Frank Martin (1890-1974)

Biografia

Frank Martin (1890-1974)

O Centenário de Frank Martin

Frank Martin

Transcorreu, no dia 15 de setembro, o centenário de nascimento de Frank Martin (1890-1974), um dos maiores músicos suíços de origem (nasceu em Genebra e era calvinista) e influência francesas (Frank e Fauré).

Estão entre as mais importantes obras de música religiosa da igreja reformada suíça, embora não tenham sido designadas para execução durante o culto: “In Terra Pax” (para celebrar o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945; disco “Decca” SXL-6.098); “Golgotha” (oratório passional, 1948; disco “Erato” STU-70.497/8); “Psaumes” (1958); “Le Mystère de la Nativité” (ópera-oratório natalino, 1959); “Pilate” (cantata, 1964) e “Ave Maria-Magnificat-Stabat Mater” (tríptico, 1968).

A partir de 1930, liberou sua linha melódica pelo uso das sucessões de 12 notas, mas sua música frequentemente se apresentava diatônica. Desde 1934 se interessava pelo dodecafonismo vienense, particularmente o de Berg, usando as inovações da tonalidade e do serialismo (ver: Roman Vlad, Modernità e tradizione nella música contemporânea. Turin: 1955). Entre 1938 e 1941, compôs “Le Vin Herbé”, oratório profano, sua obra-chave. Sua evolução artística foi lenta; faltava-lhe instrução musical. A notoriedade europeia de Martin data de 1940, quando chegou aos 50 anos de idade. Viveu na Holanda (1946-1950 e 1956-1968) e na Alemanha Ocidental (1950-1956), tendo lecionado composição em Colônia; entre seus alunos, o notável experimentador Stockhausen.

Classicista, mas admirador de Debussy, dodecafonista, mas afastado de Schoenberg, a originalidade da obra de Martin reside, em parte, em sua atitude frente à técnica dodecafônica. Opondo-se à estética de Schoenberg, realizou a síntese de elementos latinos e germânicos, e da harmonia impressionista com o cromatismo atonal. Sua contribuição foi dar à técnica dodecafônica um significado harmônico funcional. Durante 50 anos ocupou lugar importante na história da música europeia contemporânea (ver: W. Klein, Frank Martin, sein Leben und Werk. Viena: 1960).

Em sua obra para vozes solistas e coro, Frank Martin procurou a relação entre a música e o texto. A prosódia devia estar em relação estreita com as estruturas fonéticas e sintáticas do texto (ver: Frank Martin, Entretiens sur la Musique, avec Jean-Claude Piguet. Neuchâtel: La Baconniére, 1967).

A música de Martin está em relação indireta com o texto, pois ela se liga ao argumento, isto é, a essência da música está na relação semântica da música com o argumento, o sentido do texto, que abrange a concepção de Martin a respeito da música religiosa. Em consequência, Martin adaptava os textos à música, sem profana-los, mas para dar-lhes sentido religioso, conforme a teologia reformada e o gênero essencialmente dramático. Martin procurava “restituir” os fatos de interesse religioso e usava diversos estilos de composição. Antes dele, os compositores de música religiosa utilizavam um estilo determinado (ver: Janet E. Tupper, Stylistic Analysis of Selected Works by Frank Martin. Indiana University, 1964).

Era previsível que, filho de pastor protestante, Martin se realizaria na música sacra, abordando o mais elevado tema: a Paixão de Cristo. O ponto-de-partida foi a “paixão”, segundo o tratamento dado por Johann Sebastian Bach a essa forma de música.

Interrogado sobre os compositores que tinham servido de modelo na elaboração do oratório passional “Gólgota”, Frank Martin respondeu com entusiasmo: “Bach, ontem, hoje e sempre”.

Nada tendo de um avant-gardiste, seu gosto é definido pela pesquisa harmônica. Em sua “Paixão”, a orquestra tem um desempenho brilhante. O crítico musical Harry Halbreich considerou o oratório “Gólgota” “a primeira grande ‘Paixão’ da história da música, depois de Bach”. O oratório, inspirado em Bach, impressiona por sua grandeza e por uma simplificação deliberada da linguagem musical, ditada pela natureza do assunto e pela destinação da obra (Ver: O Jornal Batista, 12.04.81, p. 02).

Na verdade, a notoriedade de Martin restringe-se, ainda hoje, à Europa; ele não tem audiência internacional. O público, nas Américas, especialmente no Brasil, não se interessa senão pelos compositores e intérpretes selecionados e consagrados pela indústria cultural, seja na esfera erudita ou na popular. A imprensa (escrita, falada e televisada), aliada à indústria (editoras e gravadoras), possui o poder de orientar o consumo da música, embora nem sempre tenha a capacidade para julgar a evolução musical, a qualidade das obras novas e as tendências o gosto. Atualmente, os gerentes do mercado musical decidem “promover” determinada música, pois eles têm os meios massificados de impor o gosto e de suscitar a demanda.

Mas vale a pena conferir a obra de Frank Martin….

(Publicado em “O Jornal Batista”, 06.01.91)
Música. N.º 476
© 1991 de Rolando de Nassau – Usado com permissão

“Gólgota”, de Frank Martin
“Especial para Hinologia Cristã”

A primeira grande obra religiosa de Frank Martin (1890-1974), síntese de suas obras anteriores, foi o oratório passional “Gólgota”. Iniciada em 1945, publicada em 1948 e gravada, pela “Erato” (disco elepê STU-70.497/8), em 1968, na catedral medieval de Lausanne (Suíça), quando Martin estava com 78 anos de idade!

Esta obra, mais divulgada pela internet em 2015, pode ser ouvida, agora mesmo, no site snpcultura.org/golgotha_frank_martin.html

“Gólgota” ocupa uma posição privilegiada, porque central no conjunto da obra de Martin.

Na adolescência, Frank ouviu a “Paixão segundo São Mateus”, e ficou profundamente marcado por Bach.

Ele afirmou, em 1946, que “escrever uma “Paixão” depois de Bach deve forçosamente parecer pretensioso. Entretanto, as “Paixões” de Bach expressam, antes de tudo,os sentimentos dos fiéis em face da paixão de Cristo; elas se dirigem aos cristãos convencidos. O meu oratório tenta apresentar o acontecimento, deixando ao ouvinte a oportunidade de tirar a lição. Poderá  ser executado numa igreja, mas não será “música-de-igreja”; seria uma representação, mas não um culto”.

O crítico musical Harry Halbreich considera-o “a primeira grande “Paixão” da história da música, depois de Bach”. (ver: Frank Martin, in Guide de la musique sacrée et chorale profane, pp.556-560. Paris: Fayard, 1993). Alex Ross escreveu que as “Paixões” de Bach frequentemente desencorajaram os compositores modernos de entrar no mesmo terreno, mas Frank Martin ousou em 1949 imitar o mestre barroco, com o oratório passional “Gólgota”, “que respira o mesmo ar de Bach; sua negligência desafia a compreensão” (ver: Alex Ross, “The New Yorker”, 4 abril 2016). O compositor Ernst Ansermet afirmou que a música de Martin é “a expressão de uma fé”.

            O oratório divide-se em duas partes, contendo dez trechos: no. 1 – coro de introdução; no. 2 – “Ramos”; no. 3 – “Discurso no Templo”; no. 4 – “A Santa Ceia”; no. 5 – “Getsêmane”; no. 6 – “Meditação”; no. 7 – “Jesus diante do Sinédrio”; no. 8 – “Jesus diante de Pilatos”; no. 9 – “O Calvário”; no. 10 – “A Ressurreição”.

            Escrito na língua francesa, para solistas (soprano, contralto, tenor, barítono e barítono-baixo), coro misto, orquestra, piano e órgão, é baseado nos evangelhos e nos textos de Santo Agostinho, e inspirado pelo quadro “As três cruzes”, de Rembrandt. Cada episódio dramático, extraído da Bíblia, é se-guido por uma meditação, tirada do teólogo de Hipona. Martin escreveu, à mão, com o maior cuidado, a partitura completa.

            Na introdução, o coro exclama três vezes: “Père! Père! Père!”; lembra “Cristo! Cristo! Cristo!” do início da “Paixão segundo São João”, de Bach. O coro, que representa a multidão (“turba”), desempenha um papel dramático tão importante quanto o de Bach. O cume do oratório é o no. 9, “Calvário”, onde é maior o contraste entre a  Luz e as Trevas. Harry Halbreich co- menta este trecho assim: “segundo as regras da tragédia antiga, à peripécia sucede a catarse. Aqui a inspiração de Martin atinge os cumes mais altos; aqui as “Três cruzes” de Rembrandt encontram sua tradução sonora”. A audição dura 86 minutos.

            Interpretando Rembrandt, Martin acha que “o mundo não podia suportar o clarão da luz de Cristo”. No oratório, concentra toda a luz sobre a pessoa de Cristo; somente dois personagens se apresentam perante Jesus: o Sumo Sacerdote e Pilatos.

            Ouvimos esta obra musical, pela primeira vez, em dezembro de 1980. Ficamos deslumbrados; a simplicidade e concisão, a alternância dos contrastes, as partes corais compostas por Martin e as meditações de Santo Agostinho, a grandeza e a simplificação deliberada da linguagem musical, tudo nos impressionou. Agora, em outubro de 2016, mais uma vez, renovamos as emoções e reflexões suscitadas por Martin.

            Convidamos os ilustres frequentadores deste site a tomarem conhecimento desta obra-prima da música religiosa erudita contemporânea.

Brasília, DF, 15 de outubro de 2016.

Rolando de Nassau.

© 2016 de Rolando de Nassau – Usado com permissão

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2 Resultados

  1. César Sesca disse:

    Onde posso encontrar as partituras musicais dos músicos relacionados neste site ?

    • Administrador HC disse:

      César, em “Hinos e Cânticos”. É um trabalho minucioso, depende de autorizações, então, vamos divulgando aos poucos.

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