Paulo Marcos Ayres (1940-1964)
Paulo Marcos Toffolo Ayres (1940-1964)
Paulo Marcos, meu amigo
Para escrever sobre Paulo Marcos preciso pedir licença para figurar na história a todo instante. Não posso simplesmente biografá-lo com indiferença, pois a amizade que nos uniu foi uma das maiores bênçãos de minha vida, por tudo que aprendemos, compartilhamos, confidenciamos, sofremos e nos alegramos juntos.
Paulo Marcos Toffolo Ayres nasceu a 10 de maio de 1940, em lar metodista. Desde a infância reconheceu sua extraordinária vocação musical, que o levou aos estudos de piano e órgão. Sentiu também cedo o problema da diabetes, e habituou-se ao uso diário de Insulina. Aprendeu a aplicar as injeções em si mesmo.
Sua formação religiosa e musical foram paralelas e, se em 1960 vim a travar conhecimento com o artista, conheci também o cristão. Naquele ano deixei o interior para estudar música em São Paulo. Relacionei-me logo com o trablho musical da Igreja Metodista Central, onde Paulo Marcos era um dos organistas. Já era também consagrado pianista. Tocou com a Orquestra Sinfônica de São Paulo o “Concerto em Sol menor para piano e orquestra”, de Mendelssohn, na inauguração do “Cine Olido” sendo obrigado a bisar o último movimento.
Após uma palestra de D. Hora Diniz Lopes sobre Música Sacra no Brasil, resolvemos dedicar nossas vidas a essa causa e o primeiro passo foi nossa decisão de ir para o Rio de Janeiro, para cursar a “Escola de Música Sacra do Colégio Bennett”.
A partir dessa amizade e dessas decisões, intensificamos nossos estudos com João Wilson Faustini e começamos a compor juntos. Paulo Marcos compunha uma melodia, eu harmonizava, escrevia a letra; às vezes eu compunha a melodia, ele harmonizava, escrevia a letra; às vezes eu compunha a melodia, ele harmonizava, escrevia a letra, e assim por diante. Quantas experiências alegres tivemos nesse ano: a viagem à Franca com o “Coral Evangélico de São Paulo”, dirigido por Umberto Cantoni, nosso grande amigo, a audição na Igreja Presbiteriana de São Caetano do Sul, a viagem a São Carlos, e o festival de Coros do Instituto J.M.C. Noite memorável, quando João Faustini observou nossos olhos gulosos durante o ensaio e perguntou-nos: “Vocês gostariam de cantar com o meu coro no Festival?” Seriam duas Cantatas de Bruxtehude. Nós pulamos de alegria. Claro que gostaríamos, e na audição nós simplesmente berramos as cantatas…A audição da primeira parte do “Messias” na Discoteca Municipal, e depois na Igreja do Calvário, imaginem o “Coral Evangélico de São Paulo” cantando numa igreja católica! Coisa histórica e emocionante registrada pela “Folha de São Paulo” de 1 de fevereiro de 1961, com fotografia e tudo. Paulo Marcos foi convidado para dirigir o coral do Calvário e obteve permissão, pela primeira vez concedida a um evangélico, para tocar no grande órgão de tubos daquela igreja.
Criamos o termo “imprestodismo”, denominação ecumênica imaginária dos metodistas, presbiterianos e independentes que participavam do Coral Evangélico. Nossa “denominação” teve muitos adeptos e funcionou bastante até que um dia perguntaram: “Quem é que, afinal, empresta o dízimo?” Resolvermos fechar a “igreja” antes que houvesse mais equívocos…
Chegou 1962 e com o ano novo, duas bolsas para a “Escola de Música Sacra”. Só eu segui para o Rio. Paulo Marcos ficou, pois sua família sabia de sua saúde frágil e que sua vida seria, provavelmente, curta. Ele continuou tocando em várias igrejas e lecionando música no Seminário da Igreja Metodista Livre.
No fim de 1960 apareceram as preocupações com a visão, causadas pela diabetes. Em março de 1961 Paulo Marcos sentiu-se pior e resolveu submeter-se a um novo tratamento da diabetes que, de início, pareceu bastante bom. Em julho foi à Argentina realizar vários concertos de piano, todos muito bem sucedidos. Ficou entusiasmado com essa viagem e animou-se à continuação dos estudos, apesar dos problemas da visão, que o estavam prejudicando nas aulas da Faculdade de Filosofia (Matemática), obrigando-o a depender dos cadernos dos colegas, pois nada podia ver no quadro.
Em dezembro recebi uma carta triste. A vista direita já estava quase totalmente perdida, e a esquerda enfraquecida sensivelmente. Paulo Marcos estava passando por um período de desânimo e angústia e pediam-me que orasse por ele. Sua fé levantou-lhe o ânimo e deu-lhe forças para enfrentar as novas provações. A carta de 25 de março de 1962 foi ainda mais triste. Foi escrita por sua mãe, D. Anésia. A situação se agravava e os médicos recomendavam uma viagem a Boston, para consultar um grande especialista que talvez pudesse salvar-lhe a vista esquerda. A viagem se concretizou mas a primeira notícia de Boston foi desanimadora. Nada se podia fazer por ele. A segunda foi mais alegre, pois Paulo Marcos havia ganho uma bolsa para a “Perkins Scholl for the Blind”, escola caríssima, onde estudaria órgão, piano, regência, composição, harmonia, Braile para Música e Braile para Matemática. O professor de órgão era cego e muito ajudou Paulo Marcos.
Em pouco tempo reconheceram seu talento e seu valor, e os professores e diretores não mediram esforços para ajudá-lo. Progredia rapidamente em todas as matérias, pensando a cada instante em como poder aplicar aqui no Brasil os ensinamentos que recebia, para ajudar tantos brasileiros cegos. Foi o primeiro aluno a receber a chave do órgão de tubos (5 teclados) e a permissão de estudar nele, à noite.
Paulo Marcos estava no auge do sucesso, dando concertos, participando de vários coros, vivendo intensamente o ambiente musical desenvolvido em Boston. Seus concertos arrancavam aplausos dos mais exigentes críticos e lágrimas dos mais sensíveis. Não era fácil preparar um concerto lendo nota por nota através dos dedos, mas ele dava graças a Deus pelo sistema Braile. Sua memória sempre fora prodigiosa, mas agora havia se desenvolvido de maneira assombrosa.
1963, mais cartas datilografadas. Estas cartas são tesouros, documentos de fé, coragem, altruísmo tão maravilhosos, que deveriam ser transcritas na íntegra. Numa delas há um trecho que preciso registrar suas impressões das famosas Withe Mountains em New Hampshire – “Você pode fazer um quadro geral do que eu vi (ele estava quase totalmente cego nessa época, julho de 1963): a primavera chegando e trazendo às plantas queimadas de frio uma nova vida; tudo era de um verde muito claro, quase branco. Em cada curva do nosso caminho encontrávamos um lago, geralmente cercado de pinheiros: cabanas de madeira muito rústicas: ao fundo as montanhas com os picos cobertos de neve. O dia estava ensolarado, mas tivéramos na noite anterior um “storm” de neve e naquela manhã tudo amanheceu como que coberto por um manto branco! A beleza disto é simplesmente indescritível. Não posso mesmo saber como é que depois de ver coisas como estas ainda há pessoas neste mundo que não acreditam em Deus”. Paulo Marcos se impressionou muito com o ateísmo que encontrou em alguns lugares.
A bolsa findou, e na metade teve que regressar ao Brasil, com a promessa de ser recebido novamente no Perkins, caso pudesse voltar aos Estados Unidos. Paulo Marcos deu vários concertos, audições e assumiu a direção do ensino de música no “Instituto Metodista”. Mais lutas e dificuldades, nova ambientação de um código musical Braile, com a ajuda da fiel amiga de tantos anos, D. Winnie. Mas a cada dia a sua saúde piorava. Ganhou um órgão eletrônico que foi instalado na sala de sua casa, mas só pode tocar três vezes, e com imensa alegria. Foi hospitalizado três vezes, venceu as duas primeiras crises, mas seu coração não resistiu à última. Poucos dias antes do seu 24º aniversário, o Senhor o levou.
Dias depois D. Anésia escreve: “Graças a Deus não sofreu grande dor…todos os recursos humanos foram empregados, mas Deus achou por bem chama-lo à Sua presença.” Junto com a carta, a ser realizado no dia do seu aniversário, onde está escrito: “O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.” (Jó 1:21)
“Publicado originalmente em: Louvor Perene nº 56 – Janeiro, Fevereiro e Março de 1974”
© 1974 de Ruy Wanderley – Usado com permissão
Fotografia enviada pelo Colaborador Ruy Wanderley
Linda história de vida de Paulo Marcos Toffolo Ayres, que hoje, tomo como exemplo de uma vida dedicada à música e a Deus. Gostaria de ter a força deste rapaz que foi para o Senhor, quando ainda nem era nascido. Parabéns a quem escreveu este resumo da sua biografica e mais ainda, quem teve o privilégio de aproveitar da sua convivência.
Linda história de vida de Paulo Marcos Toffolo Ayres, que hoje, tomo como exemplo de uma vida dedicada à música e a Deus. Gostaria de ter a força deste rapaz que foi para o Senhor, quando ainda nem era nascido. Parabéns a quem escreveu este resumo da sua biografica e mais ainda, quem teve o privilégio de aproveitar da sua convivência.
Quero aqui deixar a minha gratidão, por pessoas como Paulo Marco, que deixou exemplo de dedicação e amor pelo que faz mesmo sabendo que seus dias era pouco aqui na terra. Que possamos aprender com esta lição de vida.
Quero aqui deixar a minha gratidão, por pessoas como Paulo Marco, que deixou exemplo de dedicação e amor pelo que faz mesmo sabendo que seus dias era pouco aqui na terra. Que possamos aprender com esta lição de vida.