Bicentenário do nascimento de Sarah Poulton Kalley (1825-2025) – Uma revisão histórica – Douglas Nassif

BICENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE SARAH POULTON KALLEY (1825 / 2025) – UMA REVISÃO HISTÓRICA

Douglas Nassif Cardoso[1]

INTRODUÇÃO

Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram. (Hb 13: 7)

Este artigo tem como propósito compartilhar o percurso do autor nas linhas de pesquisa realizadas sobre a vida e obra de Sarah Poulton Kalley, denominada a partir de agora como Sarah. Ao revisitar sua história, buscamos resgatar o papel fundamental que esta missionária inglesa desempenhou na disseminação do protestantismo de missão por mais de meio século no Brasil. A oportunidade deste estudo se dá na passagem do Bicentenário de seu nascimento, de 1825 a 2025, um marco significativo que nos leva a refletir sobre seu legado e a profundidade de sua contribuição.

Este artigo apresentará os livros publicados a partir das investigações realizadas sobre Sarah, acompanhados de uma biografia que ilumina sua vida e suas obras. Além disso, serão reveladas informações inéditas que surgiram ao longo da pesquisa, atualizando as fontes e enriquecendo os dados previamente conhecidos.

A figura de Sarah chamou nossa atenção durante a pesquisa sobre a inserção do protestantismo de missão no Brasil, especialmente ao estudarmos a vida e a obra de seu esposo, o médico-missionário escocês Robert Reid Kalley, a partir de agora denominado Kalley. Naquele momento, as informações disponíveis sobre Sarah se limitavam a ser esposa de Kalley e autora de hinos, incluindo o hinário Salmos & Hinos[2]. Havia um silêncio profundo sobre a atuação das mulheres em geral, e de Sarah, em particular. Sua discrição, evidenciada pelo fato de assinar seus hinos com a letra “K”, inspirou nosso primeiro artigo: “A Mulher Atrás da Letra K[3].

Impulsionados pela necessidade de dar visibilidade a Sarah, cuja contribuição era amplamente desconhecida, iniciamos a busca por biografias após concluir a pesquisa sobre Kalley. No entanto, encontramos apenas algumas citações esparsas em livros acadêmicos e nenhuma biografia nos bancos de teses e dissertações.

Na produção historiográfica das igrejas kalleyanas, descendentes dos esforços missionários dos Kalley, o texto principal é a coleção de quatro volumes Lembranças do Passado[4], de João Gomes da Rocha, herdeiro dos arquivos dos Kalley. A intenção de Rocha foi “completar a narrativa oficial” sobre o trabalho pastoral de Kalley. Sarah acaba sendo mencionada de maneira episódica, descrita como “consagrada esposa e colaboradora do Dr. Kalley“. Contudo, é notável que não há qualquer referência ao período de quase 20 anos após a morte de Kalley, deixando de lado o legado e contribuições de Sarah durante esse tempo.

Encontramos três textos biográficos principais sobre Sarah. O primeiro é o livro Esboço Histórico da Escola Dominical da Igreja Evangélica Fluminense[5], de 1932, que apresenta um breve histórico de ministros, presbíteros, diáconos e membros, dedicando três páginas à biografia de Sarah. O segundo é Heróis da Fé Congregacionais[6], de Ismael da Silva Júnior, de 1972, que dedica apenas sete das suas 79 páginas à biografia de Sarah, embora busque apresentar a trajetória do casal Kalley. Por fim, encontramos um excelente artigo na Revista Vida Cristã, número 180, de 1998, escrito por Esther Marques Monteiro, intitulado “Um Retrato de Mulher[7], que se estende por cinco páginas, oferecendo uma visão mais profunda sobre sua vida e legado.

Diante da escassez de fontes sobre Sarah, adotamos uma abordagem metodológica diversificada, envolvendo a história das mulheres, a história vista de baixo, biografias comparadas, micro-história e a hermenêutica da suspeita. Essa estratégia nos levou à descoberta de novas fontes, como diários, fotos, cartas e fragmentos de anotações de Sarah e seus familiares. Essas novas evidências possibilitaram o surgimento de questões inéditas, enriquecendo nossa análise ao considerar os contextos político, econômico, social, cultural e teológico que influenciaram a vida dessa pioneira do protestantismo de missão.

A pesquisa sobre Sarah foi estruturada em três eixos principais. O primeiro é uma biografia detalhada da missionária inglesa, publicada sob o título Sarah Kalley: Missionária Pioneira na Evangelização do Brasil[8], com 264 páginas. O segundo eixo, Convertendo Através da Música – A História de Salmos & Hinos[9], com 108 páginas, foca na formação do hinário de Sarah, explorando a teologia e a prática do culto nos primórdios do protestantismo missionário no Brasil.

O último eixo da pesquisa baseia-se em uma carta enviada ao casal Kalley por João Manoel Gonçalves dos Santos, pastor brasileiro que sucedeu Kalley no final de 1880. Na carta, João Santos informava que o livro de Sarah, Alegria da Casa (1866), havia sido aprovado como literatura paradidática para as escolas do Império do Brasil.

Casal Kalley

Encontrar esse texto representou um grande desafio, pois ficou esquecido tanto na academia quanto nas igrejas descendentes por mais de um século. Localizamos o texto publicado no jornal O Cristão, nos anos de 1903 e 1904, em capítulos.O resultado dessa pesquisa foi publicado sob o título Cotidiano Feminino no 2º Império[10], com 103 páginas, no qual Sarah compartilha sua visão sobre o papel da mulher na sociedade, fundamentada na ética protestante de origem puritana.

Como resultado de nossas pesquisas Sarah emergiu como uma mulher que, de forma consciente, desafiava os limites do papel social feminino imposto pela sociedade, tornando-se uma figura histórica significativa e uma propagadora do protestantismo e dos valores puritanos.

Durante o desenvolvimento de nossa pesquisa, nos dedicamos a encontrar poemas de Sarah que não estivessem incluídos em seu hinário (Salmos & Hinos). Notamos com interesse o período que se seguiu à criação do último hino da missionária inglesa, em 1888. Nas duas décadas seguintes, até 1907, não houve a divulgação de novos hinos no Brasil. Assim, procuramos identificar outros poemas ou hinos que pudessem ter sido produzidos durante esse intervalo de silêncio.

Nossos contatos, tanto no Brasil quanto na Inglaterra, não tinham conhecimento da existência de outros poemas ou hinos até que encontramos o livro “A Happy New Year: 1908”[11], uma coleção de 16 poemas de Sarah, organizada por Silvana Azara Kalley, mais conhecida como Sia Kalley, filha adotiva dos Kalley, por ocasião do falecimento da missionária para distribuir entre familiares e amigos. Preparamos a publicação dessa coleção de poemas inéditos de Sarah[12] sob o título “Poemas Perdidos – Uma Antologia do Início do Protestantismo no Brasil[13], que conta com 51 páginas.

O versículo de Hebreus 13:7, com que abrimos esse artigo, nos convida a recordar aqueles que nos precederam na fé, e este artigo tem como objetivo relembrar a história de Sarah, uma líder que, por 52 anos, apoiou a evangelização no Brasil e o preparo de líderes eclesiásticos nas regiões Sudeste e Nordeste. Revisitar sua história é como folhear um álbum de família, onde cada página revela lembranças e permitem novas ênfases e significados.

Sarah Kalley (Exclusivo HC)

DAS ORIGENS DE SARAH AO CASAMENTO COM ROBERT REID KALLEY

Sarah Poulton Kalley nasceu no dia 25 de maio de 1825 em Nottingham, Inglaterra, era filha de William Wilson (1801-1866) e Sarah Poulton Morley (1802-1825). Sua família materna – Morley – descendia dos huguenotes, cristãos reformados franceses dos séculos 16 e 17. Com a perseguição dos huguenotes na França os ancestrais maternos de Sarah refugiaram-se na Inglaterra, em Sneiton, subúrbio da cidade de Nottingham, unindo-se à Igreja Congregacional, identificando-se com tradição puritana e não-conformista.

Inicialmente a família Morley dedicava-se a atividades na fazenda e a criação de ovelhas, posteriormente tornaram-se industriais têxteis. A família Morley forneceu representantes ao Parlamento Britânico de forma ininterrupta por quase um século, com três bases eleitorais: Nottingham, Londres e Bristol, tornando-se uma das mais poderosas famílias da Inglaterra.

Sua família paterna – Wilson – era de origem inglesa, tradicional puritana e não-conformista, também ligada à Igreja Congregacional. A família Wilson também residia na cidade de Nottingham e faziam parte da Igreja Congregacional, portanto, de tradição puritana e não conformista. O pai de Sarah, William Wilson, era um industrial têxtil e atuou na parte política de sua cidade exercendo o cargo de prefeito. As famílias Morley e Wilson se associaram no empreendimento têxtil, tornando-se a maior empresa desse campo na Inglaterra, com mais de 8.000 empregados.

Nos arquivos do condado de Nottingham, foi encontrada uma interessante referência a William Wilson, descrito como “Empresário, Benfeitor Social e Abolicionista[14]. Embora sua atuação como empresário e filantropo, seguindo a doutrina cristã e puritana, seja conhecida, essa é a primeira menção às suas atividades abolicionistas. Um documento adicional revela que ele foi presidente do “Comitê Antiescravista de Nottingham”.

Sarah, portanto, religiosamente procedente de duas famílias puritanas, não-conformistas, membros da Igreja Congregacional e, socialmente, descendentes de ricos industriais têxteis e influentes políticos do Parlamento, eram classificados como da classe gentleman, pessoas de posses, mas sem títulos aristocráticos. Pouco tempo após seu nascimento, quatro dias, a pequena Sarah sofreu a perda de sua mãe, indo morar com a família Morley, na “Casa das Águias”, em Hackney, Londres[15], ficando aos cuidados de sua avó, Sarah Poulton Morley (1769-1848) e de suas tias Mary (1804-1851) e Elisabeth Morley (1806-1836). Alternava periodicamente sua residência, passando parte do tempo na casa de seu pai em Nottingham. Seu pai contraiu novas núpcias com Elisa Read Wilson, com quem teve sete filhos: Cecil, Mary, Henry, Rebekah, Kitty, John e Gertrude.

Sarah recebeu aprimorada educação com ênfase na parte artística, tornando-se exímia pianista, pintora e poetisa. Destaque especial à música no cotidiano da infância e adolescência de Sarah na residência dos Morley. Seus tios formavam uma família musical, Samuel no violino, John e William na flauta, Mary e Elizabeth no piano. Com muita liberdade na escolha de hinos e no revezamento nas diferentes formações: duetos, trios, quartetos, quintetos.

Em 1829, Thomas Binney, ministro congregacional e abolicionista, iniciou seu ministério em Londres, reformando a música e a liturgia do culto. Ele rompeu com a tradição calvinista e escocesa, que permitia apenas o cântico de salmos metrificados sem piano, e passou a permitir hinos nos cultos, abrindo espaço para diversas participações.

Desde pequena Sarah participou deste ambiente musical criativo, tanto na família como na igreja, compreendendo a importância do preparo e aprendendo a gostar de música e dos arranjos produzidos através dos diversos grupos da família. O acompanhamento constante de suas tias Mary e Elizabeth, que além da atenção que lhe dispensavam, lideravam os ensaios da família, serviam de influência e modelo de ação para a futura compositora e musicista.

Em sua adolescência, seguindo costume da época, ingressou aos dez anos no Boarding School of Girls in Camberwell, escola de rígidos princípios puritanos, localizada na cidade de Clapham, ao sul de Londres, permanecendo até completar dezesseis anos . Seu desenvolvimento acadêmico sempre foi excelente, especializando-se no estudo de idiomas, tornando-se especialista nas línguas francesa e alemã. Este período permitiu a Sarah um aperfeiçoamento não somente como linguista, mas como pianista e desenhista de paisagens. Posteriormente especializou-se nas pinturas com aquarela.

No início da década de 1840, a família Wilson foi afetada pela tuberculose, atingindo Eliza Wilson, madrasta de Sarah, e dois de seus irmãos. Para tratar seus familiares, William Wilson mudou-se para Torquay, no sul da Inglaterra, em 1841. Sarah, após terminar seus estudos no “Boarding School of Girls in Camberwel”, passou a acompanhar permanentemente a família paterna para ajudá-los.

A família Wilson participaram de forma ativa na Igreja Congregacional de Torquay, formada em 1843. William Wilson construiu a igreja com recursos próprios, inaugurando em 1847 um templo com capacidade para 800 pessoas, no centro da cidade. Desde sua chegada, Sarah assumiu a direção de uma classe de música, sendo responsável pela seleção, ensaio e condução dos hinos nos cultos. Ela também compôs um hino para a inauguração da igreja, que pode ter sido seu primeiro hino utilizado em cultos, embora não tenha sido possível localizar essa composição.

William Wilson, pai de Sarah, tornou-se superintendente da escola dominical e confiou a ela uma classe de adolescentes. Para ajudar na formação dos jovens que trabalhavam durante o dia, Sarah iniciou e dirigiu um curso noturno de conhecimentos gerais, com a aprovação de seu pai, no prédio da igreja. Esse ato foi extraordinário, considerando o rigor da tradição puritana e da sociedade vitoriana. Entre seus alunos estava William Deatron Pitt (1828-1870), que seguiu Sarah em seu ministério nos Estados Unidos e no Brasil, tornando-se o segundo pastor ordenado pela Igreja Presbiteriana do Brasil.

Sarah também se destacou na área de missões, sendo influenciada pelas famílias Morley e Wilson, o que a levou a conhecer diversos missionários e agências. Sempre atenta aos projetos missionários nacionais e internacionais, ela criou uma oficina de costura para senhoras, com o objetivo de ensinar o ofício e, com a produção de roupas, apoiar os campos de missão.

Embora não se saiba a data exata da chegada de Sarah a Torquay, estima-se que tenha ocorrido entre 1842 e 1846, quando ela tinha entre 17 e 21 anos. Mesmo tão jovem, Sarah demonstrava grande responsabilidade e criatividade em sua atuação nos diferentes ministérios, como música, escola dominical, cursos noturnos, oficina de costura e contato com missões nacionais e internacionais. A influência de seu pai, William Wilson, permitia-lhe experiências pouco comuns para uma mulher da sociedade vitoriana, quebrando padrões e desafiando o papel tradicional da mulher na cultura puritana da época, afinal, ela era a “Miss Wilson”.

Sarah, assim como seu tio John Morley, que se afastou da tradição congregacionalista e aderiu ao movimento dos Irmãos de Plymouth, ficou desapontada com a falta de espiritualidade e o materialismo em sua igreja. Ela não era rebelde, mas buscava uma experiência mais profunda de fé para servir a Deus de forma integral, sem depender de tradições religiosas ou culturais. Embora o Darbismo, seguido por seu tio, valorizasse o sacerdócio universal dos crentes e a ação do Espírito Santo, ele limitava a participação feminina, o que não atendia completamente às aspirações de Sarah.

Em 1851, Cecil Wilson, irmão de Sarah, adoeceu de tuberculose no Egito e, sem melhora, foi encaminhado para Shemlan, no Líbano, conhecido por seu clima favorável ao tratamento. Em 22 de abril de 1852, William Wilson, acompanhado dos filhos Henry e Sarah, partiu de Torquay para Beirute, chegando em 22 de maio. Durante a viagem, Sarah compartilhou com seu pai sobre o trabalho missionário do Rev. William Hepburn Hewitson, que, após sofrer perseguições na Ilha da Madeira, havia sido expulso, assim como o médico-missionário Kalley e seus discípulos.

Em Beirute, os Wilson souberam que Kalley estava em Shemlan desde 1850, quando buscou tratamento para sua esposa, Margareth, que faleceu em 15 de setembro de 1851. Devido à reputação de Kalley como médico, William Wilson solicitou que ele examinasse seu filho Cecil em 25 de maio de 1852. Diante da gravidade do caso, Kalley recomendou que Cecil retornasse à Inglaterra, onde faleceu em 17 de agosto de 1852.

Kalley, que tinha data marcada para retornar à Escócia, coincidiu com o retorno da família Wilson à Inglaterra. Prontamente, ele se ofereceu para acompanhá-los e cuidar de Cecil durante a viagem. Esse tempo juntos aproximou Sarah e Kalley, e ao chegarem na Inglaterra, começaram a se corresponder. Posteriormente, Kalley visitou Sarah em Torquay, oficializando o relacionamento. No dia 14 de dezembro de 1852, Sarah e Kalley se casaram na Igreja Congregacional de Torquay.

Durante o noivado, Sarah e Kalley passaram a estudar profundamente doutrinas polêmicas, o que, segundo John Wilson, irmão mais novo de Sarah, gerou grandes mudanças em sua atitude. Sarah se impressionou com o modelo de ministério de Kalley, baseado em uma fé pessoal e radical, focada em servir a Deus com integridade no cotidiano, sem se apegar a denominações ou tradições, valorizando o culto doméstico e a obra filantrópica. Essa abordagem impactou tanto Sarah que ela decidiu unir sua vida e missão a Kalley por meio do casamento.

O PRIMEIRO PROJETO MISSIONÁRIO CONJUNTO

Após alguns meses de casados, em 19 de março de 1853, o casal partiu em uma viagem com destino aos Estados Unidos. Durante a viagem, passaram discretamente pela Ilha da Madeira, onde visitaram alguns dos discípulos de Kalley, remanescentes da perseguição de 1846. Em seguida, seguiram para Trinidad, onde o Rev. Henrique Vieira, antigo cooperador de Kalley na Ilha da Madeira, pastoreava a St. Ann’s Church of Scotland, ligada à missão da Free Church of Scotland  (Igreja Livre da Escócia). A Free Church havia auxiliado no assentamento dos madeirenses exilados entre 1846 e 1847. Com o tempo, a chegada de mais imigrantes fez surgir uma escassez de oportunidades de trabalho na região.

Em 1849, a Sociedade Protestante Americana conseguiu facilitar a imigração para os Estados Unidos, e cerca de 700 madeirenses foram acolhidos pelas igrejas presbiterianas de Springfield e Jacksonville, em Illinois, entre maio e julho. Quando ocorreu o deslocamento dos madeirenses aos Estados Unidos, a Free Church continuou auxiliando, desde o Presbitério de Glasgow, arcando com toda a logística da implantação das igrejas até uma posterior passagem de seus membros à Igreja Presbiteriana Americana, respectivamente os Presbitérios de Jacksonville e Springfield. Kalley acompanhou esse processo de imigração à distância, organizando o envio de doações pessoais e de patrocinadores da Grã-Bretanha e de outros lugares onde tinha influência.

O casal seguiu para os Estados Unidos, desembarcando em 1º de abril de 1853, na cidade de Boston. Durante a viagem, estabeleceram contato com diversos líderes religiosos e grupos missionários, buscando patrocinadores para ajudar os exilados madeirenses. Atuando como gestores independentes da missão, sem representar nenhuma entidade ou denominação específica, o projeto foi bem-sucedido, e ainda em 1853, mais três navios com refugiados que estavam em Trinidad chegaram a Nova York.

Durante mais de dois meses, Sarah e Kalley se empenharam em estabelecer parcerias com diversas igrejas, associações e organizações filantrópicas em Boston, Washington e Nova York, com o objetivo de acolher os exilados madeirenses. Elas aproveitaram a oportunidade para conhecer as cidades e seus locais históricos.

Sarah anotou em seu diário o interesse especial de Kalley por duas figuras importantes do 1º Grande Avivamento Americano do século 18: George Whitefield, o renomado pregador metodista calvinista, cujo memorial visitaram, onde Kalley se sentou na cadeira em que ele faleceu, e Jonathan Edwards, considerado um dos maiores teólogos e avivalistas de sua época, cujo túmulo em Princeton também foi visitado. Durante essas visitas, Sarah fez desenhos em seu diário.

Os contatos estabelecidos com as Sociedades Bíblicas possibilitaram a utilização de materiais para o futuro ministério do casal, além de conhecerem agências para indicar membros das igrejas que fundaram para colaborar com as missões. Da mesma forma, as interações com Sociedades Missionárias e de Literatura Cristã abriram portas para futuras estratégias de evangelização e colportagem. Concluída essa fase de contatos, Sarah e Kalley seguiram para Illinois, onde estavam os refugiados madeirenses, que era o objetivo principal da viagem.

A CHEGADA EM ILLINOIS – O ENCONTRO COM OS EXILADOS MADEIRENSES

Durante o período de 1853 a 1854, Sarah dedicou-se intensamente a ministérios nas áreas de ensino, música e aconselhamento. Seu modelo pedagógico era semelhante ao início da Escola Dominical na Inglaterra, com o objetivo de transformar a situação socioeconômica das pessoas que atendia por meio da educação. Para isso, ela alfabetizou adultos, especialmente homens com mais de quarenta anos, buscando proporcionar dignidade e plena cidadania a eles.

Além da alfabetização, Sarah também ensinou inglês para aqueles que já estavam alfabetizados, ajudando-os a se integrar melhor à nova cultura que os recebia. Em dias alternados, conduziu aulas para mulheres, adolescentes e jovens, atendendo às necessidades específicas de cada grupo. Sua atuação abrangia tanto o ensino bíblico quanto disciplinas seculares. Na área musical, Sarah ensinava piano e liderava os hinos da congregação.

Sarah não se limitava apenas ao ministério de música; ela atuava em diversas áreas conforme necessário. Além de desempenhar várias funções, oferecia aconselhamento às mulheres de Springfield e Jacksonville, destacando-se como líder nas igrejas de Illinois. Sua postura era complexa: aceitava questões de gênero e submissão, sendo vista como a auxiliadora de Kalley, mas também se mostrava criativa e original, ensinando a Bíblia, liderando aulas de música e oferecendo aconselhamento a homens e mulheres.

O período que Sarah e Kalley passaram em Illinois foi extremamente proveitoso. Durante esse tempo, tiveram a oportunidade de se conhecer em ação, enfrentando juntos as novas questões que surgiam no cotidiano. Algumas preocupações comuns se destacam entre eles: Kalley, em todos os ministérios que desenvolveu, realizava obras sociais, aproveitando sua formação farmacêutica e médica.

Sarah, por sua vez, dedicava-se a capacitar pessoas de todas as faixas etárias por meio do ensino, que abrangia não apenas a Bíblia, mas também conhecimentos gerais. Juntos, Sarah e Kalley investiam na alfabetização e no incentivo à leitura bíblica de seus discípulos, com objetivos claros de catequese e evangelização. Sarah também ensinava diversas artes, como música, canto, piano e pintura.

Um ponto fundamental a ser ressaltado é o respeito que Kalley demonstrou pelas opiniões de Sarah em todos os materiais pesquisados. Essa visão e liberdade proporcionaram à missionária inglesa a oportunidade de desenvolver um ministério criativo e inovador, sem restrições ou interferências.

Ao chegarem a Illinois, Sarah e Kalley tinham o objetivo de fortalecer a fé dos madeirenses e inspirá-los a se envolver no ministério de missões, especialmente com povos de língua portuguesa. O casal se dedicou a ajudar os imigrantes a se adaptarem à nova vida, desafiando-os a descobrir e abraçar seu propósito em uma terra desconhecida.

Em 1853, enquanto Kalley e Sarah chegavam a Illinois, a Sociedade Bíblica de Nova York propôs enviar madeirenses ao Rio de Janeiro para um trabalho de colportagem. Kalley recusou a proposta em novembro, discordando dos métodos das sociedades missionárias, especialmente o uso de propaganda, que ele via como prejudicial, influenciado pela experiência de sua prisão na Ilha da Madeira após a divulgação de relatórios sobre seu ministério.

Durante sua estadia nos Estados Unidos, Sarah e Kalley se depararam com o livro Sketches of Residence and Travel in Brazil, de Daniel Parish Kidder. A obra descrevia o Brasil como um país espiritualmente carente e uma visão otimista das condições no Rio de Janeiro ainda fora do alcance do movimento missionário protestante. Profundamente impactados pela leitura, começaram a direcionar sua visão para o Brasil, especialmente após receberem novos apelos da Sociedade Bíblica Americana, em janeiro e junho de 1854.

Após sua visita à América do Norte, Kalley expressou em uma carta o impacto profundo que a situação espiritual do Brasil causou nele. Ele ficou impressionado com a “deplorável escassez espiritual” do país, destacando sua vasta extensão e o fato de o idioma ser o português. Kalley acreditava que o conhecimento da língua e da cultura madeirense o capacitaria a realizar um trabalho evangelístico bem-sucedido no Brasil.

No final de 1854, Sarah e Kalley retornaram à Inglaterra. Em 24 de janeiro de 1855, Kalley escreveu aos madeirenses de Illinois, pedindo orações para que Deus lhes mostrasse onde deveriam servir. Ele expressou a esperança de trabalhar entre portugueses, onde a Bíblia e o Evangelho eram escassos, e sugeriu que os madeirenses poderiam se envolver nesse ministério com alegria. A carta refletia o desejo do casal de realizar missões em um campo pioneiro, longe das áreas já alcançadas.

Nos meses seguintes, Sarah e Kalley refletiram sobre suas opções e decidiram que o Brasil seria seu próximo campo missionário. Reconheceram a necessidade urgente de pregadores e a falta de conhecimento bíblico no país. Com o conhecimento da língua portuguesa adquirido na Madeira eles se sentiram chamados para esse trabalho.

Com essa decisão definida, em 9 de abril de 1855, Sarah e Kalley embarcaram no navio Great Western, partindo de Southampton com destino ao Rio de Janeiro. Embora a jornada fosse desafiadora, eles estavam cheios de esperança e determinação para enfrentar o desafio que os aguardava.

SARAH E SEUS MINISTÉRIOS NO BRASIL

Ao chegarem ao Brasil tentaram se estabelecer na capital do Império e seguir informações do livro de Daniel Parish Kidder, entretanto não conseguiram, pois encontraram uma cidade epidêmica. Após algumas buscas, a cidade de Petrópolis, com clima e população que lembrava a Europa, se tornou um marco significativo na vida e ministério do casal Kalley.

As deficiências educacionais da cidade eram evidentes, e Sarah rapidamente percebeu essa carência. Com sua especialização em ensino, ela não só iniciou o ministério de Escola Dominical, como também implementou a música como uma tática para atrair os jovens, ensinando-os a cantar. Mesmo antes de se instalar na casa chamada Gernheim, ela já havia dado início a esse trabalho, que se tornaria uma das suas principais atividades na cidade.

Sarah não se limitava ao papel passivo de esposa de missionário; ela se envolvia ativamente nas questões sociais e religiosas da cidade. Sua presença e atuação foram tão impactantes que, durante o cerco das autoridades e da Igreja Católica a Kalley, em 1859, o Presidente da Província do Rio de Janeiro a mencionou nominalmente em uma queixa formal apresentada à Legação Britânica. Sua capacidade de iniciativa e autonomia ficou clara também quando ela assumiu a defesa de Kalley perante as autoridades civis.

Em 1860, enquanto Kalley estava doente, Sarah recebeu uma visita inesperada de D. Pedro II e, com naturalidade e dignidade, representou seu marido. Ainda no mesmo ano, ela recebeu a visita da Legação Britânica, acompanhada pelo Príncipe Alfred, quarto filho da Rainha Vitória, em sua casa em Petrópolis, com o objetivo de apoiar o casal Kalley diante de seus adversários. Sarah demonstrou notável habilidade de liderança e postura impecável em momentos de grande relevância.

Entre 1855 e 1864, Sarah concentrou seus esforços em Petrópolis, onde fundou e manteve a Escola Dominical e uma Classe de Música. O projeto inicial dos Kalley era estabelecer uma única igreja no Rio de Janeiro, o que aconteceu em 1858. Com o crescimento da igreja na capital o casal se transferiu para lá, buscando fortalecer o trabalho. Sarah assumiu a liderança da colportagem, uma das principais estratégias evangelísticas da igreja.

A criação da Escola Dominical no Rio de Janeiro logo se tornou uma de suas prioridades. Sarah também fundou uma classe mista para adolescentes e jovens, atendendo às necessidades locais. Além disso, manteve sua correspondência com seus antigos alunos de Petrópolis, continuando a influenciar suas vidas espirituais. Mesmo com sua atuação na colportagem, ela não deixou de se dedicar ao ensino bíblico, mantendo o compromisso com o crescimento espiritual dos novos discípulos.

Em relação ao ministério de pregação, Sarah sempre seguiu os princípios de sua rígida formação puritana, evitando ocupar o púlpito. No entanto, isso não a impedia de escrever sermões para o seu marido, em seus impedimentos devido a saúde. Sua proximidade com os colportores, que na maioria eram presbíteros da igreja, permitiu que ela desempenhasse um papel fundamental na formação deles, orientando-os sobre como responder a questões bíblicas, éticas e morais, além de ensiná-los a pregar nos cultos.

Além de suas atividades como educadora e evangelista, Sarah foi tradutora e compositora de hinos, sendo a organizadora do primeiro hinário protestante editado e impresso no Brasil, “Salmos & Hinos“, lançado em 17 de novembro de 1861. Quando o casal Kalley chegou ao Brasil trazia em sua bagagem exemplares de Salmos & Hinos impressos em Londres. Era composto de 27 Salmos e 64 Hinos, com oito hinos de Kalley e nenhum hino de Sarah. Portanto, o hinário editado em Londres foi o primeiro hinário em português a ser utilizado no Brasil e somente descoberto por Diego G. Farias[16],  em 2014.   

Sarah também se dedicou à tradução de livros, tratados e folhetos, mantendo os colportores bem abastecidos com materiais missionários, apesar de não valorizar particularmente o ministério das traduções. Boa parte das memórias que temos destes tempos são de cartas e diários. Uma nota do início do casamento dos Kalley informa que eles destinavam de dois a três dias por semana para suas correspondências. Encontramos correspondentes com mais de 50 anos de contato com eles.  

Outra contribuição notável de Sarah foi a formação da Sociedade de Senhoras, que representou um avanço significativo para as mulheres protestantes do Rio de Janeiro. Sarah procurava prepará-las para o desenvolvimento de um cotidiano organizado, enfatizando a memorização de textos bíblicos com forte conteúdo ético.

O ministério feminino, que ela liderou, baseava-se na ação silenciosa e discreta, firmada em estilo de trabalho dos Kalley: “O melhor é feito em silêncio”. Um estilo de trabalho muitas vezes incompreendido até mesmo pelos líderes da igreja. Com isso, Sarah rompeu com a tradição luso-brasileira que excluía as mulheres do espaço público, desafiando os papéis sociais de sua época. O silêncio não significava inação e sim estratégia, tática.

Sarah recusava conscientemente o papel limitado que a sociedade brasileira lhe impunha. Por exemplo, ao fundar a “Sociedade de Senhoras”, ela desafiou a norma que proibia as mulheres de saírem desacompanhadas de um homem. Ela poderia estabelecer a sociedade com os homens trazendo suas mulheres para participar, mas isto era para Sarah indigno, daí uma proposta sem alarde, “em silêncio”. Não era uma atitude rebelde ou revolucionária, mas uma exploração dos limites das relações sociais, característica de uma missionária pioneira que enfrentava desafios constantes e adaptava-se a novas situações.

Da mesma forma, suas diversas atividades na igreja, como ensinar a homens, liderar os presbíteros e estabelecer aulas para trabalhadores braçais, indicavam que ela não apenas transgredia os limites sociais impostos pela sociedade brasileira, mas também pelos padrões de sua terra natal, a Inglaterra.

No último volume de Lembranças do Passado, de João Gomes da Rocha, Sarah aparece com inúmeras tarefas: escrevendo cartas, traduzindo textos para publicação, preparando hinos, ajudando Kalley na produção de cópias das cartas que emitia e se preparando para as aulas que lecionava (Escola Dominical e Classe de Música). Rocha também assinala que Sarah instruía um grupo de mulheres no método dos “Três RRR” (Reading, Righting and Rithmetic), forma jocosa de se referir as três disciplinas fundamentais do ensino básico – leitura, escrita e aritmética – através da distorção na fala (Reading, “Writing” and “Arithmetic”). Havia humor no ensino de Sarah…

O envolvimento de Sarah nas diversas frentes de atividades da igreja a destacava como liderança junto com seu marido. Kalley desde o início de seu ministério tivera problemas com sua saúde[17] e encontrava dificuldades em encontrar um substituto. Para suprir a ausência do pastor, foram eleitos pela igreja, em agosto de 1862, quatro presbíteros: Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim, William Dreaton Pitt e Bernardino Guilherme da Silva.

Durante dez anos, Kalley buscou alternativas para sua substituição, consultando seminários e líderes influentes na América e na Europa, como Dwight Lyman Moody e Charles Haddon Spurgeon. Em 1865, contratou Richard Holden, um pastor experiente que atuou como pastor auxiliar na igreja por seis anos (1865-1871).

Uma nova necessidade de tratamento médico para Kalley, desta vez devido a um problema cardíaco, obrigou o casal a retornar à Europa em dezembro de 1868, com o retorno ocorrendo em julho de 1871, quando Richard Holden concluiu seu período de serviço na igreja. Em 1872, Kalley enviou João Manuel Gonçalves dos Santos ao Colégio de Pastores de seu amigo Spurgeon, onde ele se formou em 1875. Sarah o tratava com carinho, chamando-o de “nosso verdadeiro Timóteo”.

A visão de Kalley para o pastorado era indenominacional, não importava a denominação, segundo suas palavras o que as igrejas necessitam era “um homem cheio de fé e do Espírito Santo, educado, versado na língua portuguesa e hábil em apresentar as palavras divinas, de modo que atraia a atenção dos ouvintes e os leve a humilhar-se sob a poderosa ação do Espírito Santo”.

É interessante observar a visão de Sarah sobre a possibilidade de não encontrarem um substituto para Kalley. Em uma carta enviada à sua tia Lydia Morley, em maio de 1871, ela afirmou: “quanto ao pequeno número dos que vivem aqui na terra, não me surpreenderia se, no final, fossem incorporados à Igreja Presbiteriana – isso, caso tivéssemos que deixá-los por falta de saúde.” Assim, para Sarah, caso não encontrassem um substituto para Kalley, seria possível transferir os membros para a Igreja Presbiteriana, refletindo uma perspectiva indenominacional.

No final do ministério no Brasil, no início de 1874, o casal Kalley deparou com uma necessidade diferente. Um adolescente de 12 anos, João Gomes da Rocha, segundo carta de Sarah para sua tia, “um dos alunos mais adiantados”, teria que interromper seus estudos devido distância da Escola Diária de sua casa. Sarah combinou com os pais do menino, que eram membros da igreja, para abrigá-lo para prosseguir os estudos. A princípio uma situação transitória que, com o passar do tempo e concordância geral, se tornou definitiva com o jovem sendo adotado e seguindo com os Kalley para a Europa, tornando-se pastor e médico-missionário.

Outra situação com poucos registros é a adoção por parte do casal Kalley de Silvana Azara, conhecida como Sia Kalley e já citada em nossa introdução, que ficou órfã com pouco mais de 1 ano. A orfandade materna na infância precoce era experiência comum para Sarah e Kalley. Não sabemos as circunstâncias e as iniciativas no caso de Sia, mas seus pais eram membros da igreja e, possivelmente, o pai buscou orientação com seu pastor por ocasião do falecimento de sua esposa[18].   

Em julho de 1876, 21 anos após sua chegada ao Brasil, o casal Kalley retornou à Europa e se estabeleceu em Edimburgo, na Escócia, congregando na Igreja da Escócia. Mesmo distante, continuaram a orientar seus discípulos, suas discípulas do Brasil, por meio de correspondências.

Kalley faleceu em janeiro de 1888, e, em 1892, Sarah criou a Help for Brazil Mission para apoiar as igrejas fundadas no Brasil. Com o auxílio de amigos e familiares, ela formou uma missão indenominacional[19], funcionando como uma rede de cooperação com as igrejas kalleyanas, mantendo uma ligação estreita com os projetos missionários, mesmo após a morte de seu marido. Essa missão de apoio envolveu diferentes formas de participação, como apoio financeiro e logístico, e atuava como um elo importante para reduzir a solidão característica dos projetos pioneiros.

Sarah Poulton Kalley faleceu em agosto de 1907, após dedicar 52 anos de sua vida ao projeto de implantação e consolidação de igrejas no Brasil. Como líder dedicada, deixou um legado profundo no protestantismo brasileiro. Sua valorização do ministério feminino, aliada à sua criatividade e perseverança em condições adversas, continua a ser uma fonte de inspiração para todas as discípulas de Jesus. Sua vida é um testemunho de como a coragem e a fé podem transformar comunidades, e seu impacto vai além das gerações que a conheceram pessoalmente.

Ao refletirmos sobre as várias frentes de ação de Sarah no Brasil, é evidente seu papel como missionária pioneira e líder de uma igreja protestante nascente. Entre suas inúmeras atividades, estava a supervisão dos colportores, muitos dos quais eram líderes da igreja. Nesse papel, Sarah não apenas apoiava o trabalho evangelístico, mas também exercia uma função de liderança real dentro da comunidade religiosa.

Apesar de nunca ter ocupado um cargo de liderança formal nas igrejas em que trabalhou, Sarah desempenhou ministérios que eram de competência de líderes, e seu objetivo sempre foi alcançar os brasileiros com a mensagem do evangelho. Ela, junto com seu marido, foram legítimos pioneiros na implantação de igrejas no Brasil (Igreja Evangélica Fluminense no Rio de Janeiro, em 1858, e a Igreja Evangélica Pernambucana em Recife, em 1873).

Suas estratégias evangelísticas não se limitavam ao ambiente eclesiástico, mas se estendiam ao cotidiano, onde ela procurava atingir as pessoas através de suas relações sociais e ações concretas. Cada movimento e cada tática utilizada tinha como foco a conversão dos indivíduos ao protestantismo, evidenciando sua visão pragmática e dedicada à expansão da fé no Brasil. O impacto de seu trabalho ultrapassou os limites das instituições religiosas, refletindo sua convicção de que a missão estava presente em todos os aspectos da vida.

Ao revisitar a biografia dessa missionária pioneira, fica evidente que o protestantismo brasileiro tem profundas raízes no ministério feminino, um aspecto muitas vezes negligenciado na historiografia oficial. O relato predominante, construído a partir de perspectivas androcêntricas, tendem a silenciar as mulheres, impondo estereótipos e papéis sociais predeterminados. Diante disso, é essencial reavaliar e reescrever suas histórias, permitindo reconhecer sua importância e contribuição na formação do protestantismo brasileiro.

“Para Sarah, o viver no cotidiano era um exercício missionário. Fazia-o com criatividade e liberdade. Desenvolveu uma espiritualidade expressa no cumprimento de sua missão, utilizando os dons e ministérios recebidos pelo Senhor para ser e fazer discípulos”. (Douglas Nassif Cardoso)

Douglas Nassif Cardoso

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[1] Ministro do Evangelho, Professor de Teologia e História, Mestre e Doutor em Ciências da Religião.

[2] Sarah assumiu a responsabilidade pelo hinário Salmos & Hinos no Brasil, organizando a coleção em sete edições de hinários com letras (1861, 1865, 1868, 1873, 1877, 1879 e 1883) e duas edições de hinos com músicas (1868 e 1889).

[3] CARDOSO, Douglas Nassif. A Mulher Atrás da Letra K… Revista Mandrágora, v. 7, n. 7-8, p. 63-66, 2001.

[4] ROCHA, João Gomes da. Lembranças do Passado – Dr. Robert R. Kalley. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, vol. 1, 2ª ed., 2013; vol. 2, 2ª ed., 2013; vol. 3, 3ª ed., 2015; vol. 4, 2ª ed., 2017.

[5] LUZ, Fortunato Gomes da. Esboço Histórico da Escola Dominical da Igreja Evangélica Fluminense – 1855-1932. Rio de Janeiro: Igreja Evangélica Fluminense, 1932.

[6] SILVA JÚNIOR, Ismael da. Heróis da fé congregacionais – Dr. Robert Reid Kalley e D. Sarah Poulton Kalley. Rio de Janeiro: s/ed., 1972, v. 1.

[7] MONTEIRO, Esther Marques. Um Retrato de Mulher – Sarah Poulton Kalley. Revista Vida Cristã, 3º Trimestre, 1998.

[8] CARDOSO, Douglas Nassif. Sarah Kalley – Missionária Pioneira na Evangelização do Brasil. São Bernardo do Campo: Ed. Autor, 2020.

[9] CARDOSO, Douglas Nassif. Convertendo Através da Música – A História de Salmos & Hinos. São Bernardo do Campo: Ed. Autor, 2005.

[10] CARDOSO, Douglas Nassif. Cotidiano Feminino no Segundo Império. São Bernardo do Campo: Ed. Autor, 2005.

[11] KALLEY, Sia Azara. A Happy New Year: 1908”. Edinburgh, 1907. Agradecemos ao Pr. José  Remígio Fernandes Braga, presidente da Associação Basiléia, pelo acesso à biblioteca e pela gentil oferta de uma cópia do livro durante nossa visita.

[12] Versão bilíngue realizada por Priscila Klein Cardoso e a capa e o projeto gráfico do livro foi executado por Silas Klein Cardoso. A profa. Lisete Espindola adaptou textos dos “poemas perdidos” e produziu arranjos musicais permitindo que, no bicentenário da missionária inglesa, possamos executar cânticos inéditos de Sarah Kalley.

[13] KALLEY, Sarah Poulton; CARDOSO, Douglas Nassif (ed.). Poemas Perdidos – Uma Antologia do Início do Protestantismo no Brasil. Destacamos o nome de Sarah Kalley para prestar tributo ao trabalho da autora dos poemas (in memoriam).

[14] Agradecemos essa informação obtida nos arquivos eletrônicos do condado de Notthingam, Inglaterra, pela pesquisadora Cássia Carla Silva de Lima.

[15] As informações sobre a infância e adolescência de Sarah em Londres foram extraídas do livro The Life of Samuel Morley, de Edwin Hodder, publicada em 1887,  Hodder and Stoughton, em Londres. Agradecemos ao Sr. João Martinez que, durante nossa pesquisa, estava em Londres, localizou o livro em Edimburgo e gentilmente nos enviou.

[16] Diego G. Farias integra a Comissão Permanente de Salmos & Hinos e a Associação de Amigos de Salmos e Hinos. Ao lado de seu irmão Maycoln de Paiva Farias, são músicos e dedicados estudiosos dos hinos e da história do protestantismo no Brasil.

[17] Em 08 de abril de 1862, ao fazer visitas pastorais o cavalo em que Kalley montava veio a cair em pleno galope, pisando e ferindo a perna esquerda do missionário escocês. Sem alcançar melhora foram para a Inglaterra em agosto de 1862, retornando em setembro de 1863. Mais informações: CARDOSO, Douglas Nassif, Robert Reid Kalley – Médico, Missionário e Profeta, São Bernardo do Campo: Ed. do Autor, 2001.

[18]  Mais informações sobre as adoções dos Kalley na pesquisa realizada pela Equipe da Biblioteca Fernandes Braga, da Igreja Evangélica Fluminense, com excelente ilustração (35 fotos): ANDRADE, Ilda Marques de, SOUZA, Maria Elisa Lima de. A Mãe de Edimburgo.

[19] A Help for Brazil Mission era formada por amigos e familiares de Sarah e totalmente independente de denominações.

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1 Resultado

  1. Carlos Henrique Machado disse:

    Excelente artigo que deve ser amplamente compartilhado.

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