Stela Dubois (1905-1987)
Stela Câmara Dubois (1905-1987)
Stela Câmara Dubois: educadora, musicista e poetisa [1]
Stela Câmara Dubois foi uma serva escolhida por Deus, desde antes da fundação do mundo, para Nosso Senhor Jesus Cristo, e especificamente para a nossa época (Efésios 1.4-5). Sua vida, desde a mais tenra idade, foi de completa dedicação ao Nosso Senhor Jesus Cristo, a Quem ela sempre se referia como Amado Mestre. Seu amor a Ele devotado era completamente apaixonado! Que rica vida terrena foi a dela! Cheia do Espírito Santo! Mesmo antes de seu nascimento, o Pai já a havia separado para o serviço sagrado, especialmente na parte de Louvores e Adoração. (Ilma Câmara Barcellos) [2]
Aquela mulher com alma de poesia, música e vida, que olhava o céu e embriagava-se com as cores do amanhecer e do pôr-do-sol, deu força e vida a gerações quase incontável de alunos. (Stela Dubois) [3]
Ilma Câmara Barcellos, sobrinha de Stela, declarou que todos que conviveram com ela foram privilegiados, pois puderam constatar suas qualidades cristãs e sua devoção ao serviço do reino de Deus, estando aptos a testemunhar que ela foi uma das pessoas mais fortes na fé que conheceram em seus dias.
Stela possuía raríssima inteligência e dons espirituais que empregou na pregação das boas novas de Cristo, com força, coragem e abnegação, pois: “Jamais usou os dons que Deus lhe deu para benefício próprio, ou para enaltecer-se, ou para enriquecer. Depositou toda a sua vida, seus dons e seu coração aos pés do Mestre”.[4]
Durante meio século, ela comunicou sua fé através de poesias, músicas, dramatizações e, principalmente, de sua vida. Stela foi mestra querida no Colégio Taylor Egídio, onde não somente instruía, mas dava carinho e amor. E, além de educadora, foi poetisa, escritora e compositora de canções escolares, hinos e cânticos.
Stela Câmara: infância e primeiros estudos
Stela Câmara nasceu no dia 1 de abril de 1905, em Nazaré da Mata, Pernambuco. Foi a primogênita do casal José Paulino Raposo da Câmara, oficial do exército, natural do Rio Grande do Norte e de Emília Galvão da Câmara, de Pernambuco.
O casamento de seus pais foi oficializado pelo missionário Salomão Ginsburg. Ambos possuíam grande talento musical e a música era a nota marcante em seu lar cristão. Sua bela mãe era organista e tinha uma linda voz de soprano, com a qual rendia louvores a Deus. Foi cantando um solo na igreja que atraiu a atenção daquele que seria seu esposo.[5] Seu pai tocara pistão na Banda de Música da Escola Militar de Fortaleza.
O casal teve dezoito filhos, dos quais apenas nove sobreviveram. Oito faleceram entre quatro a oito meses de idade, por problemas comuns naquela época, como desnutrição, diarréia, pneumonia etc. A caçula Célia, morreu aos oito anos de idade após cair de um sofá e sofrer traumatismo craniano.
Os primeiros anos de vida de Stela foram passados em Nazaré, onde seu pai era comerciante. Antes dos cinco anos, ela já sabia ler e bem nova começou a fazer versos. O pai ficava encantado com a filha que herdara os dons musicais da mãe, aprendendo a tocar piano e a cantar. Sobre isso, ela declarou:
Falei da minha mãe, com quem comecei o estudo do solfejo. Tínhamos órgão em casa, como declarei. Depois veio um piano. A chegada do rei dos instrumentos foi uma festa. A primeira professora de piano que tivemos, foi uma amiga de mamãe, D. Léa Alves, que vinha duas tardes por semana, dar aulas aos cinco primeiros filhos: Stela, Eli, Carmen, Alina e Helcias. Os outros eram muito pequenos ainda.[6]
Posteriormente, todos os irmãos estudaram música e possuíam talento musical. Eles formaram um conjunto em seu lar de infância. Carmen e Graciete, duas irmãs de Stela, tornaram-se pianistas afamadas. No lar cristão musical, estabelecido por José e Emilia, o culto doméstico era sagrado. A família reunia-se diariamente para oração, leitura da Bíblia, cânticos de hinos e apresentação musical dos filhos que tocavam para os pais antes de dormirem.
A família cresceu e Stela, com seus oito irmãos: Elizabeth, Carmen, Alina, Helcias, Carlos, Paulo, Graciete e Romualdo, passou uma infância feliz, morando em um sítio na cidade de Recife, com muitas árvores frutíferas, banhos no riacho, brincadeiras e a influência especial da vovó Marocas, [7]primeira convertida da família e baluarte do Evangelho.
Sobre a influência de sua avó em sua conversão, Stela declarou:
Lembro-me ainda da minha avó materna. Eu tinha cinco anos quando ela faleceu. Não me deixaram presenciar a sua morte. Fomos os filhos pequenos, para a casa do pastor Augusto Santiago, da Igreja em Nazaré da Mata. Ela deu um testemunho à hora de partir, despedindo-se de todos, pedindo-lhes que aceitassem o sacrifício do Filho de Deus, pois ela estava subindo para o céu, na Sua Companhia. Pediu para cantarem o hino de sua conversão: “Eu creio, sim, eu creio, Jesus por mim morreu”. E a outra porta se abriu para ela durante o cântico. Estas influências de fé e apego à Palavra de Deus assinalaram a minha vida de tal modo que desejei, por mim mesma, ter a experiência pessoal com o Senhor, aquela que meus pais e minha avó tiveram. E a ocasião veio, aos meus dez anos. Foi uma experiência forte e inabalável, da qual nunca retrocedi, nem mesmo na adolescência, idade perigosa para todas as pessoas. Aceitei a Jesus Cristo com todas as veras da minha alma.[8]
De cinco aos dez anos, a menina morou em Natal, no Rio Grande do Norte, onde estudou no Grupo Escolar Augusto Severo e frequentou a igreja presbiteriana. O pastor era o Rev. Jerônimo Gueiros, professor, escritor e poeta, um dos mais eloquentes oradores do Brasil.
Seu pai, comerciante à época, foi à falência naquela cidade, no período em que era deflagrada a 1ª Guerra Mundial. Recebendo o convite para ser chefe de contabilidade do Colégio Americano Batista em Recife, o aceitou e a família se transferiu para lá.
Em Recife, a menina estudou no Colégio Americano “Agnes Erskine”, para meninas, onde aprendeu a língua inglesa. O curso secundário foi feito no Colégio Americano Batista do Recife e teve como professor o seu pastor em Natal, o Rev. Gueiros, que foi seu grande incentivador e a quem deveu o gosto pela literatura.
Além dos estudos básicos, Stela cursou técnica vocal no Conservatório de Música do Recife, onde se formou com especialização em canto. Lá aprendeu técnica vocal com a professora francesa Vera Janacópulos e harmonia e regência com o diretor e fundador do conservatório, o maestro Ernani Braga. A esposa do maestro D. Eponine Braga, foi sua professora de francês e dicção. Também fez o curso de Ciências Contábeis, o qual concluiu em 1922.
Antes de completar 15 anos, Stela precisou trabalhar para ajudar a família e foi auxiliar da secretaria do Colégio Americano Batista, ao mesmo tempo em que cursava o secundário. Excelente datilógrafa e já tradutora, traduziu textos para o Dr. Muiheard, o diretor do colégio.
Desde jovem começou a fazer composições musicais, nas quais colocava seus próprios versos. Durante a Assembleia Batista de 1926, entregou-se totalmente a Deus e lá conheceu a missionária Rosalee Appleby, com a qual escreveu as seguintes obras: “A vida vitoriosa”; “Ouro, incenso e mirra”; “Melodias na alvorada” e “Asas resplandecentes”.
Foi nessa época que escreveu a maravilhosa biografia de Noêmia Campelo, “A Heroína de Kraonópolis”, e nesse período também acompanhava os estudos de Marcolina Magalhães, ajudando-a e defendendo-a, quando necessário. Marcolina cuidava das meninas internas do Colégio Batista e, inspirada pela vida de Noêmia, seria missionária no sertão nordestino.
Stela Câmara: casamento e chegada em Jaguaquara
Como uma jovem ocupada com estudo, trabalho, música e poesia, Stela quase não tinha tempo para o amor. Até que conheceu o jovem sulista, Carlos Dubois, professor de francês no Colégio Americano Batista, por quem se apaixonou e de quem ficou noiva. O casamento ocorreu em 12 de dezembro de 1934 e a cerimônia religiosa foi oficiada pelo pastor Dr. Munguba Sobrinho. Em 1936, nasceu o primeiro filho do casal: René.
Com suas atividades no Colégio Americano, o casal pensava que permaneceria no Recife. Mas, Deus tinha planos maiores para eles. O missionário White perguntou a Carlos se ele gostaria de conhecer o campo baiano. O jovem se interessou e foi assim que o esposo de Stela conheceu a Toca da Onça, significado de Jaguaquara, cidade do interior da Bahia. Em telegrama à esposa, ele a chamou de “Terra de Canaã”, relatando que a cidadezinha sertaneja tinha clima de uma Suiça brasileira.
Em 07 de dezembro de 1937, o campo baiano recebia o casal Dubois e o filhinho de apenas onze meses. A filha Stela, posteriormente, relatou que:
No dia seguinte minha mãe olhava melhor o que a rodeava: – o pobre casario de interior, a montaria roceira, as ruas enlameadas, tudo muito primitivo. Meu pai a encontrou no muro da frente, chorando. Saudade dos seus? Sua casa em Recife? Seu piano vendido? Quem sabe bem o que tocava seu sentimento! Sempre contou com muito amor, de como o companheiro a animou: – iria continuar compondo, ensinando música, quem sabe fazer teatro no Colégio, ensinar jovens a cantar e declamar, descobrir valores… A Escola haveria de crescer; oficializariam o ginásio, 2º grau, até uma Universidade Rural… aos poucos as lágrimas secaram. Ele já sabia que ali estava uma mulher inteligente e valente, que iria sonhar e realizar com ele; enfrentar o que viesse com a força da vitória de uma serva temente a Deus, escolhida para seus desígnios.[9]
Em 1938, Stela teve uma menina que recebeu seu nome e, depois de quatro anos, outra menina que se chamou Emilie.
Stela Dubois: como esposa de pastor
O escritor Armando Barreto Rosa escreveu a biografia do esposo de Stela Dubois, e em um dos capítulos intitulado “A Coluna de Sustentação”, afirmou que:
Ao lado de Carlos Dubois sempre esteve uma extraordinária mulher e seria absolutamente impossível imaginar este homem construindo a sua obra maravilhosa e realizando os seus magnânimos ideais sem a cumplicidade da Professora Stela Câmara Dubois. Neste livro, pela sua proposta, dona Stela aparece como esposa de prócer, mas que fique bem claro, ela teve brilho próprio, o qual, em nenhum momento, foi ofuscado pela luz de seu marido. Muito pelo contrário, ela foi uma verdadeira coluna de sustentação na vida de Carlos Dubois, Certamente vai aparecer alguém credenciado para escrever a história da vida desta admirável mulher. E Deus permita que esta pessoa não tarde a aparecer. [10]
Acumulando as atividades na igreja e no colégio, ela foi secretária pessoal de seu marido, mestra nas letras não tinha dificuldades para redigir, traduzir francês e inglês, pesquisar e, até mesmo, executar as tarefas mais burocráticas como datilografar e colocar ordem nos documentos e na correspondência.
Os sermões de seu esposo eram sempre datilografados por ela e, para enriquecê-los, traduzia ilustrações e citações, especialmente dos livros e escritos da língua inglesa. Além disso, Stela incentiva, opinava e até mesmo discordava do esposo.
Segue-se o testemunho do filho René sobre a relação respeitosa que existia entre seus pais:
Os seus sermões (do pai Carlos Dubois) eram sempre cuidadosamente elaborados. Frutos de horas de leitura, de prolongados estudos teológicos, feitos muitas vezes em parceria com a sua companheira Stela Câmara Dubois, minha mãe, que o ajudava nas pesquisas e que ficava permanentemente alerta para anotar, no que lia e escutava, subsídios para ilustrações, teses controvertidas que mereciam meditações mais profundas e estudos apurados. Mais de meio século de parceria. Tinham divergências teológicas. Ele, mais conservador, mantinha-se na linha tradicional da Teologia Evangélica Batista. Ela, mais revolucionária, defendia a doutrina da Renovação Espiritual.[11] Neste campo tiveram discussões, algumas das quais tive oportunidade de presenciar. Lamentavelmente esses debates não foram feitos em público e não foram gravados. Os evangélicos, sobretudo as novas gerações, teriam muito a lucrar se pudessem hoje, se aprofundar nos temas do pensar e do sentir de Carlos e Stela Dubois. [12]
Os filhos vivenciaram esse apoio mútuo e trabalho cristão em comum, a filha Stela declarou: “sou testemunha do ânimo forte de minha mãe junto ao trabalho social, educacional e ministerial de meu pai. Sempre pisando juntos num mesmo espírito”.[13]
Esposa de pastor dedicada e trabalhadora incansável na denominação batista, Stela ocupou posições de liderança no trabalho de crianças, intermediários, jovens e sociedade de Senhoras.
Quando me entreguei ao Senhor para o Seu trabalho, não podia adivinhar que Ele me daria um esposo pastor e que eu viria a uma pequena cidade do interior para ser, verdadeiramente, uma comissionada Sua, integrada na Sua causa, pronta para servir. E aqui estou, contente e feliz, continuando a desfraldar como bandeira o lema de nossa vida: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle e Ele tudo fará”. [14]
O Espírito Santo a conduziu, juntamente com o seu amado esposo Carlos Dubois, a Jaguaquara, no Estado da Bahia. Como pastor evangélico e professor, ele foi designado para dirigir o Colégio Taylor-Egídio. Deus os enviou àquela cidade para que realizassem um grande trabalho na área de educação e pregação. Carlos Dubois foi um homem devotado ao ensino da Palavra, e um educador muito amado e admirado por todos. Como ela mesma dizia, ele é “um prêmio de Deus para mim”. Eles fixaram-se ali e naquela localidade formaram sua família.
Stela Câmara Dubois e o Colégio Taylor-Egídio
O Colégio Taylor-Egídio é o mais antigo Colégio Batista do Brasil. Foi fundado em 1898, na cidade de Salvador, pelo missionário Zacarias Clay Taylor e pelo brasileiro, convertido ao evangelho, Coronel Egídio Pereira de Almeida. O colégio funcionou em Salvador até 1921, quando foi transferido para Jaguaquara, pequena cidade do Sudoeste da Bahia, onde o Cel. Egídio foi residir.
A partir de dezembro de 1937, o Pr. Carlos Dubois e a sua esposa Stela desenvolveram o trabalho do colégio e da igreja com entusiasmo e eficiência. Ela ensinou música no Ginásio e Escola Normal e lecionou História da Educação, Filosofia da Educação, História do Brasil, História das Américas, e História Geral.
Ela foi uma historiadora autodidata. Para suas aulas de história pesquisava na obra completa de Césare Cantú e, quando lecionava sobre a Reforma Protestante, usava citações e compêndios de Rui Barbosa. Stela possuía uma boa biblioteca pessoal, com muitos livros em português e muitos outros em outros idiomas, principalmente na língua inglesa.
Não é fácil definir a função que a Professora Stela exercia no Colégio Taylor-Egídio. Talentosa e detentora de uma inteligência fulgurante, em sala de aula formal, ensinava música com paixão, era uma brilhante professora de português e também encantava os alunos com suas aulas de história. Competentíssima, organizadora de atividades extraclasse, a Professora Stela fazia o Colégio Taylor-Egídio cantar, sorrir e sonhar com belíssimos corais e peças teatrais que organizava com seus alunos. Educadora vocacionada, mulher generosa e sensível, sempre estava disponível para dar uma orientação, um conselho ou simplesmente afagar seus alunos. Pelo seu desembaraço, não era raro vê-la no salão nobre fazendo preleções para os estudantes do colégio. [15]
Não somente Stela, mas também seu esposo o diretor e professor Carlos era muito querido dos alunos.
Antes, no orfeão do colégio, nós cantávamos dirigidos por sua magnífica esposa, a maestrina, poetisa, compositora, tradutora, dramaturga e educadora Stela Câmara Dubois. Depois no mesmo espírito ele falava e, como falava! Era um excelente comunicador, no discurso e na conversação. Tinha um sorriso espontâneo, fraterno, comunicativo. Estivesse conversando, escutando, ou gesticulando, ou discursando. [16]
Diariamente eram realizados cultos no colégio, e os cânticos dos hinos junto à inspiração da vida dos diretores, professores e funcionários contribuiriam para a criação de uma atmosfera moral e espiritual que deixaria marcas profundas nas vidas dos alunos. Stela escreveu o hino oficial do Taylor-Egídio, no qual é comparado a um templo do saber, da paz e do amor.
Grande tem sido a influência do colégio na sociedade, fruto da formação moral, social e espiritual de seus alunos, tem como lema: “O temor ao Senhor é o princípio da sabedoria”. A boa direção do casal Dubois sempre foi citada: “Dr. Carlos Dubois, com sua esposa, a brilhante poetisa Stela Câmara Dubois, o dirigiu de 1937 a julho de 1992. Foram mais de 50 anos de lutas renhidas, de sonhos e de vitórias. Foram mais de 50 anos de influências e bênçãos incontáveis”. [17]
Após o falecimento de Carlos Dubois, assumiu a direção do colégio a Profa. Stela Dubois, sua filha, que tem se dedicado com carinho e competência à liderança da instituição.
Foi, portanto em Jaguaquara, uma cidadezinha no interior da Bahia, que o casal Dubois realizou uma grande e maravilhosa obra de educação e pregação por mais de cinqüenta anos. Daquele pequeno lugarejo, muitos alunos saíram e, com a cultura recebida, influenciaram diversos cantos do país, como advogados, jornalistas, deputados, professores, ministros, prefeitos etc.
Stela Cubois e a pesquisa do folclore nordestino
Indagada por uma aluna porque apreciava tanto o folclore, Stela respondeu: “Aprecio muito o folclore porque ele mostra as características do povo: suas tendências artísticas, inteligência inata, sentimento de ternura, gratidão, coragem e domínio próprio”.[18]
Vivendo em Jaquaguara e observando a bondade, o amor e o respeito do povo simples da localidade, interessou-se pela história desse povo e começou a pesquisar o folclore do sul e sudoeste baiano. Sua pesquisa era realizada “in loco”, indo às casas de farinha, até mesmo à noite, quando os “roceiros” faziam seus serões.
Naquela época não existiam gravadores, e ela ouvia as “loas” (músicas populares em louvor a Deus e aos santos), e as cantigas próprias dos trabalhadores. Em seu próprio colo, escrevia em uma pauta as melodias cantadas por eles, letra e música, e trazia para o orfeão do colégio cantar, até mesmo as criancinhas do curso primário as cantavam.
Entre suas peças folclóricas, encontram-se: “Meu boi Marabá”; “Não tenho medo de andá no má”; “Lá vem o só assubino”; “Eu vou amolá meu machado”; “No camin da roça” etc. Ela também adaptava as histórias comuns do povo em peças, crônicas, dramas etc.
A pesquisa folclórica a aproximava muito do povo simples da periferia da cidade e a todas essas pessoas falava sobre o Salvador Jesus Cristo. Stela sempre nutriu um profundo amor por seu povo nordestino de coração simples e sincero para Deus.
Segue-se um exemplo de sua pesquisa sobre o folclore nordestino publicado no Jornal do Comércio:
Um dos folclores exóticos e pouco explorado da Bahia é o da sentinela, ou guarda aos mortos.
Em Jussara, povoado de Pirangi, certo homem falecera devido ao coice de um burro. À hora da sentinela, como é costume, as “tiranas” [19] eram improvisadas em torno do assunto com a mesma toada da reza:
– De que foi que este homem morreu!
A viúva, chorosa, responde também cantando voz fanhosa, de portamentos:
– Não foi da morte de Deu (Deus).
No pasto de Zé Calazans
Meu “irimão”.
De um coice que o burro lhe deu…
E assim vão tirando as rimas, ora dialogadas, ora em coro, todas dentro do assunto do trabalho, da doença, da família, dos pertences do ultimado.[20]
Em outras ocasiões, os próprios alunos eram levados a pesquisar o folclore da região. Nas férias, eles iam às casas de farinha, onde os trabalhadores cantavam enquanto raspavam, peneiravam, mexiam e secavam a mandioca nos grandes fornos das farinheiras, até o processo final da produção da farinha. Eles sempre trabalhavam cantando todos juntos um estribilho e, individualmente, criavam versos.
Um de seus alunos pesquisou em 1935, sobre uma fuzarca [21] no povoado Riacho de Santana, em Bom Jesus da Lapa, por ocasião de uma sentinela (guarda dos mortos), onde as pessoas comiam, bebiam e saltavam por cima do morto, com pulos jocosos, sempre com garrafas de cachaça nas mãos. Os sertanejos também faziam improvisações, como a que segue:
Em outras ocasiões, a sentinela muda a feição para algo burlesco, de festança comum. Um dos compadres observa que a viúva é ainda moça e bonita e improvisa.
– Minha comade, seu marido morreu.
E a senhora vai ficá sozinha…
Se a senhora resolve a se casá, minha comade,
A premera preferença é minha…
Naturalmente como era de esperar, o grupo fica assanhado e a viúva responde, também na toada:
– Meu compade, qui conversa é essa?…
Isso fica entre nós dois
Se eu resolve a me casá, meu compade.
Eu mando li avisá depois…[22]
As pesquisas iam além. Os alunos pesquisavam os adjuntos, homens que trabalhavam e moravam com suas famílias nas fazendas e que eram convocados para limpar os terrenos. Em grandes bandos, grupos de famílias e vizinhos eram convidados pelos fazendeiros (os patrões) para esta empreitada, quando faziam feijoadas que serviam com pinga. Começavam de madrugada e trabalhavam o dia todo, alegremente, cantando sempre. A maioria das vezes o pagamento era a comida com fartura.
Eles pesquisavam também as derrubadas de matas. Os roceiros eram contratados e pagos por dia, mas os adjuntos também trabalhavam, e todos os trabalhos eram movidos com muito canto: “Pa Prantá Mio, Feijão e Argodão”. Stela sempre levou a todos os sertanejos com os quais conviveu, em tempo favorável ou não, a Palavra de Deus.
Stela Dubois e suas composições musicais
A talentosa musicista escrevia música como ninguém. Sentava-se ao piano, e em minutos, sobre uma pauta em branco, de repente, surgiam letra e música, numa composição perfeita, com melodias belíssimas.
Quase todos os dias ela “madrugava”, tirando algum tempo, e quando podia, muito tempo, para ler, meditar, traduzir, compor e escrever louvores ao Criador. De repente, murmurava alguma música, sentava-se ao piano e compunha, ao mesmo tempo, letra e música.
Stela podia ser vista trabalhando incessantemente, tinha tanta agilidade para datilografar seus escritos, que parecia que suas mãos voavam sobre as teclas da máquina de datilografia e todos ficavam impressionados, pois daí a pouco surgiam palestras, crônicas, músicas, poesias, peças teatrais, cantatas etc.
Sua produção musical foi numerosa. Em 1973, quatorze anos antes de sua morte, já havia produzido: 29 peças folclóricas; 43 peças patrióticas, líricas e sociais; 34 hinos sacros; 38 corinhos (cânticos) e 24 poemas cantados.
Stela Dubois como escritora e tradutora
Stela também se destacou na escrita literária, ela escreveu vinte e um dramas, mas nenhum foi publicado. Seus livros publicados foram: “Primícias” e “Ramalhete de Mirra”, poesias; “A heroina de Kraonópolis”, biografia de Noêmia Campelo; “O hoje eterno”, cantata de Natal; “O vento assopra onde quer”, ensaio biográfico de John Wesley; “Corina” e “Lenço-Relíquia”, novelas e “Amor, beleza máxima da vida”, biografia de D. Rosalee M. Appleby.
Ninguém foi mais capacitada, em sua época, para realizar as traduções dos escritos sagrados do inglês para a língua portuguesa do que ela. Stela traduziu livros de D. Frances Roberts: “Vinde amados meus” e “Viagem do outro cristão”, e uma cantata de Eugene L. Clark: “Uma história ainda não contada”.
No prefácio do seu livro “O vento assopra onde quer”, Enéas Tognini escreveu: “D. Stela Câmara Dubois é uma das mais exímias escritoras evangélicas da Terra do Cruzeiro da Sul. Inúmeros livros de sua lavra fazem ministério entre nosso povo, nas igrejas e fora delas.” [23]
A criação do distrito Stela Dubois
O colégio Taylor-Egídio e a Igreja Batista acompanharam o progresso do município de Jaguaquara, com a chegada da luz elétrica, da BR 116 (Rio-Bahia), da colônia agrícola (italianos), da criação da Sociedade Beneficente Orfanato Taylor-Egídio, a criação da Maternidade Maria José de Souza Santos etc.
Stela compôs letra e música do hino do município, que foi instituído pela Lei 246 de 18 de maio de 1971, em homenagem ao 50º aniversário de emancipação política do município.
No Alto plantada, ó terra dadivosa
Imagem do heroísmo a renascer,
Teus filhos querem ver-te na vanguarda,
Pois tens nas mãos o facho do saber.
Avante, avante Jaguaquara!
Surge uma voz na manhã clara,
E o desafio pede força varonil,
Mais estradas vão se abrindo,
Mais escolas vão surgindo
A crescer no mesmo ritmo do Brasil! (bis)
Nas matas verdes, tu cantas a esperança,
E ao por-do-sol tens o ouro a esbanjar.
No azul sem fim completas a bandeira,
E o teu país de ti vai se orgulhar.
Voltas o olhar ao Deus que te abençoa,
Fazes de todos um querido irmão.
Acolhes com ternura o visitante,
Porque tu és Cidade Coração.[24]
No dia 18 de julho de 1989, o povoado denominado “Entrocamento de Jaguaquara” foi desmembrado do município e se tornou o distrito Stela Dubois, numa justa homenagem aquela que se dedicou por cinquenta anos à comunidade.
Na ocasião, seu esposo telegrafou ao autor da proposta, deputado estadual Carlos Alberto Simões e declarou: “Considero natural aspiração habitantes próspera localidade. O que surpreende e emociona, apesar de sabê-la merecida, é a homenagem à saudosa e heróica companheira de tantas jornadas, ao longo meio século de serviço do bem e da Pátria”. [25]
A localidade de Stela Dubois tem mais de dez mil habitantes, comércio forte de peças de veículos e tratores, postos de gasolina, supermercados, armazéns, além de produção de café e hortifrutigranjeiros.
Stela Dubois: espiritual e humanitária
A tônica da vida de Stela, sua maior paixão, foi a pregação do Evangelho. Ela falava de Jesus a tempo e fora de tempo: às visitas ilustres tinha sempre um modo de colocar um trecho bíblico, lido ou citado; nas salas de aula, nos encontros corriqueiros, aos amigos; ao telefone; até aos pedintes à sua porta, exortava, orientava, e dizia palavras de bom ânimo e de esperança, junto ao pão concedido.
Ela orava muito nas madrugadas e sempre mantinha grupos de oração no “Jardim de Oração”, o seu recanto predileto, no jardim da casa do colégio onde morava com a sua família.
Stela atendia hospitaleiramente a todos aqueles que a procuravam e também telefonava e fazia visitas constantes. Estava pronta a levar uma palavra de alento, de alegria, de fé e de confiança a qualquer que precisasse. Porém, sempre que era necessário, aplicava correções e disciplinava até mesmo com dureza, mas totalmente pautada na Palavra. E suas valiosas reprimendas calavam nos corações daqueles aos quais aconselhavam.
Ela escreveu hinos oficiais e corinhos inspirados para os acampamentos batistas na Bahia, que eram verdadeiras festas espirituais, sempre focalizando o desejo ardente de um avivamento espiritual no Brasil. Foi por toda a vida, avivalista em sua obra, coração e exemplo.
Na orelha do livro “Asas resplandecentes” de 1962, escrito em parceria com Rosalee Appleby, consta sobre Stela: “Uma alma que conhece as coisas profundas do Espírito de Deus. Coração que se volta para o Senhor”. [26]
Em 1980, encontrava-se no mesmo ardor, no desejo da comunhão com Deus. Escrevendo para o Jornal Batista, sobre a participação de sua igreja de Jaguaquara na Campanha Nacional de Evangelização: Só Jesus Cristo Salva, ela narrou como a série de conferências tinha sido proveitosa, com 115 pessoas decididas:
Sentimos que o “o vento assoprou” também do nosso lado. E “as maravilhas soberanas que outros povos vêem”, afinal chegaram para nós. Seja glorificado o Nome do Senhor. São variadas as maneiras como Deus usa pessoas, veículos, instrumentos, até alcançar os corações. (…) Não importa quanto demore a expressão “cedo venho”, para o Arrebatamento às portas. Urge, apenas, que nos preparemos, santificando-nos, cada vez mais, como aconselha a Palavra de Deus em Apocalipse, e levando adiante a mensagem consoladora do Evangelho, “Poder de Deus para a salvação de todo o que crê”. Quando a Única Esperança, Jesus Cristo, vier chamar-nos, tirando-nos do meio do cataclismo da iniqüidade, “como foi nos dias de Noé”, será na rapidez de uma subdivisão de segundo. Que a Bendita Campanha “Só Jesus Cristo salva” atinja o coração de milhares de brasileiros, pela palavra falada, cantada, escrita ou no silêncio da oração. [27]
A vida de Stela Câmara Dubois foi impregnada da presença de Deus. Era uma pessoa extremamente espiritual e consagrada ao Senhor. No soneto que segue ela descreve a alegria da companhia divina:
Esta nova alegria que me alcança.
Com a gratidão dentro de mim vibrando,
Teve a visão de pássaros em bando,
Que nas asas trouxessem a esperança.
A paz que veio, tão serena e manda
Como se o próprio céu fosse baixando,
Venceu a noite e o abismo… E ei-la, cantando,
Como sabe cantar uma criança.
Esta alegria que não vê barreiras
E quer subir com as asas mais ligeiras
Para buscar o alento nesse Amor.
Essa alegria interior, profunda,
Que, silenciosa, o coração inunda,
Vem da Tua presença, ó meu Senhor! [28]
Uma voz que contou sobre o céu: a visão de Stela
Em suas poesias e hinos, Stela colocava ensinamentos recebidos de seu Salvador Jesus Cristo. Quando indagada sobre as circunstâncias em que compunha seus hinos, afirmou:
Destaco “A certeza da salvação” e “Jesus te pode salvar”, ambos escritos na alegria retumbante desta certeza. Nunca discussão em classe (estudávamos História Geral), um aluno disse: “Ninguém pode ter a certeza de sua salvação”. Respondi-lhe: “Mas acontece que Aquele que nos dá esta Certeza, tem a PALAVRA DA VERDADE. Cumpre o que promete, pela HONRA DE SEU NOME”. Pedi, ajoelhada, este hino ao Senhor. O outro, “Jesus te pode salvar”, foi também escrito numa ocasião especial, quando desejava, com toda a minhalma, cantar esta Certeza (grifos da autora). [29]
A escritora proclama sua certeza de que Jesus Cristo é o único Salvador, em uma poesia para o Natal:
Natal de 1983
Tanta guerra e tantas lágrimas…
E uma Paz, uma só:
JESUS CRISTO!
Tantos caminhos errados
levando ao abismo,
e um só Caminho Certo:
JESUS CRISTO!
Tantas vidas se estragando
na miséria e na incredulidade
e um só Dono da Vida:
JESUS CRISTO!
Tantas religiões
perturbando as mentes …
E uma só Religião
capaz de RELIGAR o homem a Deus:
JESUS CRISTO!
Tantas filosofias,
tantos livros guias,
e um só LIVRO
– Regra de Fé e Prática, –
a BÍBLIA SAGRADA,
que aponta o Caminho-Verdade-e-Vida,
o Restaurador da raça decaída:
JESUS CRISTO!
Tantos natais de papel colorido…
de árvores iluminadas…
de presentes e banquetes…
Tantos natais de carência,
de terrorismos e de violência,
numa correria sem fim…
E um só Natal de Salvação Gratuíta!
Um Único Natal de Felicidade nos lares!
Um Único Natal de Fraternidade dos povos!
Um Único Natal de firme segurança
alimentada pela esperança
de uma Pátria Ideal,
numa Perfeição de Amor sem limites,
uma Pátria Sublime alimentada pela fé
“NUM SÓ REBANHO E NUM SÓ PASTOR”,
JESUS CRISTO, O SENHOR![30]
Uma poesia sua, em especial, demonstrou a aprovação do seu mestre amado, Jesus Cristo, para com sua querida discípula e serva. Entre seus maravilhosos poemas, encontra-se um que misturou prosa e poesia e relatou sobre os céus, quando a poetisa avistou a Cidade Santa.
Para que muitos não ficassem chocados e impressionados com o relato, na época em que se deu o fato, ela escreveu que “O retrato da vida e o retrato da morte” era a transcrição de um sonho. Mas, afirmou muitas vezes que realmente esteve nos céus.
Em 1963, Stela passou por problemas físicos e necessitou passar por uma intervenção cirúrgica. No final de sua operação, ela sofreu uma parada cardíaca. Os cirurgiões que a operavam atestaram sua morte clínica. Ela, porém, retornou e, alguns meses depois, fez o seguinte relato à sua filha Stelinha:
TEXTO DA ÉPOCA
Relato de Stela Dubois sobre sua ida aos céus
– Stelinha, querida, eu avistei a Cidade Santa!
Stelinha, então, disse:
-Mãe, conte-me tudo, direitinho!
E então, ela passou a relatar o que lhe havia acontecido:
– De repente, me vi suspensa por debaixo dos braços, e levantada por dois anjos, um de cada lado. Eu não os via, mas estava firmemente segura por eles. Num piscar de olhos, fui transportada para os céus, para as regiões estratosféricas, e os meus pulmões se encheram de tanto ar, de um ar tão puro, que não é possível descrever, tão intenso e pleno era o meu respirar.
-E então eu vi que tudo era Verdade!
-Tudo o que está escrito é Verdade! Todas as promessas do Pai são verdadeiras!
-Os céus existem realmente e eu vi a Cidade Santa!
-E fui com os dois anjos, eles me conduzindo de uma forma segura e precisa, meus pés se moviam, mas eu não podia vê-los, ao mesmo tempo, eu tinha a sensação de que voava, a velocidade era descomunal, o clima era excelente, delicioso, a atmosfera levíssima, e o brilho, a luz, as cores… ah, as cores eram lindas, eram cores especiais não avistadas dentre as do arco-íris. E os anjos me conduzindo, porém, eu não podia vê-los, apenas senti-los, até que cheguei à Cidade Santa.”
-Sim, toda ela esplendorosa e luminosa em simples palavras. É como está descrito em algumas partes da Bíblia para o nosso pequeno entendimento, mas muito mais impressionante do que qualquer um de nós poderia relatar. Toda de pedras preciosas, esplêndida, grandiosa, reluzente! Não há palavras que possam descrevê-la.
-Durante o percurso a minha alegria era imensa, meu espírito exultava, e em júbilo meu coração gritava: Vou ver o Meu Senhor!
-Quando toquei o meu pé no patamar, no pórtico de entrada que levava ao interior da Cidade Santa, escada feita das mais maravilhosas pérolas, o Meu Senhor me disse:
– Minha serva! Volta, pois não é chegado o teu momento! O teu companheiro ainda precisa de ti!
-Vi-me, então, sendo trazida de volta a terra. Mas eu não queria voltar. O meu espírito ansiava o “alto”. Suspendendo a cabeça, foi difícil retornar ao corpo físico. Eu chorava. Oh, terra de dores e calamidades. Eu havia experimentado as elevadas paragens celestiais! E ao voltar, vi, em espírito, o meu filho René, em prantos, debruçado sobre o meu corpo na mesa cirúrgica. Vi o meu esposo Dubois com o amigo, Padre Palmeiras, na varanda do hospital em espírito de oração. E foi-me mostrado Dubois em desespero futuro, clamando:
– Meu Deus, a Stela não! Não ainda! Eu não estou preparado!
Tudo isso contou à sua filha, quando a mesma lhe indagou se havia sido um sonho, ou se fora realidade. Stelinha ainda lhe perguntou se na hora de sua morte ela se sentiu sem fôlego. Ela, respondeu: – a respiração tornou-se tão ampla como se dez pulmões eu tivesse!
Após sua cirurgia, teve um restabelecimento imediato e sua saúde melhorou. A diabete que a molestava, pois era insulina dependente, desapareceu. As palpitações e taquicardias noturnas também. Dias mais tarde, em um relato bem vívido, ela escreveu a experiência em prosa e verso.
O RETRATO DA MORTE E O RETRATO DA VIDA
(Sonhei que, ao atravessar uma rua, pisei num fio de tensão elétrica e fiquei carbonizada.)
1) Vi-me, de repente, numa Nova Manhã.
Brilhava um sol alvíssimo, incandescente,
um sol de meio-dia tropical, mas num clima excelente,
de excelência descomunal.
Rápido, como o pensamento,
o meu espírito chegara a esse Lugar.
– Onde estou? – indago.
– Estás na Casa das Muitas Moradas.
– Então eu não morri?
– Não! Deus não é Deus de mortos!
Ele é Deus dos vivos!
2) Eram dois anjos que me falavam.
Seus nomes tinham a significação
de Louvor e Adoração.
3) – Venha por aqui … – disseram.
Eu pisava, de leve, sobre um tapete vasto,
macio como pétalas dos lírios.
Um Coro imenso ouvi cantando,
e harpas, flautas, órgãos e carrilhões acompanhando …
E era isto a morte?
Não!
Era a Vida! A Vida Eterna,
no plano da Bem-aventurança!
4) Por entre nuvens douradas,
sorria, compassivo,
para abrandar o meu espanto,
o Salvador redivivo,
Jesus glorificado!
Caio de joelhos, dizendo as palavras de Tomé:
– Senhor meu e Deus meu!
5) Deram-me para segurar nas mãos
(e eu não via mãos nem pés, mas os sentia)
sim, deram-me para segurar nas mãos
grinaldas de aleluias, antemas e sacras melodias,
como se fossem objetos palpáveis.
A música celestial se derramava pelo ar
embalsamando tudo …
E eu procurava apanhar aquele sons, tão nítidos eram,
para espalhá-los aos pés do meu Salvador,
Jesus glorificado.
6) E era tudo isto o novo plano da eternidade,
o céu depois da morte!
7) Corríamos como a luz… os dois anjos e eu …
Sentia possuir mãos, pés, rosto e todos os sentidos,
porque via melhor sem olhos.
e sem o corpo eu mais sentia
as vibrações da eterna Alegria.
E o bafejar da Fé no seu clímax.
– É para lá … é mais além! …
Flores por toda a parte…
A Ciência, o Saber e Arte,
frutificando como árvores gigantescas …
Águas cantantes, fontes sobre pedras preciosas,
brisas sussurrando boas-vindas …
A Casa do Pai tinha milhões e milhões de moradas.
8) Quantos queridos rostos a sorrir
por entre o ressoar de sininhos de cristais!
Mas dentre todos, sobressaia aquele excelso Rosto
que todos adorávamos e onde quer que fôssemos,
nós O víamos, – Jesus Cristo, o Sol da Justiça, –
brilhando, brilhando na Cidade Santa.
E era isto a morte?
Não! Era a VIDA,
na sua dimensão desmedida,
eternidade em fora,
numa Festa sem fim.
9) O perfeito LOUVOR
ressoava, em redobrados ecos,
partido dos corações
dos anjos e dos redimidos e dado
ao Cordeiro de Deus glorificado,
ao Salvador que eu via.
10) Eu não tinha morrido!
Agora é que eu vivia.
11) – Venha ver o rio das águas vivas,
o rio que eternamente canta, diz-me o anjo Adoração.
Os espíritos fora da carne
tinham uma força tal, um sexto sentido milhões de vezes
mais nítido, impossível de descrever.
Tinham a força dos relâmpagos.
E eu pensava, – podia refletir muito mais, –
no Dia em que se processasse a ressurreição!
Meu Deus! Como seria então,
se os espíritos já podiam gozar tanto
a magnificência do céu!
12)Como seriam, dentro de corpos glorificados?
O rio ficava lá no alto, no meio da grande Praça.
13) E continuávamos a andar,
os dois anjos e eu.
14) O rio das águas vivas!
E eu me lembrava das Escrituras e recitava:
“Há um rio cujas correntes alegram a Cidade de Deus,
o santuário das moradas do Altíssimo!”
– Daqui você escuta o rio cantando! –
Oh! Inenarrável!
Era como se primeiros violinos adestrados
fizessem uma orquestra em surdina …
E as águas corriam …
15) Outra vez eu me lembrava das Escrituras
que trazia de cor:
“E mostrou-me o rio puro da água da vida,
claro como cristal, que procedia do
trono de Deus e do Cordeiro!”
Tudo era a Verdade:
“Para sempre, ó Senhor, a Tua Palavra
permanecia no céu!”
16) Vou subir a grande escada.
A escada sem topo e sem medida…
Tem formato de Cruz e seu nome é VIDA.
As letras estão iluminadas,
os degraus são diamantes.
Neles estão engastadas pedras preciosas.
E todas essas gemas simbolizavam
a fé e o heroísmo dos santos que tombaram.
17) E o coro imenso continuava,
à margem daquele rio que cantava.
E eu sentia
Que tomava parte naquela Harmonia.
Oh, meu Deus!
E era isto a morte?
Não! Era a Vida verdadeira,
dentro do plano da eternidade,
que Jesus Cristo preparara quando dissera:
“Para que onde Eu estiver, ó Pai, eles estejam comigo”.
18) Vou subir o primeiro degrau.
Emocionada, encantada, piso com força
a ponta do meu pé … e acordo, de repente…
Tudo fora um sonho, e que sonho!
Quando me lembro dele, suponho
que via a realidade.
19) E continuo recordando: –
Os espíritos se moviam como raios de luz,
com a diferença de que esses raios tinham
plena consciência,raciocínio, pensamentos, idéias, alegria,
louvor, vida, VIDA, VIDA,
na dimensão eterna
que não tem medida.
20) Os espíritos se dirigiam aonde queriam,
como se tivessem pés,
rápidos como se tivessem asas,
e respiravam o ar celestial
muito melhor e muito mais puro do que na atmosfera terrestre.
E eu também respirava e cantava e gesticulava
no entanto, não me via, não via os meus braços,
nem meus pés, e eu os possuía mais destros e mais enérgicos
do que tinha na terra.
A minha alegria era imensa, imensa,
que até o coração batia como se tivesse coração de carne.
Acordo. Abro os olhos.
O sol da terra parecia apagado,
e a atmosfera parecia desfazer-se em cinzas …
E era isto a vida?
Não! Era o Vale da sombra da morte.
Jornaleiros gritavam pelas ruas, fazendo a propaganda dos jornais:
– Guerras! Terremotos, Assassinatos!
Desastres! Terrorismos! Seqüestros! –
Enchentes e inflações e carestia e miséria …
Abro a janela e espio:
Crianças esfarrapadas, pedindo abrigo ao frio.
Poluições de toda a espécie
e de superstições um lago imundo…
A ignorância e a crendice grassando no terceiro mundo,
doenças, traições, armas nucleares,
desconfiança entre as nações e destruição dos lares …
A fome, o desemprego, a descrença,
corriam, como quem corre da desgraça e da calamidade…
Ocultando suas lágrimas, os vigias de Deus
deixavam cair os braços em desalento …
E sobre a cruz esquecida,
os homens coroavam o mundo e os seus prazeres …
E era isto a vida?
Não! Era o Vale da sombra da morte.
21) A Vida ficara no outro lado,
no plano alcandorado
que o Pai idealizou
e o Filho cumpriu.
22) Neste sonho experimentei,
como quem prova uma colherinha só,
por assim dizer,
do MANÁ mais carinhosamente preparado.
Vislumbrei
O CÉU DEPOIS DA MORTE, PORQUE DEUS NÃO É DEUS DE MORTOS, MAS DOS VIVOS! O Deus de Abraão,
de Isaque
e de Jacó,
o Deus dos remidos pelo Sangue de Jesus Cristo,
o Deus Único e Verdadeiro, Criador dos céus e da terra.
O CÉU DEPOIS DA MORTE!
23) Glorificado seja o NOME DO SENHOR,
pelos séculos dos séculos,
anos contados aqui na terra;
e por toda a eternidade,
onde os anos não se contam mais.
24) Faze-me chegar ao Teu rio, Senhor!
POIS TUDO É VERDADE! [31]
Stela Câmara Dubois: definitivamente nos céus
Stela continuou sempre ativa até a sua morte. Semanas antes de falecer, ainda traduziu dois importantes trabalhos enviados pela missionária Rosalee, já com 93 anos. No entardecer de 07 de março de 1987, partiu ao encontro de seu amado Mestre uma das mais apreciadas escritoras batistas, grande poetisa e educadora. Sobre sua partida, a sobrinha Célia Câmara Reis, também poetisa, escreveu o seguinte acróstico:
S tela, serva fiel, vem!
T udo preparei para ti.
E, por tua fidelidade,
L inda coroa de glória
A tua espera aqui está.
C hamei-te agora para Mim,
A pesar de saber quão preciosa
M ãe, esposa, irmã, amiga
A í na terra tu és!
R einarás no céu comigo e,
A espera dos teus, ficarás.
D urante mais de oito décadas
U m plano te dei para cumprir.
B em feito, inigualável, o fizeste –
O rgulho-me de ti!
I ncansável e dedicada filha Minha:
S abes que te amo. Vem! [32]
A essa sobrinha, Carlos Dubois declarou: “Filhinha, eu é que devia ter ido primeiro! Não vai ser fácil viver sem ela, mas em breve eu irei também ao encontro do meu Rei e da minha rainha!” [33] Ele faleceu seis anos depois, no dia 13 de julho de 1993.
O escritor Enéas Tognini, na dedicatória de seu livro “História dos Batistas Nacionais”, publicado logo após o falecimento de Stela, escreveu:
Homenagem póstuma
À dedicada serva do Senhor
Stela Câmara Dubois
Exemplo de humildade e consagração ao Senhor,
Recolhida nos tabernáculos eternos em
07 de março de 1987,
em Jaguaquara – Bahia,
Nosso preito de saudade e amor e gratidão!
Conclusão
Stela, que viu o céu em vida, já está desfrutando do seu resplendor maravilhoso. Para lá também irão todos aqueles que aceitarem, pela fé, a salvação em Jesus, que é o único caminho, verdade e vida.
Ele garantiu: “Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito: Vou preparar-lhes lugar. E seu eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver” (João 14.2-3 – Nova versão internacional).
© de Rute Salviano Almeida – Usado com permissão
[1] Informações para o resumo biográfico de Stela Câmara Dubois extraídas das obras:
ICHTER, Bill H. Vultos da música evangélica no Brasil, p. 16-29.
DUBOIS, Stela. “Stela Câmara Dubois: rememorando com saudade a benção de sua vida”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1987, p. 8-9.
REIS, Célia. “Stela Dubois nome de Município”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 01 de outubro de 1989, p. 1.
ROSA, Armando Barreto. Carlos Dubois: o artista da palavra. Salvador: Gráfica e editora Dacosta, 2000.
BARCELLOS, Ilma Câmara. “Estive nos céus! Vi! Tudo é verdade!”. Depoimento por escrito, enviado por e-mail para Rute Salviano Almeida, em 06/10/2011.
DUBOIS, Stela Câmara. Entrevista concedida ao 1º ano do curso pedagógico do Colégio Taylor-Egídio, Jaguaquara – BA, em 09 de novembro de 1973.
[2] BARCELLOS, Ilma Câmara. “Estive nos céus! Vi! Tudo é verdade!”.
[3] DUBOIS, Stela. “Stela Câmara Dubois: rememorando com saudade a benção de sua vida”, p. 8.
[4] BARCELLOS, Ilma Câmara. “Estive nos céus! Vi! Tudo é verdade!”.
[5] A própria Stela em entrevista, afirmou: “Meu pai era católico. A sua veneração por São José, padrinho de batismo, era grande. Um dia, passando em frente à Primeira Igreja Batista do Recife, ouviu alguém cantando “Noventa e Nove Ovelhas Há”. Era a história da ovelhinha desgarrada, que o Bom Pastor procurou e achou, integrando-a ao aprisco das cem ovelhas. Entrou, e ouviu o sermão sobre o assunto. Pediu uma Bíblia para conferir com a sua e converteu-se a Jesus Cristo, o Salvador das almas. Casou-se depois com a moça que cantava este hino”.
[6] DUBOIS, Stela Câmara. Entrevista concedida ao 1º ano do curso pedagógico do Colégio Taylor-Egídio, Jaguaquara-BA, em 09 de novembro de 1973.
[7] Maria do Carmo, avó de Stela, deixou o companheiro quando se converteu, pois entendeu que vivendo com um homem do qual não era esposa, vivia em pecado. Ela criou sozinha a filha Emília.
[8] DUBOIS, Stela Câmara. Entrevista concedida em 09 de novembro de 1973.
[9] DUBOIS, Stela. “Stela Câmara Dubois: rememorando com saudade a benção de sua vida”, p. 8.
[10] ROSA, Armando Barreto. Carlos Dubois: o artista da palavra, p. 70.
[11] Renovação Espiritual: Como a palavra bem o expressa, é aproveitar o que existe. Segundo o pastor José Rego do Nascimento, um dos líderes do movimento: “Renovação Espiritual é uma mensagem bíblica no poder do Espírito para sacudir as igrejas que existem, mas que dormem embaladas pelo comodismo e pela inatividade”.
[12] ROSA, Armando Barreto. Carlos Dubois, o artista da palavra, p. 71-72.
[13] DUBOIS, Stela. “Stela Câmara Dubois: rememorando com saudade a benção de sua vida”, p. 8.
[14] ICHTER, Bill H. Vultos da música evangélica no Brasil, p. 29.
[15] ROSA, Armando Barreto. Carlos Dubois, o artista da palavra, p. 70.
[16] MENEZES, Luiz Modesto. “Carlos Dubois – um carvalho exemplar no bosque batista baiano”. O Jornal Batista, 13 de fevereiro de 1994, p. 9.
[17] FERREIRA, Ebenézer Soares. “Centenário do 1º Colégio Batista organizado no Brasil”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 07 a 13 de dezembro de 1998, p. 10.
[18] DUBOIS, Stela Câmara. Entrevista concedida em 09 de novembro de 1973.
[19] Tirana: dança e cantoria campestre, espécie de fandango.
[20] DUBOIS, Stela Câmara. “Recados da Bahia”. Jornal do Comércio. Recife, 02 de agosto de 1953.
[21] Fuzarca: Farra, folia.
[22] DUBOIS, Stela Câmara. “Recados da Bahia”.
[23] TOGNINI, Enéas. História dos batistas nacionais. Brasilia: Convenção Batista Nacional, 1987, p. 6.
[24] Disponível em <http://pt.wikisource.org/wiki/Hino_do_munic%C3%ADpio_de_Jaguaquara>
Acesso em 10/04/2011.
[25] REIS, Célia. “Stela Dubois nome de Município”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 01 de outubro de 1989, p. 1.
[26] APPEBLY, Rosalee; DUBOIS, Stela Câmara. Asas resplandecentes, orelha do livro.
[27] DUBOIS, Stela Câmara. “Jaguaquara integrada na Campanha”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 09 de novembro de 1980, p. 5.
[28] APPLEBY, Rosalee M. Sarça ardente. São Paulo: Edições Enéas Tognini, 1966, p. 58-59.
[29] DUBOIS, Stela Câmara. Entrevista concedida em 09 de novembro de 1973.
[30] DUBOIS, Stela Câmara. “Natal de 1983”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1983, p. 1.
[31] DUBOIS, Stela Câmara. “O retrato da morte e o retrato da vida”. Poema enviado por e-mail para Rute Salviano Almeida por Ilma Câmara Barcellos.
[32] REIS, Célia Câmara. “Stela Câmara Dubois”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1987, p. 1.
[33] REIS, Célia Câmara. “Mais um à minha espera!”. O Jornal Batista. Rio de Janeiro, 08 de agosto de 1993.
(1905-1987)
Esplêndido! Eu lia Stela Câmra Dubois e Rosalle Appleby quando adolescente, no Recife… Marcaram minha vida, minhas aspirações, vocação e veia poética. Como autora do Hino do SEC, “Alegria no Labor”, até hoje cantado na Instituição, tocou direta e profundamente centenas de vidas jovens, inclusive a minha, que seguiram o chamado do Mestre!
Esplêndido! Eu lia Stela Câmra Dubois e Rosalle Appleby quando adolescente, no Recife… Marcaram minha vida, minhas aspirações, vocação e veia poética. Como autora do Hino do SEC, “Alegria no Labor”, até hoje cantado na Instituição, tocou direta e profundamente centenas de vidas jovens, inclusive a minha, que seguiram o chamado do Mestre!
Glória a Deus por exemplos tão marcantes!
Obrigado vou ter que que fazer meu trabalho de identidade e cultura baseado nisso ❤️❤️
Stela Câmara foi minha professora de História e Música no Colégio Taylor-Egidio em Jaguaquara. Era uma mulher incrível, talentosa e grande educadora. Eu tinha por ela uma profunda admiração.
Stela Camara de Dubois ,viveu uma vida de exaltação a Deus. Tive o privilégio de ter convivido juntamente com ela nos bons tempos do Colégio de Taylor Egídio.