Os hinos na Liturgia Anglicana do Século 20 – Roberto Torres Hollanda
Os hinos na liturgia anglicana do século 20
(Especial para “Hinologia Cristã”)
No século 15, os coros e as congregações das igrejas inglesas cantavam salmos, em latim; no seguinte, antemas, em latim ou inglês; alguns compositores (Thomas Tallis) escreveram hinos em língua latina.
O Livro de Oração Comum (1549 e 1552) substituiu o latim pelo inglês, mas a rainha católica Mary I (1553-1558) restaurou a liturgia latina.
Ainda no século 16, a protestante Elizabeth I (1558-1603) ordenou o uso da liturgia anglicana.
Em 1820 foi oficialmente permitida a execução de hinos nas igrejas anglicanas.
No século 20, a hinodia entrou vigorosamente no repertório coral da Igreja da Inglaterra.
A antiga tradição foi sustentada pelas catedrais e pela abadia de Westminster até os dias atuais.
Na hinodia contemporânea, os hinógrafos que destaco são: Ralph Vaughan Williams (1872-1958), James Quinn (1919) e Thomas Stevenson Colvin (1925), que trataram da responsabilidade cristã.
Eruditos têm observado que a Música é esteticamente subserviente em relação à Liturgia. Na opinião deles, a Royal School of Church Music (RSCM) tem impedido o desenvolvimento estilístico da música nas catedrais inglesas. Examinaram o rico material hinográfico produzido entre 1900 e 1950 e três relatórios do Arcebispado (1922, 1951 e 1992). Julgaram que foi institucionalizado e padronizado o estilo da catedral, a fim de subordiná-lo à linguagem do Livro de Oração Comum.
A prática hinódica das igrejas, no Reino Unido e nos Estados Unidos, foi orientada por três hinários: 1) “Hymns Ancient and Modern”, editado em 1861 pelo hinólogo William Henry Monk (1823-1889); 2) contrastando a mentalidade, vigente na era vitoriana, em 1906 saiu a primeira edição do “The English Hymnal”, reeditado em 1933, sob a supervisão do liturgista Percy Dearmer, focalizou questões sociais dentro da Igreja inglesa, entre elas a condição física do povo; por exemplo, “God save the People”; este hinário elevou o padrão técnico da hinodia inglesa; 3) “The Hymnal”, editado em 1940, reeditado em 1982 (que usamos em nossas pesquisas), para uso da Igreja Episcopal nos EUA (ECUSA); requer que as palavras dos hinos sejam transcritas segundo fontes aprovadas; contém música para o “service” (culto anglicano), de acordo com o Livro de Oração Comum (1979), e letras e músicas de 720 hinos, para uso congregacional.
Assista: “Comigo Habita, ó Deus (Comunhão Divina)” de William Henry Monk (1823-1889) pelo Coral “Cantores Evangélicos” regido por Dorotéa Machado Kerr.
O Monarca tem competência para interferir em questões de Liturgia e Música.
Os monarcas ingleses têm sido coroados em conformidade com a liturgia protestante; em 1685, prevaleceu a liturgia católica, na coroação de Jaime II.
Tive a rara oportunidade de assistir, pela Internet, filmada pela BBC-TV, a cerimônia de coroação da princesa Elizabeth, realizada em 02 de junho de 1953.
Quem entra na abadia é advertido: “You are surrounded by history, not like a museum where it’s just displayed, but here you are standing where history has happened”.
Estiveram presentes mais de oito mil pessoas.
Na imponente e longa solenidade (três horas) observei cinco partes:
1) precedida pelo som das trombetas, a futura rainha foi, em procissão, musicalmente marcada pelo órgão, pela nave da abadia de Westminster, até o anfiteatro, enquanto eram cantados os versos do Salmo 122, “I was glad when they said unto me”; várias composições têm sido usadas, mas a de Hubert Parry (1848-1918) é a preferida desde 1902; este antema foi composto para a coroação de Edward VII; exibe grande dignidade; o arcebispo de Canterbury três vezes apresentou a soberana à congregação; esta respondeu com as palavras do hino “God save the Queen”; Elizabeth jurou cumprir a Constituição; em 1953, pela primeira vez, foi entregue uma volumosa Bíblia à princesa;
2) decorridos 50 minutos, desde a entrada na abadia e depois da recitação do Credo, o coro cantou o hino latino “Veni, Creator Spiritus”; a princesa folheia o “Liber Regalis” e, despojada de suas jóias, é ungida, enquanto é cantado o antema “Zadok, the Priest”; desde o ano 973, o coro cantava esta peça litúrgica (1º. Reis 1: 39), sendo que em 1727 foi usada a composição de Handel;
3) a Soberana recebeu a Regalia (o orbe, o cetro, a vara, a espada, o bracelete, a estola, o manto e a coroa real);
4) coroada, ela deixou a cadeira real e foi para o Trono, a fim de receber a homenagem e a lealdade dos lordes espirituais e temporais; o primeiro dignatário a se ajoelhar perante Elizabeth II foi Philip, o príncipe consorte; foram cantados alguns antemas, entre eles “O taste and see”, de Ralph Vaughan Williams (1872-1958);
5) a rainha recebeu a Comunhão (ao som do “Gloria in excelsis”; o arcebispo proferiu a bênção (cantado o “Te Deum”); é tocada pelo órgão a música do hino protestante “Castelo Forte” (ver: Archive of Recorded Church Music); rainha sai da abadia para a capela, onde é colocada a coroa imperial. Finalmente, em procissão, a nova monarca deixou a abadia de Westminster, ao som da marcha orquestral “Pomp and Circunstance”, de Edward Elgar (1857-1934), católico, mas orgulhoso da tradição britânica. Tornando menos rígido o ritual, foram admitidos hinos latinos, um hino protestante, antemas e a marcha orquestral.
Elizabeth II, como chefe da Igreja da Inglaterra, é frequentadora das celebrações oficiais na abadia de Westminster e dos cultos dominicais em outros templos. Na abadia têm sido executados os 16 hinos seguintes: “O Come, all ye faithful”, de J.F. Wade; “O Thou, whose almighty word”, de J. Marriott; “All people that on earth do dwell”, de W. Kethe; “Praise the Lord, the Almighty”, de J. Neander; “Immortal, invisible, God Only wise”, de W. C. Smith; “O praise ye the Lord”, de H. W. Baker; “Praise to the holiest in the height”, de J. H. Newman; “Lord of all hopefulness”, de J. Struther; “Crown Him with many crowns”, de M. Bridges; “Christ is made the sure foundation”, de J. M. Neale; “Blessed City, heavenly Salem”, de J. M. Neale; “God is love”, de J. Quinn; “Dear Lord and Father of mankind”, de J. G. Whittier: “Love divine, all loves excelling”, de C. Wesley; “All my hope on God is founded”, de R. S. Bridges e J. Neander; e “Guide me, O Thou, great Jehovah, Redeemer”, de W. Williams.
Nota: Crown Him with many crowns”, de Matthew Bridges; foi traduzido para o português por João Wilson Faustini, sob pseudônimo J. Costa (J. de João e Costa, sobrenome de sua primeira esposa);
Passados 68 anos, o reinado de Elizabeth II é o mais longo da história inglesa. Na Inglaterra, desde 1215, têm ocorrido crises: entre a nobreza e a realeza, as dinastias York e Lancaster, as Igrejas Romana e Anglicana, o Monarca e o Parlamento, a Escócia e a Inglaterra, a Monarquia absolutista e o movimento republicano (com a decapitação em 1649 de Charles I), o Reino Unido contra as colônias na América e o exército revolucionário irlandês. Depois da era vitoriana (1837-1901), houve mudanças políticas e sociais, sob a liderança alternada de Conservadores, Liberais e Trabalhistas.
Elizabeth II apoiou, na forma da lei, medidas para solidificar o sistema constitucional, transformando o seu Reino num Estado de Direito e Bem Estar Social.
Parece haver consenso entre a Declaração de Direitos dos Cidadãos e o Livro de Oração Comum. No Reino Unido, 60% da população declara-se cristã e 30% não professa qualquer religião. É verdade que a Igreja desempenhou um papel muito maior na Sociedade.
Sua Majestade, com sua conduta política e religiosa, tem dado o exemplo, por isso, estando a nave quase completamente lotada, vemos homens e mulheres cantando com entusiasmo. Elizabeth II tem consciência da liturgia do cargo de chefe de Estado. O povo que se aglomera HOJE em Westminster dá testemunho de que pertence a uma nação sábia e poderosa, que é feliz!
Internet – “Links”:
recordedchurchmusic.org/audio
Bibliografia sugerida:
Arnold, Jonathan. Sacred Music in Secular Society. Aldershot: 2014.
Music, David W. A Survey of Christian Hymnody.
Fort Worth, Texas, USA: 1999.
Music, David W. Hymnology: A Collection of Source Readings. Fort Worth, TX, USA: 1996.
Thomas, Martin. English Cathedral Music and Liturgy in the Twentieth Century. Burlington, VT, USA: 2015.
Watson, J.R. The English Hymn: A Critical and Historical Study. Oxford: 2003.
Roberto Torres Hollanda
Brasília, DF, em 15 de novembro de 2021.
© 2021 de Roberto Torres Hollanda – Usado com permissão
Doc.HC-120
Excelente artigo!