O Hinário na Linguagem de Amanhã – Roberto Torres Hollanda

O Hinário na Linguagem de Amanhã
(Especial para “Hinologia Cristã”)
(Segunda versão – revista e aumentada)

Hinários

Em 1966, a sociedade bíblica americana preparou mais uma tradução do Novo Testamento, originalmente escrito em grego, por meio de uma comissão internacional de pesquisadores eruditos, financiada pelas sociedades bíblicas unidas; esse texto básico foi publicado sob o título “Good News for Modern Man” – The New Testament in Today’s English – numa edição de Robert G. Bratcher. Essa tradução já foi consultada mais de seis bilhões de vezes na Internet!

O editor Bratcher era filho do estadunidense Lewis Malen Bratcher (missionário entre 1918 e 1953), para quem o Brasil era “a outra América”.

Fui agraciado em 1968 por uma dedicatória escrita de próprio punho pelo missionário Edgar Hallock, pastor da Igreja Batista “Itacuruçá”.

Essa tradução não foi bem recebida pelos Protestantes ingleses (principalmente pelos Anglicanos) que consideravam, desde 1611, a “King James” (versão do Rei Jaime) a verdadeira Escritura Sagrada.

Em 1973, a Sociedade Bíblica do Brasil publicou a primeira edição de “A Bíblia na Linguagem de Hoje” (introduzida com o texto neotestamentário), que foi aprovada pela conferência nacional dos bispos católicos do Brasil (CNBB).

Essas edições foram dirigidas a pessoas alfabetizadas com mais de 18 anos de idade. Os textos inglês e português vieram acompanhados, respectivamente, por uma “word list” e um “vocabulário”.

Esses textos me decepcionaram porque neles não havia notas explicativas, nem foram relacionadas as palavras que compunham “a linguagem de hoje”.

Critiquei o fato de que “A Bíblia na Linguagem de Hoje” deixa o leitor ignorando o motivo e a razão dessa tradução.

Entretanto, essas novas traduções foram um fenômeno cultural e editorial, porque a preocupação dos editores era a “equivalência dinâmica”, difundida por Eugene Nida, isto é, queriam dar o significado contemporâneo das palavras bíblicas, de maneira que todos os leitores pudessem entende-las. Uma boa tradução acontece quando os leitores entendem a mensagem da língua original.

Para dar exemplo, li o relato do evangelista João (cap. 11), a respeito da ressurreição de Lázaro (KJV; NT na Linguagem de Hoje; Bíblia da Imprensa Bíblica Brasileira).

Chamo sua atenção especial para os versos 14 e 15:

“Then said Jesus UNTO THEM plainly, Lazarus IS DEAD. And I am glad for YOUR SAKES that I was not there, TO THE INTENT YE MAY BELIEVE; NEVERTHELESS let us go unto him” (KJV).

“Então Jesus disse claramente: Lázaro morreu. Estou contente de não ter estado lá com ele, porque assim vocês vão acreditar. Vamos lá vê-lo” (BLH).

“Então Jesus LHES DISSE claramente: Lázaro morreu; e, por vossa causa, folgo de que eu lá não estivesse, PARA QUE CREAIS; mas vamos ter com ele” (IBB).

Nesta comparação, a “King James” é a que melhor descreve a atitude de Jesus.

No primeiro ano em que esteve à disposição do público, foram vendidos de “Good News for Modern Man” mais de 5 milhões de exemplares. Até agora, mais de 40 milhões de cópias foram disponibilizadas.

No meio evangélico brasileiro, o NT “na linguagem de hoje” suscitou polêmicas travadas por líderes religiosos. A temática também despertou o interesse de pesquisadores acadêmicos (Norman Geisler, Henri Meschonnic e Luiz Antônio Giraldi).

Desde a Idade Média existe alguma preocupação em tornar o texto bíblico acessível. Entretanto, a “linguagem de hoje” não me parece apropriada num

culto eclesiástico.

Uma reportagem na revista VEJA (páginas 6, 56-61), de 26 de janeiro de 2022, trata da “linguagem neutra”. Na carta ao leitor, o editor acabou escrevendo que Machado de Assis (1839-1908) não foi exótico em relação à Inglaterra, da qual o Brasil era semicolônia; a potência britânica nutria o modelo literário de Shakespeare. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) são amostra de uma linguagem que no século 19 reproduzia a fala das ruas. A linguagem no século 21 pode sinalizar uma transformação da sociedade brasileira.

A linguagem reflete  a situação de um país e de uma nação. Depois de 300 anos da dominação de Portugal sobre sua colônia, a partir de 1822 teve o Brasil sua independência limitada pela potência britânica; nos primeiros 30 anos do século 20, sonhou ser a França (no Rio de Janeiro construiu a Praça Paris), e desde meados desse século tem procurado copiar a “american way of life”; estes são os quatro sinais da fratura do seu esqueleto social e de sua identidade nacional! É possível que no futuro venha a imitar a prosódia chinesa.

De acordo com as repórteres de VEJA,  atualmente a “linguagem neutra” acolhe a tolerância e a diversidade. As autoras da reportagem (Jane Sampaio e Sofia Cerqueira) pediram ao leitor: “Imagine uma pessoa falar português com seu/sua amiguE, sem usar pronome que distinga homem (ele) de mulher (ela) e dando preferência ao indefinido ILE; … caem fora os adjetivos e flexões verbais que sejam indicativos de sexo … a chamada “linguagem neutra” deleta diferenças de gênero …”.

Esse jeito de falar tem origem nas pessoas que não se reconhecem nem como homem, nem como mulher; vem sendo aos poucos incorporado à vida em sociedade.

As repórteres deram exemplo de como ficaria uma canção do poeta popular Roberto Carlos: “Você minhE amiguE de fé, minhE irmanE camarada, amiguE de tantos caminhos e tantas jornadas, cabeça de adultE, mas o coração de meninE, aquelE que está do meu lado em qualquer caminhada”.

O dicionário americano “Merriam-Webster” define “they” e “them” como opção de tratamento a “he”/”him” (masculino) e “she”/”her” (feminino).

A “linguagem de amanhã” também está minando a cultura francesa. No Japão, uma empresa aérea dispensou o tradicional “ladies and gentlemen” (senhoras e cavalheiros); agora são saudados assim: “welcome, everyone” (benvindos a todos).

Em 2021 o interesse dos brasileiros pela “linguagem neutra” cresceu 3.230%.

A Linguística procura interferir na linguagem bíblica; não é mais “a linguagem de HOJE”, mas poderá ser “a linguagem de AMANHÔ.

No princípio do livro do Gênesis encontramos a afirmação de Moisés sobre a criação do homem e da mulher; esta linguagem do PASSADO, que ainda HOJE permanece, seria transformada pela linguagem do AMANHÃ.

Antônio José dos Santos Neves (1827-1874) escreveu em 1867 o belo hino “Se nos cega o sol ardente” (SH-183) – (ver: Martins, Wilson. História da inteligência brasileira. São Paulo: Cultrix/Editora da USP, 1977).

Outros bons poetas foram Luiz Vieira Ferreira (1835-1908) – (SH-570), os pastores Manoel Antônio de Menezes (1848-1941) – (SH-306) e Leônidas Philadelpho Gomes da Silva (1854-1919 – (SH-333), estes talvez inspirados pelo estilo literário de Machado de Asssis.

Nessa linguagem neutra, como ficarão os outros poemas usados no “Salmos e Hinos”, no “Cantor Cristão” , no “Hinário para o Culto Cristão” e demais hinários evangélicos?

Brasília, DF, em 03 de fevereiro de 2022.

Roberto Torres Hollanda.

http://www.nassau.mus.br/

Doc.HC-122

© 2022 de Roberto Torres Hollanda – Usado com permissão

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1 Resultado

  1. Carmélia Borba Tonin disse:

    Esse artigo, com toda consideração ao seu autor, expõe o quanto está equivocado quanto aos princípios bíblicos quando diz que ” Atualmente a linguagem neutra acolhe a tolerância e a diversidade para manter as classes sociais em seus devidos lugares.” É sabido e notório que a linguagem neutra foi forjada para não identificar homem ou mulher. Tem fundamentalmente a ver com a “ideologia de gênero” que querem implantar no Brasil e no mundo. Essa linguagem é para desfigurar o homem e a mulher, o pai e a mãe e, por sequência a família tradicional instituída por Deus. Não é absolutamente sobre acolhimento de tolerância ou diversidade ou “manter classes sociais em seus devidos lugares”, aliás , ideia essa que não se sabe o que o autor está querendo dizer. Isto porque o nosso Senhor Jesus Cristo, homem, Filho primogênito de Deus, não se ocupou muito com as classes sociais ( escravo, livre,…), mas sim com implantação do Reino de Deus nessa terra na vida das pessoas, sejam de que classe forem.

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