Corinho, quem tu és?: Considerações sobre a Canção Religiosa denominada Corinho – Dr. Theógenes Figueiredo
CORINHO, QUEM TU ÉS?:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CANÇÃO RELIGIOSA DENOMINADA CORINHO
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise sobre a canção religiosa denominada corinho. Por que o nome corinho? Em qual momento histórico se deu o surgimento? Quais são as suas principais características? Essas questões foram respondidas através de pesquisa bibliográfica que delineou as suas principais particularidades resultando na valorização dessa forma de canção religiosa.
PALAVRAS-CHAVE
Corinho; canção religiosa; música na igreja; arte; música.
INTRODUÇÃO
Os nomes dados às músicas cantadas comunitariamente nos diversos momentos cultuais das denominações religiosas brasileiras têm, no decorrer da história, variado e causado confusão quanto ao seu entendimento e reconhecimento. Na realidade, os diversos nomes dados às canções religiosas é uma tremenda “festa de conceitos”, conforme escreveu o antropólogo Hermano Vianna, referindo-se ao funk carioca[1].
Os termos mais comuns encontrados para denominar essas canções religiosas são hino, cântico, corinho, louvor e gospel. Neste artigo analisar-se-á algumas das características que compõem o universo da canção denominada corinho.
BREVE HISTÓRICO
Na história do protestantismo houve movimentos religiosos diversos que sincronicamente produziram um quantitativo grande de canções religiosas. Foi assim com Lutero e Calvino que produziram canções no estilo coral e no estilo salmos (salmódia), respectivamente. Foi assim no surgimento da hinódia inglesa com Isaac Watts (sec. XVIII). Foi assim no movimento evangelístico promovido pelos irmãos Wesley (sec. XVIII), na Inglaterra. Foi assim com o movimento Oxford (sec. XIX). Foi assim no movimento de reavivamento espiritual chamado de “Grande Despertar” nos EUA (sec. XVIII). Foi assim no movimento de acampamentos (camp-meetings) nos anos 1800, nos EUA. Foi assim no o movimento denominado Associação Cristã de Moços (sec. XIX).
No Brasil, a partir do ano de 1970 diversos movimentos sociais musicais religiosos surgiram e produziram canções, tanto para serem usadas no canto comunitário quanto para solos e grupos vocais/instrumentais. Essas canções tiveram vários nomes: às vezes cânticos; outras vezes, corinhos; para alguns, música popular brasileira religiosa[2]; para o mercado fonológico, gospel.
A cientista da religião Jacqueline Ziroldo Dolghie agrupa essas canções religiosas surgidas no Brasil em três gerações, afirmando que a diferença fundamental entre elas foi estilística:
– a primeira geração foi de todo o legado musical dos missionários, portanto os hinários, os hinos e canções evangelísticas
– a segunda geração ocorreu a partir do ano de 1970, com “o início de composições estilisticamente brasileiras. […] ritmos brasileiros como o baião, por exemplo, começavam a ser explorados”[3]
– a terceira geração ocorreu a partir do ano de 1990 e recebeu o nome de gospel, que abarcou todos os estilos, isto é, não aponta para estilo algum, mas para qualquer um, brasileiro ou não – popularmente falando, toda a música evangélica é gospel[4].
Em relação ao termo gospel, deve-se ter em mente que existe uma diferença na conceituação desse termo no Brasil, pois “nos Estados Unidos representa estilo musical, que, por sua vez, gera um mercado fonográfico específico. Entretanto, no Brasil, música gospel refere-se a uma variedade enorme de estilos musicais. Aqui, portanto, o termo relacionou-se com o mercado e desvinculou-se do estilo musical”.[5]
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS CORINHOS
. Quanto à sua construção
A primeira característica dos corinhos é a apresentada pelo cientista da religião Luiz Carlos Ramos que afirma que corinho é uma “expressão que se tornou popular nas igrejas protestantes de missão para designar os cânticos alternativos (que não constam do hinário oficial), assim designados porque, originalmente, eram curtos e repetitivos”. Cânticos alternativos são definidos como “os cânticos largamente difundidos dentro das igrejas evangélicas, mas que não representam, necessariamente, teológica, cultural e melodicamente, a opinião oficial da denominação”[6].
A segunda característica é apresentada pelo teólogo e historiador Éber Ferreira Silveira Lima, que afirma que “a expressão ‘corinho’, pelo próprio uso do diminutivo, quer demonstrar que ele é uma simplificação do simples; ou seja, dos coros [chorus], das canções mais populares até então usadas pela igreja.”[7]
A terceira característica é apresentada por João Wilson Faustini, que afirma que os corinhos fazem parte da categoria hino evangelístico ou canção evangelística, pela proximidade das características da construção de ambos: “a letra é mais pessoal, emotiva, de apelo ou exortação, e é própria para campanhas e propaganda”[8].
Corinho e hino evangelístico/canção evangelística têm as seguintes características semelhantes[9]:
(a) têm melodia simples, intuitiva
(b) são, em geral, curtos
(c) as letras usam uma linguagem coloquial
(d) o conteúdo apela mais para o emocional que para o racional
(e) por serem curtos, são facilmente memorizáveis
(f) são mais ritmados, lembrando música popular.
Por causa das características de serem geralmente curtos e possuírem ritmos mais animados os corinhos eram memorizados facilmente. A consequência foi que rapidamente essa forma de canção tornou-se marca registrada dos acampamentos, reuniões de jovens e escola dominicais.[10]
. Quanto ao acompanhamento
A novidade apresentada pelo corinho foi a de ser acompanhado ao violão e ao teclado eletrônico. O violão possibilitou salientar o aspecto rítmico das canções que acompanhava. O acompanhamento mais comum do canto congregacional (comunitário) utilizado nas igrejas era o piano ou o órgão.[11]
. Quanto à sua durabilidade
Outra característica dos corinhos é apontada por Éber Lima, a sua efemeridade. Diz Lima que existe uma grande produção de corinhos ao mesmo tempo um enorme abandono. “É o que já se convencionou chamar de ‘cântico descartável’”[12], tal a rotatividade do uso dos corinhos.
. Quanto à sua difusão espacial
Éber Lima apresenta mais outra característica, a sua regionalidade, “que populariza cânticos feitos por pessoas de uma comunidade local, não ultrapassando, porém, os limites da cidade, das cidades limítrofes, ou ainda, da denominação ou organismo para-eclesiástico”[13].
. Quanto aos temas abordados
Constatou-se que os corinhos abordam os mesmos temas apontados por Antônio Gouvêa Mendonça no livro O celeste porvir. Mendonça apresenta os temas em quatro grupos, a saber:
- – o pietista
- – o peregrino
- – o guerreiro
- – o milenarista[14]
Éber Lima acrescenta mais um grupo:
– o entendimento pentecostalista.
Sobre o “entendimento pentecostalista”, compreende-se
que os dons extáticos, […] são parte importante no ministério que o Espírito executa na igreja. A ênfase do Espírito está nos carismas ligados ao místico: dom de cura, línguas, discernimento de espíritos, profecias, revelações, exorcismo. […] Poderíamos acrescentar que o Espírito Santo é, nesse universo, o enviado de Deus Pai que habilita os homens e mulheres do andar térreo a enfrentar os exércitos satânicos, usando armas do mesmo calibre: as manifestações supranaturais, mágicas, místicas. Tal construção espiritual do mundo está por detrás da corinhologia atual.[15]
Prócoro Velasques Filho, ao analisar os temas abordados nos corinhos do “universo pentencostalista”, os agrupou nas seguintes categorias:
– o andar superior – é o céu onde habitam Deus e os seus anjos
– o porão ou subsolo – é o inferno onde habita Satanás e seus demônios
– o andar térreo – é o mundo onde habitam os homens e mulheres.
Do andar superior “vêm as teofanias divinas”, do subsolo emergem os males físicos e psíquicos “trazidos pelos demônios e espíritos maus”; no andar térreo é onde acontecem as lutas dos “exércitos divinos (anjos e espíritos bons) […] contra os exércitos satânicos (demônios e espíritos maus) pela posse e vitória final do mundo”.[16]
. Quanto à padrões culturais
Uma outra discussão incorporada à forma corinho é apresentada pelo sociólogo David Martin. Martin afirma que certos padrões da cultura se vinculam a alguns símbolos culturais. Essa vinculação é encontrada no corinho, pois este foi vinculado à música de má qualidade por parte da liderança eclesiástica.
Essa vinculação é comprovada através da seguinte afirmação do missionário americano Bill Ichter: “Agora, uma palavra sobre o uso de corinhos. Geralmente, quanto mais a pessoa estuda música, menos aprecia o uso de corinhos. Por quê? De um modo geral, os corinhos são muito mal escritos e, pior ainda, suas músicas e letras, às vezes, são horrivelmente combinadas”.
Porém, o próprio Bill Ichter faz uma ressalva, ao afirmar que “existem também muitos corinhos bons, com música e letra muito significativas. [… Os músicos devem reconhecer] que há neles uma certa coisa que empolga, que incentiva, que entusiasma e que melhora o espírito e o ambiente da reunião.”[17] A conclusão que emerge dessa afirmação é que, como regra geral, os corinhos não são bons, mas é possível passá-los por um filtro e alguns continuarão a ser usados por conter música e letra significativas.
CONCLUSÃO
Os corinhos propriamente ditos são considerados a terceira geração do legado musical recebido pelos evangélicos brasileiros. Dolghie sutilmente afirma que todas as gerações legadas são corinhos, considerando que as características musicais de todas as três gerações são classificadas como simples quanto à sua complexidade.
As afirmações do missionário Bill Ichter sobre os textos dos corinhos e sobre a combinação de seus textos e músicas aplica-se a todas as gerações das canções religiosas, pois foi numerosa a produção dessas canções nas diversas gerações. Os responsáveis por essas produções foram tanto leigos quanto clérigos e poetas, associados ou não a músicos. É comum que se encontrem produtos de baixa e alta qualidades numa produção quantitativamente alta, como foi a produção de corinhos.
Mesmo aceitando as afirmações de Dolghie e Ichter, não é possível considerar os corinhos como sendo uma canção em nível inferior às demais canções produzidas nos diversos momentos históricos. É necessário entender o momento histórico do surgimento dessa forma de canção religiosa, conhecer suas características e analisar seus textos e música para valorizá-la.
Cabe à liderança eclesiástica realizar a análise dos corinhos em suas dimensões bíblica, teológica, literária e musical para verificar se contém os atributos necessários que indiquem a sua utilização nas liturgias locais.
[1] VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
[2] Assim denominado pelos próprios integrantes, “fruto da politização da juventude estudantil de classe média, e posteriormente, da teologia da libertação”. DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Por uma sociologia da produção e reprodução musical do presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da UMESP. São Paulo: UMESP, 2007:211. Disponível no endereço eletrônico http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=673.
[3] DOLGHIE, 2007:208.
[4] DOLGHIE, 2007:155-216.
[5] DOLGHIE, 2007:196-197.
[6] RAMOS, Luiz Carlos. Os “corinhos” – uma abordagem pastoral da hinologia preferida dos protestantes carismáticos brasileiros. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo: IMES, 1996:20.
[7] LIMA, Éber Ferreira Silveira. Reflexões sobre a “corinhologia” brasileira atual. In Boletim teológico, nr 14. Março de 1991. Porto Alegre: Fraternidade Teológica Latino-Americana, Seção Brasil, 1991:55. Disponível no endereço eletrônico http://www.ftl.org.br/downloads/bt014.pdf.
[8] FAUSTINI, João Wilson. Música e adoração. São Paulo: Publicação Coral Religiosa Evelina Harper, 1973:15.
[9] LIMA, 1991:55.
[10] DOLGHIE, 2007:205.
[11] LIMA, 1991:56.
[12] LIMA, 1991:57.
[13] LIMA, 1991:57.
[14] MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste provir – a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995:225.
[15] LIMA, 1991:58.
[16] VELASQUES FILHO apud LIMA, 1991:58.
[17] ICHTER, Bill H. A música e seu uso nas igrejas. Rio de Janeiro: JUERP, 1977:34.
Excelente análise e pesquisa. Parabéns!