A Teologia e a Música num canto da Igreja – Rolando de Nassau

(Dedicado à leitora Rute Salviano Almeida, de Campinas, SP)

As igrejas evangélicas, no século 19, quando foram fundadas, usaram a coleção “Salmos e Hinos” (1861), que refletia a teologia arminiana e o puritanismo praticado pelo casal Sarah e Robert Kalley no seio da denominação congregacionalista.

No século atual, além dessas correntes teológicas, há outras tendências, como a da Teologia da Libertação, e a dos cânticos contemporâneos, difundidos pelos sofisticados meios de comunicação.

Entre 1975 e 2006, as denominações tradicionais adotaram novos hinários: “Salmos e Hinos” (1975, congregacionalista), “Hinário Luterano” (1986, luterana de origem norte-americana), “Hinário para o Culto Cristão” (1990, batista), “Novo Cântico” (1991, presbiteriana), “Harpa Cristã” (1992, pentecostal), “Hinário Adventista do Sétimo Dia” (1996, adventista do sétimo dia), “Hinos do Povo de Deus” (2001, luterana de origem alemã) e “Cantai todos os povos” (2006, presbiteriana independente), mas conservaram os rudimentos teológicos trazidos pelos missionários europeus e norte-americanos.

Os hinos da Igreja Luterana, especialmente na Alemanha, produzidos por hinógrafos protestantes e reformados, passaram por dois períodos críticos:

1) a Reforma (século 16), quando os teólogos (luteranos, calvinistas e anglicanos) procuraram influenciar os hinógrafos, fazendo-os refletir sobre a espiritualidade;

2) o Pietismo (século 17), em que alguns teólogos contemporâneos de J. S. Bach afirmaram a superioridade da fé-piedade sobre a razão-ortodoxia.

Na Reforma, os hinos de Martin Luther e Johann Walter enfatizaram a coragem na luta e a confiança em Deus; no Pietismo, os sermões de Philipp Spener e os hinos de Joachim Neander valorizaram o amor a Jesus e o relacionamento pessoal com Deus. Demonstrando sua preocupação com a educação religiosa, os líderes alemães colocaram em seu hinário oficial (“Evangelisches Gesangbuch”, 1994) parâmetros doutrinários para os fiéis.

Nos hinários editados no Brasil os hinos são selecionados de acordo com os documentos confessionais.

O “Hinário Luterano” (1986), da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, contém vários documentos: aConfissão de Augsburgo (em 1530, uma profissão de fé cristã segundoa interpretação de príncipes protestantes), o Decálogo, o Credo Apostólico, o Pai-Nosso, os Sacramentos, o Credo Atanasiano e o CatecismoMenor de Lutero. Este hinário está comprometido com a Teologia e a Liturgia.

Igualmente,“Hinos do Povo de Deus”, da I.E. de Confissão Luterana no Brasil; contém 306 hinos (de 1981), mais 186 hinos (de 2001).

Essa obra poético-musical deve levar o crente à santificação do seu tempo, em todos os dias, não somente nos domingos, e à comemoração das festas eclesiásticas (Advento, Natal, Epifania, Paixão, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes), no decorrer do ano.

Leonhard Creutzberg, ex-pastor da Comunidade de Brasília, participou da comissão de seleção de novos hinos, que “expressassem conteúdos centrais da fé”.

Manoel da Silveira Porto Filho, escrevendo a respeito da teologia de “Salmos e Hinos”, ressaltou a sua característica dignidade, “sóbria e reverente, quer na música quer na mensagem”, que “purifica o cantar, de tudo o que é sensual nas atitudes e conotações que o cântico possa conter” (ver: Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Salmos e Hinos – sua origem e desenvolvimento, pp. 71-75. Rio de Janeiro: Igreja Evangélica Fluminense, 1983). A Teologia está presente nas letras e a Música Sacra é sentida nas melodias.

Prefaciando o “Hinário para o Culto Cristão”, Joan Larie Sutton afirmou que o HCC refletiria quem são e onde estão os Batistas do Brasil, e que medirá, com o passar do tempo, a sua estatura espiritual. Passada uma geração (1990-2015), é oportuno medir a estatura da Denominação quanto à espiritualidade de sua música. Nosso hinário é usado sem preocupação com a Teologia. O culto numa igreja batista não obedece a uma liturgia. Os hinos são escolhidos pelo pastor ou pelo ministro de música, tendo em vista o tema do sermão ou o evento da Igreja ou da Denominação a ser comemorado.

Jerônimo Gueiros, em 1942, lembrou que a intenção do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil era leva-la a “cantar com mais convicção, e fidelidade às doutrinas bíblicas”.

Em 1988, a revisão do projeto de um novo hinário presbiteriano coube ao musicólogo Ruy Carlos Bizarro Wanderley. Depois de 50 anos, o “Novo Cântico” veio para “enfatizar os ensinamentos bíblicos e as doutrinas da Igreja”.

José Wellington Bezerra da Costa, prefaciando a “Harpa Cristã” (1992), destacou “duas coisas essenciais que um hino evangélico deve conter: mensagem bíblica e conforto espiritual”. Os Pentecostais, normalmente identificados com o Arminianismo, talvez estejam observando o crescente Calvinismo nas Assembleias de Deus.

No tocante à teologia do “Hinário Adventista do Sétimo Dia”, sentimos falta dos conselhos escritos por Ellen Gould White. Seria interessante a transcrição de itens das compilações feitas por Irineu  Koch e Daniel Oscar Plenc. Na Introdução do hinário “Cantai todos os povos”, Ismael Gomes Júnior advertiu que, além dos hinos tradicionais, foram inseridos cânticos contemporâneos, o que tornou necessária uma “seleção cuidadosa”. O hinógrafo João Wilson Faustini serviu como revisor geral da 2ª. edição (2006) deste hinário. Calvino baseou-se na liturgia de Estrasburgo (OJB, 01 nov 2009). Os Presbiterianos Independentes são muito ciosos da moldura litúrgica que deve envolver a execução musical. Apreciamos o programa da gravação, em 03 de maio de 2008, no templo da Igreja Presbiteriana “Jardim das Oliveiras”, do DVD “Exultai! Vinde todos louvar!” pelo Coro Evangélico de São Paulo. O programa se processou dentro de severa liturgia, muito diferente de cultos em igrejas para lançamento de discos musicais, em ambientes de irreverente mercantilismo (OJB, 05 jul2009).

Atualmente, há dificuldade de encontrar identidade teológica e doutrinária no canto de certas igrejas, notadamente nas que abandonaram o uso dos hinários oficiais. Entretanto, é fácil a comunicação simpática entre os cultuantes; eles cantam os cânticos contemporâneos costumeiros, mesmo que pertençam a igrejas de denominações e orientações teológicas diferentes. Em alguns casos, a teologia e a música foram deixadas num canto obscuro da igreja …

Rolando de Nassau

“Publicado originalmente em “O Jornal Batista”, 06 Dez. 2015”
Doc. JB-816ª
© Rolando de Nassau – Usado com permissão

 

 

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2 Resultados

  1. Jônatas Fernandes disse:

    Quão bom é ter um hinário e saber usá-lo! Menos exibicionismo vocal e instrumental e mais paz de alma.
    Deus o abençoe Rolando de Nassau, artigos como este enobrecem e clareiam a nossa música cristã!

  2. Jônatas Fernandes disse:

    Quão bom é ter um hinário e saber usá-lo! Menos exibicionismo vocal e instrumental e mais paz de alma.
    Deus o abençoe Rolando de Nassau, artigos como este enobrecem e clareiam a nossa música cristã!

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