HCC 315 – És minha alegria

História

315. És minha alegria

A GUERRA dos trinta anos (1618-1648) entre católicos e protestantes trouxe ao povo da Europa um ânimo sóbrio. Levou o povo a uma necessidade de firmeza espiritual:

Fé não era mais um negócio de especulação ou indiferença: requeria constância e convicção. (…) Num mundo de incertezas, muitos procuraram o conforto e a paz nas palavras e promessas de Cristo. Almejavam a vinda de Cristo.1 

Os hinos desta época refletiam seu ambiente. Muitas vezes subjetivos e místicos em caráter, contrastando com os hinos anteriores, sempre foram “fervorosos na expressão da fé e esperança cristã. Foram os precursores dos hinos pietistas das décadas que seguiram”.2 

Johann Franck quefoi, além de Paul Gerhardt, o melhor hinista desta época, cria que poesia devia ser “a ama da piedade, o arauto da imortalidade, o promotor da alegria, o conquistador da tristeza, e o antegosto da glória celestial”.3 Seus 110 hinos e salmos ecoaram este espírito. “Sua idéia principal era a união da alma com seu Salvador”.4

És minha alegria, uma das suas poesias mais lindas, expõe este pensamento. É fortemente cristocêntrica. A estrofe 1 confessa que nossa alegria é Cristo, e nada é mais precioso do que ele e seu amor. Franck escreveu este hino, de seis estrofes, para fazer contraste com a busca hedonista de prazeres do mundo do seu tempo (ainda mais evidente no nosso!). Seguiu o padrão de uma canção popular Flora, meine freude(Flora, minha alegria), mas mostrou desde a estrofe 1 o que Cristo é para o crente: sua alegria, Pastor, sustento, guia, Cordeiro que, no amor profundo, nos livra de tristezas e angústias.

A versão do HCC inclui três das seis estrofes. A estrofe 4 do original (segunda no HCC), que despreza as riquezas, prazeres, honras e lisonjas deste mundo, preferindo Cristo, nosso alento em qualquer sofrimento, mostra como Cristo se aproxima de nós nos animando, dando vida e paz. A estrofe 6 (terceira no HCC) proclama que Cristo satisfaz a todos os que o adoram e continua a ser a alegria daquele que o busca, mesmo sofrendo escárnio e zombaria. Verdadeiramente, “Cristo é nosso maior tesouro e fonte de alegria profunda”,5 algo que a pessoa que não o conhece não pode compreender ou experimentar.

Na apresentação deste hino sugere-se incluir a descrição dos ensinos de cada estrofe antes de cantá-la, enquanto o instrumentista toca o hino ou um dos prelúdios corais baseados nesta melodia.

Johann Wolfgang Franck (1618-1677) nasceu em Guben, Estado de Brandenburgo, na Alemanha, filho de advogado e membro do conselho da cidade. Quando seu pai morreu, foi adotado por um tio, juiz da cidade. Estudou direito, formando-se na Universidade de Königsberg (a única universidade que continuou a funcionar durante a Guerra dos trinta anos). Seu espírito religioso, amor à natureza e amizade com os poetas sacros Heinrich Held e Simon Dach preservaram-no dos excessos dos seus outros colegas da universidade. Um dos seus professores guiou-o no seu desenvolvimento como poeta cuja produção incluía poemas sacros e seculares. O ilustre hinólogo Julian, avaliando seus hinos, fala:

Como hinista, [Franck] é de alto calibre e se distingue por sua fé firme e leal, sinceridade e zelo, forma bem elaborada, expressão nobre, vigorosa e simples.6 

Franck voltou a Guben em 1640 para estar com a sua mãe. A cidade sofreu durante a guerra, especialmente com os ataques dos suecos e saxônios. Franck exerceu a advocacia, subindo, cargo por cargo, de vereador a prefeito e, depois, deputado estadual. Foi muito admirado, como homem público e como poeta.

Depois de aparecerem em coletâneas dos seus amigos, 110 dos seus hinos e salmos foram publicados em sua coletânea Geistliches Zion (Sião espiritual), em 1674. Calcula-se que a metade ainda está em uso na Alemanha, e diversos deles ao redor do mundo. Alguns hinos seus se acham em hinários luteranos no Brasil, e dois lindos exemplos dos seus hinos a Jesus são Senhor Jesus (Os céus proclamam, v.3, n.131) e Cristo, sol da vida (Seja louvado, n.253), hino que Handel (ver HCC 106) incluiu numa paixão.

Uma das razões deste hino ter se difundido pelo mundo é a feliz união com a linda melodia JESU, MEINE FREUDE (Jesus, minha alegria), uma melodia tradicional alemã adaptada para o texto pelo ilustre compositor Johann Crüger, em 1653. Apareceu na sua famosa coletânea Praxis pietatis melica (A prática harmoniosa da piedade), na edição daquele ano. Este choral (ver no HCC 130 uma descrição do coral alemão) inspirou o inigualável Bach muitas vezes, sendo por ele incorporado em diversas cantatas. Seu Moteto n.3 para cinco vozes, com o mesmo título, considerado “um dos mais belos motetos alemães”, foi baseado nestecoral. Bach muito sabiamente o “intercalou com versículos do capítulo oito da Epístola aos Romanos”. Jesu, meine freude destaca-se também entre os muitos prelúdios e fantasias de coral de Bach.

(Ver dados sobre o compositor Johann Crüger, fonte principal para a hinódia luterana do séc.17, no HCC 10).

Joan Larie Sutton traduziu do alemão o terceiro moteto de Johann Sebastian Bach, baseado neste hino, em 1973.

(Ver dados no HCC 25 desta hábil tradutora, em cujo acervo de traduções incluem-se oratórios, motetos, cantatas, e música para coros, solos e congregação).

1. RYDEN, E.E. The story of christian hymnody. Rock Island, IL: Augustana Press, 1959. p.103.

2. Ibid.

3. Ibid. p.104.

4. POLACK, W. G. The handbook to the Lutheran hymnal, Saint Louis, MO: 1975. p.507.

5. POLMAN, Bert. Jesus priceless treasure. Em: HUSTAD, Donald P. ed. The worshiping church. Worship leader’s edition, Hope Publishing Company, 1990. Nº119.

6. JULIAN, John, ed. A dictionary of hymnology. Dover Edition. New York: Dover Publications, 1957. p.386.

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