicalismo.
No século 15, eram cantados os cânticos “Alleluya”, “There is no rose”, “Lullay, my liking” e “A Babe is born”; no seguinte, “Wassail” e “God rest you, merry Gentlemen”.
Observamos que uma parte dos “carols” tem um fundo religioso e moral, mas a outra parte é profana e materialista, por ser consumista.
No século 17, na Inglaterra, os “carols” foram banidos por Oliver Cromwell, durante o seu governo republicano(1653-1658), voltando às festas comunitárias no reinado de Victoria I (1837-1901).
No decurso do século 18, o “carol” foi substituído pelo hino de Natal; como exemplos, citemos os hinos “O come, all ye faithful”, “Love came down at Christmas”, “Hark! The herald angels sing”, “Away in a manger”, “Once in royal David’s city”, “Quittez, pasteurs” e “The angel Gabriel from heaven came”; estes são encontrados no “The Hymnal”, The Episcopal Church, 1982.
O canto de “carols” nas igrejas foi instituído na Noite de Natal de 1880, em Cornwall (ver: Shaw, Martin. The Oxford Book of Carols. Oxford: University Press, 1964; Miles, Clement. Christmas customs and traditions. New York: Dover, 1976).
Dois hinógrafos ingleses, Isaac Watts (1674-1748) e Charles Wesley (1707-1788) tinham contribuído muito para as festas natalinas com os hinos “Joy to the World!” e “Hark! The herald angels sing”, respectivamente. Isto demonstra que o prestígio de um hinógrafo pode mudar os costumes musicais das igrejas.
I.D.Bent, professor na universidade de Cambridge, afirmou que nos séculos 19 e 20 ocorreu a “ressurreição gótica” do cântico de Natal na Inglaterra.
Atualmente, a associação entre o “carol” e a festa de Natal tornou-se forte, mas não é exclusiva.
Desde 1919, o Coro do King’s College, em sua capela em Cambridge, realiza os seus festivais da noite de Natal, quando são lidos nove textos bíblicos e cantados “carols” por seus 16 coristas (meninos e rapazes) e 14 funcionários do colégio e das igrejas locais, acompanhados pelo órgão-de-tubos (ver: disco LP, “Argo”, SPA-528).
Achei na internet, no canal “YouTube”, um vídeo, intitulado “Carols from King’s – 2015”, gravado na noite de 24 de dezembro de 2015, disponibilizado desde 1º. de outubro de 16 pelo “Collegium Regale”, pelo qual os leitores poderão ouvir muitos dos “carols” comentados neste artigo.
A capela, iniciada em 25 de julho de 1446 pelo rei Henry VI, é uma bela amostra da arquitetura gótica. Nenhuma outra universidade inglesa tem uma capela igual em tamanho e beleza. Logo nas primeiras imagens exibidas pelo vídeo, o espectador ficará impressionado pela beleza dos vitrais, pelos caprichosos desenhos do teto e pela magnificência estrutural da capela, que, para o crítico John Ruskin, “é um exemplo do malabarismo arquitetônico” (ver: Ruskin, John. Las siete lam- paras de la arquitectura. Buenos Aires: El Ateneo, 1956).
Prezado leitor, tenha uma bela audição, que será inesquecível!
Brasília, DF, em 30 de outubro de 2016.
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