Vinde, Cantai e Entoai – John H. Johansen / Trad. Hope Gordon Silva
A música da igreja deve ser centralizada sempre na música que a congregação produz – nos hinos e cânticos que ela entoa. Esta ênfase surge do próprio conceito do que vem a ser o Protestantismo. Para nós que somos “protestantes reformados”, o culto não é um espetáculo a ser assistido, e sim um ato pessoal, tanto individual como coletivo.
Foi este um dos pontos explícitos no pensamento de Lutero, uma das notas características do movimento da Reforma e por isso Lutero disse que daria a Bíblia e o hinário em sua própria língua – para que pudessem responder diretamente em hinos, de louvor e consagração. Martin Bucer, o grande Reformador de Strasburgo, tornava isto claro quando escreveu em 1941: “A Igreja é construída em torno do hino.”
A hinódia é o núcleo, portanto, da música da igreja, é a forma protestante característica de se expressar a adoração e o culto nosso.
Então, o que é um hino? Segundo Agostinho, é o louvor que se pode cantar, pois um hino só o é quando é entoado. E para o cristão, significa louvar a Deus pelos seus poderosos atos da criação e em Cristo, cantar uma saudação àqueles eventos do Evangelho existentes no Velho e no Novo Israel. Como Cecil Northcott o expressou: “É uma proclamação cantada e objetiva de certos acontecimentos históricos, e da experiência do crente com respeito a eles.”
Os melhores hinos cristãos têm esta combinação de Verdade cristã e Experiência cristã.
Isto é uma influência direta da Escritura sobre a composição do hino. O maior dos hinos de Isaac Watts, “Quando eu contemplo aquela cruz” (Louvor Perene, nº56) exemplifica a objetividade e subjetividade combinadas. O texto se encontra nas palavras do Apóstolo Paulo: “Longe seja gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14). Esta verdade objetiva precisa ser encontrada em cada ato de culto cristão e na experiência subjetiva do participante que o completa. Watts o coordena assim:
Não tem eu glória, ó Deus, jamais,
Senão na cruz do meu Senhor;
E as coisas vãs, que anelo mais,
As sacrifico ao seu amor.
(Trad. de Antônio Pinto Ribeiro Jr.)
Que é, então, que faz um hino “bom”? Em sua Introdução ao Salmista Cristão (The Christian Psalmist), publicado em 1825, James Montgomery escreve:
“Um hino deve ser tão regular em sua estrutura como qualquer outro poema; deve ter um assunto evidente, e esse assunto deve ser simples, não complicado, de modo que, seja qual for a habilidade ou trabalho exigido do autor para desenvolver seu plano, pouco ou nada seja exigido do leitor para entende-lo. O hino, portanto, deverá ter princípio, meio e fim. Deve haver uma linha de pensamento progressiva, uma ideia de dependendo da outra tão perceptivelmente que não se possa trocar a ordem sem prejudicar a unidade do todo; cada verso deve acrescentar algo ao todo, como membro bem feito de um corpo simétrico.”
Um hino possui qualidades próprias.
Primeiro, precisa ser simples – nada de complexidade, nem no pensamento, nem no modo de expressá-lo. Nada de palavras incomuns, comparações difíceis, fraseado com aparato. “Ó amante Salvador” (SH 28) ou “Ó bondoso Salvador” (HE 365, SHn 169) é um exemplo perfeito disto. Escrito por Charles Wesley, no original 157 palavras das 188 empregadas neste hino são monossílabas. Só 31 palavras têm mais de uma sílaba, e entre estas só duas, as palavras “defenseless” (indefesa) e “unrighteouness” (não-retidão) têm mais de duas sílabas. Simplicidade é a norma; a simplicidade, que é irmã da clareza.
Em segundo lugar, um hino deve ter a qualidade da emoção mais do que da lógica intelectual. Seu apelo deve ser feito em primeiro lugar ao coração e não à mente. É claro que precisa ter uma ideia central – “um assunto distinto” como diz Montgomery – mas o tema não deverá tanto ser desenvolvido por um processo intelectual como resultado de um impulso emotivo e espiritual. Um bom hino precisa emocionar e elevar a alma; precisa consolar, desafiar e inspirar.
Terceiro, um hino tem de buscar sua ideia, ou tema, no que é vivido, conhecido no dia a dia da experiência humana. Poderá expressar a majestade, a eternidade de Deus, como no hino de Isaac Watts, “Ó Deus, eterno Ajudador” (Os Céus Proclamam, vol. 1, n.º 14, ou “Tu és grande Amparador”, SHn 55); ou poderá falar na consagração pessoal, como em “A Ti seja consagrada minha vida, ó meu Senhor” (CC 296, SHn 333), escrito por Frances Ridley Havergal e traduzido por Leônidas Philadelpho Gomes da Silva.
Que trate das grandes doutrinas da fé cristã ou das questões sociais da época, um hino precisa ter aplicabilidade. Precisa ser aplicável a hoje, às necessidades de hoje, às experiências de hoje, às pessoas de hoje.
Nenhum de nós pode entender completamente o que significava durante o tempo de perseguição dos grandes motins da década de 1750, na Grã-Betanha, um grupo de crentes evangélicos, batidos, machucados, quase mortos, mas a salvos por aquela hora, cantarem pela primeira vez o novo hino que Charles Wesley escrevia para eles na hora de tumulto:
Deus reina no céu,
Bem forte em salvar;
Contudo Ele quis
Conosco vem estar.
(N.R. Compreender perfeitamente a situação daqueles irmãos não podemos; mas o hino de Charles Wesley, “Ye Servantes of God, Your Master Proclaim” – aqui temos a 2ª estrofe – é igualmente aplicável na vida do crente hoje. Deus continua reinando e está presente, pelo Espírito Santo, na vida daqueles que lhe pertencem.)
Como membros de uma congregação, se é para fazermos o melhor uso possível de nosso hinário, precisamos esforçar-nos por compreender ao máximo o que fazemos ou o que devemos estar fazendo, sempre que nos levantamos para cantar.
Não cantamos para “esticar as pernas”, para variar de atividade, ou para preencher os espaços entre as outras partes do culto. Também não estamos cantando para ficar alegres ou para criar ambiente apropriado em que se possa ouvir o sermão.
Em certa passagem importante, Paulo declarou aos cristãos de Corinto: “Cantarei com o espírito , mas também cantarei com a mente” (I Co 14.15).
Cantaremos com maior apreciação e entusiasmo quando procurarmos buscar compreender a intenção e o sentido dos hinos que muitas vezes são usados rotineiramente no louvor da congregação.
A fim de compreender muitos hinos, é preciso que se conheça a respeito do seguinte:
- O autor – não apenas seu nome mas alguma coisa sobre sua vida. Seria difícil saber todo o impacto do hino “Amor que por amor desceste” (SH 574, SHn 134, HE 38) sem conhecer a história da cegueira do autor, George Matheson.
- A época em que o hino veio a ser produzido. “Dai graças todos vós” (HE 135 e Louvor Perene n.º 42) se reveste de uma nova dimensão quando lembramos que Martin Rinkart o escreveu durante a Guerra de Trinta Anos; e há um hino de Ray Palmer, “My Faith Looks Up to Thee” (SHn 349, Seja Louvado 207) que tem novo sentido quando lembramos que foi escrito quando o autor atravessava um período de incertezas e dúvidas quando tinha seus 21 anos.
- Os problemas religiosos dos quais surgiu o hino. Todos sabem, por exemplo, que o hino “Castelo Forte” foi escrito por Martinho Lutero no momento em que a Reforma enfrentava seus maiores problemas de consolidação e perseguição. E há outros hinos que talvez não tenhamos em português.
- A vida da Igreja na qual aquele hino foi produzido. O antigo hino de Ressureição, “Vinde vós, fiéis, cantai” (HE 39, SHn 115) faz-nos voltar à Igreja do séc. VIII, com sua liturgia em grego, suas controvérsias a respeito dos ícones, sua erudição e suas fraquezas – uma Igreja que produziu almas puras e espíritos líricos como o de João Damasceno (de Damasco, na Síria, que morreu em 780), o autor deste hino.
- A história bíblica, quando a ela se alude. Há hinos em que esta ligação entre a Escritura e o hino se faz bem presente. “Mais perto quero estar” (SH 219, SHn 360, SH 382) de Sara F. Adams, baseia-se no sonho de Jacó em Betel (Gn. 28.10-22). “Comigo Habita” (SH 222, SHn 361, HE 477) de Henry Francis Lyte tem base em Lc. 24.28-31. Mas há hinos como “Santo, santo, santo” (SH 563, SHn 247, HE 104, CC 9) cujo original foi escrito por Reginald Heber, em 1827, que contêm uma variedade de referências bíblicas, e a congregação que canta palavras com displicência só as percebe vagamente.
Várias edições revistas de recentes anos (bem como o Salmos e Hinos com música, ed. 1975) têm se preocupado em fornecer um índice dos textos bíblicos indicados, que se relacionam com os hinos. Usar um índice deste e dar atenção ao hinário no culto individual, em sua hora silenciosa, pode ajudar muito a esclarecer o fundo bíblico de nossos hinos.
Atingimos os objetivos no cântico de hinos quando cantá-los oferecem um caminho aberto a Deus através de um culto sincero e nobre, e quando resulta numa influência decorrente, sadia e inspiradora, para aqueles que cantam, estabelecendo-os na verdade e avivando a fé.
É por isso que o hinário tem uma finalidade didática, ministra ensinando. Cantar os hinos é um método de gravar o evangelho na mente e no coração de quem presta seu culto a Deus. E alcançamos a meta quando se pode dizer que foi criado um ambiente de alta simpatia religiosa e vigorosa consagração cristã, de maneira a afetar e emocionar mesmo as pessoas não crentes.
Todos devemos lembrar de dar atenção aos conselhos de John Wesley em suas instruções aos cantores.
Para que o cântico se processe no nível mais alto possível, é necessário que haja a cooperação do organista ou pianista.
E qual é sua posição em relação ao cântico congregacional? O órgão (ou piano) é usado de maneira a ajudar a congregação a cantar, ou atrapalha a execução através de falhas técnicas ou embelezamentos supérfluos?
Será que os prelúdios, ofertórios, interlúdios e poslúdios contribuem à adoração, ou são eles concebidos como recitais para entreter, e não para edificar, os participantes do culto?
Em geral aceita-se que existem quatro elementos de peso na execução dos hinos: os registros usados (no órgão), a dinâmica, o compasso e o fraseado. É claro que uma introdução forte a um hino de oração não fica bem; que um trêmulo ou “vox humana” em um hino de louvor introduz um elemento incompatível. Entretanto, quantas vezes, no culto da congregação, os acompanhamentos dos hinos são tocados com registros que pouco têm a ver com o tipo dos hinos usados. Comentários semelhantes poderiam ser feitos sobre os outros três elementos que tanta importância têm na execução musical dos hinos.
Os organistas e pianistas de hoje precisam lembrar sua posição no culto total, e da função que tem seu instrumento. O Prof. Roberto Noehren afirmou, com muita razão, “A função principal do órgão é de sustentar o canto congregacional.”
Em conclusão, queremos citar esta oração do eminente hinologista Dr. Louis F. Benson:
Graças ó Deus, pela longa sucessão de cantores teus que têm erguido o coração de teu povo e alegrado seu caminho através da música; e nós oramos para que também possamos aprender a saudar os lugares duros da vida com um cântico, e subir sempre para entrar na comunhão dos teus coristas de vestes brancas no céu; através de Jesus Cristo nosso Senhor. Amém!
John H. Johansen / Trad. Hope Gordon Silva
“Publicado originalmente em: Louvor Perene nº 69 – Abril, Maio e Junho de 1977”
© 1977 de John H. Johansen / trad. Hope Gordon Silva – Usado com permissão
Meu Deus!! Que material Maravilhoso!!!
Deus vos abençoe!!!!!
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