A Hinodia nas Linguagens Indígenas – Rolando de Nassau
A Hinódia nas Linguagens Indígenas
(Especial para “Hinologia Cristã”)
Preliminarmente, farei um escorço histórico do tratamento que tem sido aplicado aos povos originários do Brasil.
Rememoremos algumas datas importantes: abril de 1500 – na terra do pau-brasil, logo após o seu descobrimento pelos intrépidos navegadores portugueses no início do século 16, centenas de nativos, em Porto Seguro (BA), ouviram hinos cantados em latim; os colonizadores tentaram fazer amizade com os Índios; durante muito tempo os indígenas resistiram às tentativas de os fazerem escravos;
1557 – foram estabelecidas novas regras de convivência: guerrear os Índios; expulsar os Tupinambás de São Vicente (SP); procurar alianças com os Tupiniquins; converter os Índios;
1558 – Mém de Sá criou uma legislação protetora dos Índios; estes seriam substituídos por africanos, escravizados durante 330 anos (1558-1888);
1578 – amigas e civilizadas (cablocas) casaram-se com portugueses (mamelucos), o que motivou a discriminação racial propiciando novos choques entre colonos e indígenas; Jerônimo de Albuquerque, que era filho de mulher indígena (mulato), tornou-se cavaleiro da corte real portuguesa;
1600 – o índio potiguar Filipe Camarão foi nomeado governador dos Índios da costa do Brasil; os Potiguares, ocupados com as armas, não tinham tempo para as letras; eles participaram também no corte e armazenamento do pau-brasil;
1624 – na gestão do nobre holandês Maurício de Nassau valorizou-se novamente o índio, que foi perseguido por Raposo Tavares; não era considerada imoral a escravização; esta situação durou 286 anos;
1910 – o presidente Nilo Peçanha (que era pardo) nomeou o sertanista Cândido Rondon para chefiar o Serviço de Proteção aos Índios (atual FUNAI); Rondon era descendente de índios;
1939 – Rondon foi nomeado por Getúlio Vargas como primeiro conselheiro membro do Conselho Nacional de Proteção aos Índios.
Os Protestantes e Evangélicos no Brasil têm-se preocupado com a assistência espiritual e material aos índios em 19 tribos.
No fim do século 19, a Missão “Bethesda”, fundada em Manaus (AM) por Mark Carver, entrou em contacto com a tribo Ipurinã-Aruaque.
O evangelista Juvêncio Mello traduziu em 1891 alguns hinos para a língua desses índios, um dos quais foi “Capucanim, Capucanim, Pecica-nú, tericapim” (Jesus, Jesus, dá-me luz” (ver: “Salmos e Hinos” (1959), no. 159, música).
A Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira (CBB), em 1908, por meio do missionário Profeta Aires visitou tribos no Rio Araguaia; em 1923 (são decorridos 100 anos) foi autorizada, através do missionário e hinógrafo Salomão Luiz Ginsburg, a catequizar Índios (Carajás, Javarés e Itapirés) na Ilha do Bananal, paraíso ambiental; em 1925, os Xerentes; Ginsburg planejou a evangelização dos Índios do Amazonas; desde 1926, entre os Craós, próximos de Itacajá (GO), com os missionários Zacarias Campelo, Francisco Colares e Pedrina Nascentes de Azevedo; o hinógrafo Joaquim Lopes Leão escreveu na língua craó: “Papame Ierá, mentua apuquine. Itôi, itaiêquine, crará, vumpé, cuprô” (O Filho de Deus ama os novos. Ama a todos: meninos, homens, moços); em 1926 foram designados os missionários Zacharias Campelo e Francisco Colares (região do Tocantins e norte de Goiás) para contatar os Craós; estes recusavam vestir roupas porque não queriam parecer estrangeiros.
Em 1928 foi iniciado o trabalho da Missão Evangélica Caiuá, com o apoio dos Presbiterianos, Presbiterianos Independentes e Metodistas, para atender os Caiuás e Terenos.
A Cruzada de Evangelização Mundial, uma sociedade missionária interdenominacional, trabalhou entre os Parentins, Tembés, Urubús, Caiapós e Guajujavas, por meio de Leonardo Harris. O missionário Horace Banner (região do Xingú) traduziu dezenas de hinos para as línguas Tupí e Gê (Pará). Banner elaborou um hinário bilíngue (português e caiapó), contendo 50 hinos, que foi apreciado pelo etnólogo Darcy Ribeiro.
Em 1935 havia mais de 3 milhões de índios.
Atualmente (2023), a terra do pau-brasil hospeda 1 milhão de índios.
Em 1940 a Junta de Missões Nacionais (CBB) comunicou ao Serviço de Proteção aos Índios (atual FUNAI) um ataque aos missionários entre os Craós.
Em 1942 os Apinagés (norte de Goiás) receberam as missionárias Marcolina Magalhães, Lídia Falcão e Pedrina Azevedo.
Em 1945, ressurgiu na CBB a ideia da fundação de um orfanato em Itacajá (GO) para servir aos índios órfãos.
Em maio de 1951 o SPI solicitou à JMN que desse licença de três anos para Dodanim Gonçalves trabalhar naquele órgão federal; a Junta não aceitou ter compromisso com o SPI.
Noemí Krá Colares foi a primeira indígena a trabalhar na JMN.
Em agosto de 1952, a Igreja Metodista do Brasil iniciou trabalho missionário entre os Cainguangues e Guaranís no Paraná.
Em 1959 John Boyle e o cantor evangélico Carlos René Egg deram significativa contribuição para a divulgação da hinodia indígena.
Em 1960 havia hinários evangélicos indígenas, que deveriam ser pesquisados, comentados e republicados.
Neste caso, conviria reeditar o hino “Santo, santo, Deus onipotente!” (Santo, santo, santo, Mebabam koikuá kam, a meitira, reun-mó, me anári aben pudjí).
O hino “Sou feliz com Jesus” (HCC-329) foi traduzido para a língua tupí-guaraní-kaiowá.
Raramente, os hinos aqui citados foram acompanhados de melodias indígenas.
Muitos hinos e coros foram traduzidos para o guarani e o tereno, inclusive o célebre hino de Mohr e Gruber, “Noite de paz” (Ara Porã. Ara Porã).
Os Pataxós são cultivadores das artes musicais, pictóricas e coreográficas. Os Tabajaras não contribuíram para a cultura indígena; situados no Ceará, na Paraíba e no Piauí, sempre foram inimigos das outras tribos indígenas; aliaram-se aos colonizadores. Não tenho informações congêneres em relação aos Índios Capivaras (Amazonas) que habitam áreas desmatadas para a mineração de alumínio.
A Missão Indígena UNIEDAS buscou consolidar uma Igreja Protestante Indígena em cada aldeia terena, nas Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil; seus dirigentes se preocupam com o recurso musical.
A musicóloga Henriqueta Rosa Fernandes Braga divulgou a afirmação de Eládio Alfonso de “ser o nosso indígena excepcionalmente dotado para a música”.
Desde 1991 havia conflito entre a JMN/CBB e a FUNAI, que foi sendo atenuado pela atuação do missionário Rinaldo de Mattos.
Em 2000, o alvo da CBB era alcançar 15 tribos: em 2004, a JMN gerenciava missionários em 19 tribos.
Em 2006, o pastor Rinaldo completou a revisão da Gramática Xerente.
Em 2016 índios Terenos (Mato Grosso do Sul) cantaram em igrejas luteranas , no chamado movimento “LUTERENOS”; musicólogos e etno-musicólogos têm estudado o repertório; entre os hinos, “Senhor, meu Deus” (Unâe Jesus), que foi traduzido para a língua terena pelo cacique Elias Nimbú, baseado no “Hinário Luterano” (no. 220).
No culto dominical matutino, em 02 de outubro de 2022, a congregação da Igreja Memorial Batista (Brasília, DF), na presença do pastor Rinaldo (desde 1991 missionário da CBB para os índios Xerentes (em Miracema do Norte e Tocantínia, TO), cantou uma passagem do hino “Vencendo vem Jesus” na língua xerente: “Tô kbure za dat simro, nokwa tê dahos kodi!”.
Recomenda-se a dissertação de mestrado de Helena Lúcia Silveira Barbosa, “A tradução de cantos e narrativas Tupi-guarani (1970-2019)”, aprovada em São Paulo, e o livro clássico de H. R. Fernandes Braga (Música Sacra Evangélica no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1961).
Alguns escritores atribuíram à indolência a exclusão do silvícola do comércio da madeira; sou de opinião que o silvícola, durante centenas de anos na terra do pau-brasil, gozou de total independência individual, por isso não aceitava o predomínio pelo colonizador.
A discriminação contra os Pataxós (15 mil índios que vivem no sul da Bahia (Barra Velha, Coroa Vermelha, Cabrália, Monte Pascoal, Porto Seguro) foi desferida em 1939 (durante a ditadura de Vargas) quando foram obrigados a aprender a língua portuguesa.
O racismo brasileiro tem manifestado seu propósito de eliminar a população não-branca, divulgando o preconceito de que algumas tribos nunca existiram.
Há discriminadores: alegam que colocar os povos originários a cantar hinos escritos por descendentes de colonizadores é “uma insensibilidade”.
Brasília, DF, 29 de janeiro de 2023. – Rolando de Nassau.
Doc.HC-141
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